Search
Close this search box.

Editais de subvenção econômica podem alavancar o setor aeroespacial

Recentemente, foram anunciados pelo Governo Federal três editais de subvenção econômica para as indústrias do setor aeroespacial brasileiro, os quais têm o potencial de moldar o futuro desse segmento. No dia 3 de agosto, foi lançado o edital do Veículo Lançador de Pequeno Porte para lançamentos de nano e/ou microssatélites, no valor de R$ 190 milhões.

Em 15 de julho, foi publicado o edital para as Plataformas Demonstradoras de Novas Tecnologias Aeronáuticas (PDNT), no valor de R$ 140 milhões, e no dia 29 de junho, o edital do Satélite de Pequeno Porte de Observação da Terra de alta resolução, no valor de R$ 220 milhões.

O presidente da AIAB (Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil), Julio Shidara, explica que essas oportunidades podem alavancar a indústria aeroespacial brasileira e apresenta as razões pelas quais elas são importantes também para o Brasil.
 

O que esses editais representam para a indústria aeroespacial brasileira?

Julio Shidara – Para as indústrias do setor aeronáutico, a subvenção para as plataformas demonstradoras proporcionará condições adequadas para o desenvolvimento de tecnologias, ainda em fase pré-competitiva, que viabilizarão, no futuro, soluções de mobilidade urbana, com características disruptivas como decolagem e pouso na vertical, propulsão totalmente elétrica e navegação autônoma, dentre outras, sem citar os benefícios indiretos decorrentes de transbordamento tecnológico para outros setores da economia.

Um contínuo e intenso esforço de inovação tecnológica visando a aumentar a competitividade de seus produtos é uma questão de sobrevivência para a indústria aeronáutica brasileira. Sem isso, corre-se um sério risco de perder, rapidamente, participação no importante mercado global em que atua, que é caracterizado por acirrada e crescente competição.

Para as indústrias do setor espacial, representou um grande alívio, em razão de sua participação no projeto da Plataforma Multi-Missão (PMM), último projeto de porte que envolveu a indústria espacial brasileira de maneira significativa, ter sido concluída há mais de 7 anos, sem que novos projetos com envolvimento industrial tenham surgido desde então.

Diante desse cenário, que representou uma das mais severas crises de demanda na história recente do Programa Espacial Brasileiro (PEB), várias empresas do setor espacial estavam a ponto de sucumbir, o que causaria a perda de domínio de tecnologias conquistadas em décadas de PEB e que são essenciais para futuros projetos espaciais de interesse do Brasil.

Os editais do satélite e do lançador constituem-se em oportunidades ímpares para que a indústria espacial brasileira demonstre a sua maturidade e a sua competência para desenvolver sistemas espaciais completos, conforme antigo anseio da indústria, e consoante diretriz preconizada pela Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (PNDAE).

Quais são as principais características que diferenciam os atuais editais de subvenção econômica de todos os anteriores?

Shidara – Os editais atuais trazem à cena dois importantes paradigmas que potencializarão os retornos de investimentos públicos de fomento à inovação tecnológica destinados ao estratégico setor aeroespacial brasileiro.

O primeiro paradigma é a não pulverização de recursos, concentrando-os em áreas temáticas mais sistêmicas, que apresentam maior potencial para, efetivamente, gerar produtos inovadores.

O segundo paradigma, particularmente notável nos editais para o setor espacial, é a definição, como linhas temáticas, de sistemas espaciais completos. A indústria terá a oportunidade de demonstrar que possui competência, tanto técnica quanto gerencial, para desenvolver um satélite e um lançador completos, em estreita parceria com as demais entidades da academia e Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICT) públicas, integrantes da tríplice hélice da inovação.

Esses novos paradigmas não apenas proporcionarão um maior protagonismo da iniciativa privada como também criarão condições para que a indústria possa contribuir de forma mais intensa no desenvolvimento de futuros projetos espaciais para atender a demandas da sociedade brasileira.

Quais fatores contribuíram para viabilizar esses editais?

Shidara – Foi determinante o consistente apoio oferecido pelos integrantes de todas as instâncias decisórias da estrutura de governança do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Todos eles merecem o nosso reconhecimento, a nossa gratidão e o nosso apreço pela sensibilidade que tiveram de perceber a relevância estratégica da infraestrutura espacial para o desenvolvimento social e econômico do Brasil.

Não podemos, ainda, deixar de reconhecer e agradecer ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e à Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) pelo empenho em viabilizar os editais.

Para os editais do satélite e do lançador, foi ainda essencial o apoio institucional de organizações que integram o Sistema Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (SINDAE), como a Agência Espacial Brasileira (AEB), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e com particular empenho, o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) do Comando da Aeronáutica, dentre outras.

Quais são as perspectivas futuras?

Shidara – É oportuno destacar uma externalidade que contribui para configurar o momento atual como um divisor de águas para a inovação tecnológica no Brasil, não apenas para o setor aeroespacial. A recente aprovação da Lei Complementar no 177/2021, que veta o contingenciamento de recursos do FNDCT, alterará de maneira drástica o fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil.

Com receitas anuais previstas já para os próximos anos alcançando o patamar de R$ 9 bilhões, o FNDCT será a principal fonte de fomento à inovação tecnológica no Brasil. É verdade que ainda existem espaços para aperfeiçoamentos, como buscar o ponto de equilíbrio na oferta de recursos reembolsáveis e não-reembolsáveis, bem como promover alterações legislativas para que a Encomenda Tecnológica (ETEC), um dos principais instrumentos de fomento à inovação, previsto no Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, regulamentado em 2018, possa passar a ser utilizado no âmbito do FNDCT.

Tenho a convicção de que resultados concretos expressivos serão colhidos em menos de uma década. E a razão dessa minha convicção é que, a despeito de minha origem japonesa, constato com muito orgulho que o profissional brasileiro que atua no ecossistema de inovação é diferenciado pela sua criatividade, engenhosidade, flexibilidade e perseverança, dentre muitas outras virtudes.

Nesse contexto, áreas declaradamente prioritárias como o setor espacial, devem receber tratamento de programas do Estado Brasileiro, com priorização de alocação de recursos financeiros (tanto do FNDCT quanto do orçamento federal) para o seu desenvolvimento.

Com comprometimento de alocação de recursos no longo prazo, estou convencido de que, em menos de uma década, a indústria espacial brasileira conquistará protagonismo no cenário global, como ocorre hoje com a respeitada indústria aeronáutica brasileira.

Por que a infraestrutura espacial é muito mais importante para o país do que a maioria da sociedade percebe?

Shidara – Satélites, lançadores e aplicações espaciais constituem uma infraestrutura essencial da qual dependem setores inteiros de infraestruturas críticas de qualquer país, como distribuição de energia elétrica, comunicações, transportes e sistema financeiro, para citar apenas alguns exemplos.

No Brasil, os sistemas de infraestruturas críticas dependem quase que totalmente de satélites estrangeiros para poder prover serviços essenciais e básicos ao cidadão. Mas, infelizmente, o cidadão médio brasileiro não tem essa consciência e, pelo contrário, toma como garantido (“take for granted” em inglês) todos os serviços que utiliza em seu dia-a-dia, todos dependentes de infraestrutura espacial.

A rede elétrica brasileira resistiria a uma falha no GPS norte-americano? Ou sofreríamos um apagão de proporção nacional?

Em 2020, o então presidente Trump decretou uma Ordem Executiva com orientações para mitigar os impactos que uma eventual falha do sistema GPS poderia provocar em infraestruturas críticas dos Estados Unidos como rede elétrica, comunicações, transporte e agricultura, dentre outros.

O Brasil, produtor de alimentos para o mundo de relevância crescente, dependerá cada vez mais de sistemas como o GPS para aumentar a sua produtividade, na chamada agricultura de precisão. Seria razoável continuarmos a depender de constelações estrangeiras para algo tão importante para a economia brasileira?

Num estudo realizado pela consultoria RTI International para o governo dos Estados Unidos em 2019, estimou-se que uma interrupção de 30 dias nos serviços de GPS provocaria impactos econômicos de USD 30 bilhões na economia norte-americana. Os impactos subiriam para USD 45 bilhões, caso a interrupção ocorresse num período crítico para a agricultura.

Precisamos investir na conscientização da sociedade sobre a relevância da infraestrutura espacial para sua vida cotidiana e sobre a vulnerabilidade que representa o Brasil depender totalmente de satélites estrangeiros. Somente dessa forma o PEB ganhará legitimidade junto à sociedade brasileira e, assim, poderá passar a receber investimentos consistentes de forma perene, sem sobressaltos como tem ocorrido nos últimos anos.

Para finalizar, é importante destacar que a indústria aeroespacial brasileira está recebendo as oportunidades proporcionadas pelos editais com grande senso de responsabilidade, totalmente consciente de que o seu futuro dependerá do êxito dos resultados das subvenções.

Não faltarão dedicação, empenho e comprometimento da parte da indústria brasileira para honrar o voto de confiança depositado pelos gestores.
 

Compartilhar:

Leia também
Últimas Notícias

Inscreva-se na nossa newsletter