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Vitimização Policial – Uma realidade a ser discutida

Vitimização Policial – Uma realidade a ser discutida

 

Flávio César M. Fabri

Policial Militar (PMESP – reserva)

Bacharel em direito e Mestre em Ciências

de Segurança e Ordem Pública.

 

 

Em uma “comunidade”, agentes do Departamento PM Vítima (PMESP) prendem integrante de relevante posição em uma facção criminosa, responsável pelo seqüestro e homicídio de uma policial militar. Ocorreu uma perseguição a pé pelas vielas e uso de força física para a contenção do criminoso. Houve excelente parceria com a Polícia Civil da região para o desenvolvimento das investigações (Foto: acervo do autor).

 

Em caráter recente, foi apresentado o documentário “Heróis do Rio de Janeiro” no I Simpósio Nacional de Vitimização Policial (informações disponíveis no site http://www.pmerj.rj.gov.br/2019/05/documentario-herois-do-rio-de-janeiro-abre-simposio-sobre-vitimizacao-policial/). Evento esplêndido e de grande porte, demonstrou que a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro possui perfeita consciência situacional a respeito da problemática. Entre os atores empenhados na reconstrução das vidas de policiais que foram impactadas pelo combate (na acepção da palavra) ao crime, estavam psicólogos (são um quadro de especialistas com missão dedicada na PMERJ, sem outras atividades cumulativas que não as pertinentes a sua formação), fisioterapeutas, assistentes sociais etc. Integrantes do Ministério Público e Magistrados usaram amplamente os termos “guerra assimétrica” e “operações híbridas”. Heróis que carregam em seus corpos as seqüelas de seu compromisso com a missão que juraram cumprir proveram marcantes percepções aos presentes. Uma frase proferida por mais de um palestrante ficou evidente: aqueles heróis possuíam mais horas em combate que muitas unidades policiais (ou militares) inteiras.

 

O documentário “Heróis do Rio de Janeiro” (direção de Mia Carvalho e André Nunes, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=3BAqgahyFoY) deve ser assistido e alvo de intensa reflexão.(Nota Abaixo o vídeo na íntegra)

Baseado na pesquisa do Cel PM Fabio da Rocha Bastos Cajueiro, para Comissão de Análise a Vitimização Policial da PMERJ, o esplêndido documentário merece ser alvo de ampla reflexão sobre o tema (Fonte da imagem: http://www.pmerj.rj.gov.br/2019/05/documentario-herois-do-rio-de-janeiro-abre-simposio-sobre-vitimizacao-policial/).

 

  

Motivo de orgulho para os integrantes e ex-integrantes do Departamento PM Vítima da Polícia Militar do Estado de São Paulo, a menção (durante o simpósio) da necessidade de equipes similares, nas demais Polícias Militares. DefesaNet já proveu artigo a respeito desse tipo de resposta institucional anteriormente (http://www.defesanet.com.br/pm/noticia/25664/A-resposta-institucional-quando-o-policial-militar-se-torna-vitima/). Trata-se de uma equipe especializada em atuar nos casos em que policiais militares se tornaram vítimas de homicídio, tentativa de homicídio e ameaça. Um fato: todos os “alvos” dessa equipe se mostraram capazes de cometer crimes violentos, tão como vitimaram profissionais acostumados a proteger a sociedade, mesmo que para isso tenham como último recurso o uso de armas de fogo (recebendo treinamento para tal). Dessa forma, pode-se falar com toda certeza: é um serviço arriscado, cansativo, que exige dedicação (inclusive sendo necessário empenho constante dos agentes, mesmo nas suas horas em que na teoria estariam de folga) e extremamente especializado.

  

Nos intervalos para o café durante o evento, as sempre adequadas conversas para troca de experiências. É fato que a visão global que a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro possui sobre o tema é fonte de inspiração.

  

De qualquer forma, para se constituir (e mais complicado ainda, manter) uma Equipe PM Vítima em uma corporação, NÃO basta apenas alocar policiais militares com boa vontade. Mesmo estando em um órgão especializado como a Corregedoria PM, a aptidão necessária ao agente, tipo de missão (por sinal, deve-se mencionar também a “identificação com a missão” e adequação pessoal com a mesma) e ambiente em que se insere, entre diversos outros pontos, fazem com que os policiais militares por lá lotados se diferenciem dos demais.

Não são melhores, nem piores. Somente diferentes e com missão dedicada. O conhecimento jurídico, de aspectos administrativos e disciplinares, prática cartorária, entre outros, tão pertinentes e necessários(fazemos questão de frisar) aos integrantes das equipes disciplinares da Corregedoria tão como ao seu Departamento Técnico, não se aplica em sua maioria no trabalho “da PM Vítima”.

 

Nas proximidades de uma “comunidade” da capital paulista, agente do Departamento PM Vítima (PMESP), “invisível no ambiente”, procede ao reconhecimento do local, objetivando localizar um homicida de policial militar. Minutos após, os demais agentes que o acompanhavam de forma imperceptível, efetuaram a prisão. Não sem motivo, os agentes desse Departamento são conhecidos informalmente por “fantasmas” ou “guerreiros das sombras” (Foto: acervo do autor).

 

  

O conjunto de contatos formais e informais do agente PM Vítima (parceiros da Polícia Civil, outros policiais militares, informantes etc) é essencial para o cumprimento da missão. E é normal, quando o assunto é prático, que policiais civis e militares paulistas conversem e trabalhem juntos para obter sucesso na elucidação do homicídio de um policial. Tal mister inclui a arrecadação de provas para que na Justiça seja expedido o mandado de prisão dos “alvos”. E essa competência é da Polícia Civil. Nessas missões existe a certeza que “o chão de fábrica conversa entre si”.   

 

Em uma “comunidade” da Grande São Paulo, integrantes do Departamento PM Vítima contataram “colaboradores” para que, horas depois, se dirigissem a um Distrito Policial e formalizassem um depoimento com o Delegado de Polícia. Tal depoimento se fazia necessário para a instrução do Inquérito Policial. Já havia um alinhamento prévio. Ações colaborativas entre as Polícias são comuns nesse tipo de missão. (Foto: acervo do autor).

 

Talvez o pior cenário para uma Equipe PM Vítima quando de sua composição seja com a lotação de profissionais vocacionados para outras missões, podendo haver o surgimento de um fenômeno que eventualmente é mencionado no “baixo clero operacional” das Forças Especiais dos Estados Unidos da América: o nascimento de uma nova “Fada das Boas Idéias”, que é uma alusão a profissionais que não possuem experiência na área operacional ou naquela missão dedicada (no caso, a das Forças Armadas norte americanas, em ambiente de operações), mas pelo posto acabam dando “formidáveis idéias”, para outros cumprirem. Tão como, posicionamentos que não refletem as boas práticas operacionais já sacramentadas pela experiência ou conhecimento. Os resultados não serão exatamente um sucesso retumbante. Missões diferentes, perfis diferentes, necessidade de vocação para a missão. O que ocorre nas ruas, a dinâmica do serviço, como na prática se mantêm motivada, unida e eficiente uma equipe dessas são coisas que não se vivem ou se conhecem em outros ambientes que não no operacional. Mais do que para si (ou sua carreira e/ou imagem), um agente que atua nessa modalidade de serviço estará trabalhando principalmente vinculado na resposta a viúvas e órfãos (conforme o “discurso” que na PMESP é feito pelos oficiais do Departamento PM Vítima, no Mausoléu da Policia Militar, quando da vinda de novos agentes, defronte ao local de repouso eterno de policiais militares tombados, justamente para expor “para quem” o agente PM Vítima trabalha).

  

A Exma. Sra. Ministra Damares Regina Alves, em seu perfil no Instagram,  fez menção a respeito do tema vitimização de policiais (Fonte da imagem: https://www.instagram.com/damaresalvesoficial1/).

 

Mas o tema Vitimização Policial não é somente alusivo ao homicídio de policiais tão como é singelo como resposta, ter uma Equipe PM Vítima somente.  Na verdade, é necessário que exista um Programa de Policiais Vitimados, com atuação multidisciplinar integrada. Preferencialmente uma “Política sobre Policiais Vítimados” e, nesse ponto haver empenho não somente Institucional, mas ação de atores de diversas esferas (particularmente do poder Executivo e Legislativo) e sociedade. Por exemplo, tem sido alvo de pautas a questão do suicídio de policiais. O percentual chama a atenção, em uma profissão que é uma das mais estressantes do mundo, sendo que o índice é cinco vezes superior ao da sociedade em geral. A atuação de uma Equipe PM Vítima (nos moldes de atuação operacional para se prover respostas com prisões de homicidas) seria praticamente nula para se mitigar esse evento.

  

Se ocorrer por se instrumentalizar uma Política sobre Policiais Vitimados (o que transcende uma instituição policial em si), mais adequado ainda seria que além do suporte àquele que se feriu ou aos entes do policial tombado, que se atuasse efetivamente na Qualidade de Vida do profissional que se sujeita a colocar a própria integridade em risco na defesa da sociedade. Note que muitas vezes a abordagem ao tema é reativa, dando-se suporte após um evento traumático ou exposição constante a situações de risco. O ideal, para tornar o serviço policial atrativo para a manutenção de bons quadros (principalmente os operacionais vocacionados) é que houvesse ao menos certa qualidade de vida após o turno de serviço. A profissão é estressante, arriscada e cansativa por si só. Durante muito tempo se ofertou para complementação do soldo, que é relativamente baixo para o mister em muitos Estados, opções como o empenho voluntário do policial em suas folgas em convênios com as Prefeituras (no Estado de São Paulo, a chamada Operação Delegada) ou mesmo para o Estado (a chamada DEJEM – Diária Especial por Jornada Extraordinária de Trabalho Policial Militar). Dessa forma, para complementar a renda, desde que seja voluntário, há o sacrifício das horas de folga, repouso e convívio familiar, em missões também normalmente cansativas, o que com certeza, impacta na qualidade de vida e saúde (física e mental) desse profissional. Recordo-me, anos atrás, durante a participação em um encontro que trouxe policiais de diversas instituições brasileiras, focado em nivelamento para atendimento em incidentes com explosivos (precedendo os grandes eventos – Copa e Olimpíada) que, durante as conversas “do almoço”, policiais de outros Estados comentavam entre si sobre o que imaginavam a respeito do futuro com a Operação Delegada, no que toca a qualidade de vida dos policiais, tendo em vista ser a notícia da época. Passei a prestar atenção, ouvindo os comentários de forma discreta. A conclusão da conversa era que dificilmente um policial militar paulista teria um reajuste de salário com isso, mantendo-se o soldo baixo na ativa e reserva (justamente quando talvez não tivesse a mesma saúde com o qual ingressou em sua corporação), com empenho de boa parte das folgas. Há várias matérias e estudos também a respeito do impacto da atividade policial em relação à longevidade, no que breve consulta a internet pode comprovar essa afirmação.

A expectativa de vida de policiais e bombeiros, segundo estudos, é inferior a da população em geral. Tais estudos, eventualmente, conforme a localidade, apresentam dados variáveis. Mas a menor longevidade, quando comparada com a população em geral, é fato comprovado (Fonte da imagem: https://www.gazetaonline.com.br/opiniao/colunas/victor_hugo/2019/03/policiais-e-bombeiros-morrem-em-media-aos-58-anos-aponta-estudo-1014172377.html).

 

  

Dessa forma, um Programa para Policiais Vitimados (de preferência uma Política para tal) é mais do que adequado: é necessário. Atuação multidisciplinar integrada (não somente resposta com a prisão de homicidas, mas o devido suporte de psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais etc) provê mais tranquilidade para aquele que efetivamente sabe que corre riscos.

  

Falando sobre correr riscos, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro efetuou uma análise sobre o tema que salta aos olhos de qualquer pessoa. Mais ainda, qualquer ator estatal ou cidadão que possua preocupação com a integridade do ser humano policial no mínimo ficaria estarrecido. Foram tabulados diversos dados a respeito de baixas policiais militares no Rio de Janeiro e, concluiu-se que a chance de ser ferido como policial militar naquele Estado é setecentas e sessenta e cinco vezes maior do que a do militar que participou da Guerra do Golfo Pérsico (Kuwait)!!! Na verdade, ser policial militar no Rio de Janeiro é mais arriscado do que ter participado de qualquer conflito no século XX, incluindo a 2ª Guerra Mundial.

Tabela com a taxa de policiais tombados da PMERJ em comparação com os combatentes participantes de conflitos (Fonte: http://www.pmerj.rj.gov.br/analise-da-vitimizacao-do-policial/).

 

Tabela com a taxa de policiais feridos da PMERJ em comparação com os combatentes participantes de conflitos (Fonte: http://www.pmerj.rj.gov.br/analise-da-vitimizacao-do-policial/).

 

Vale notar que as tabelas demonstraram a morte e o ferimento de policiais militares. As baixas de ordem psicológica também são imensas. Os policiais operacionais (particularmente os lotados nas UPPs) são diariamente expostos a situações de risco e de hostilidade. Fora essas circunstâncias resta também uma pergunta: após o encerramento do seu período de serviço ativo, qual é a condição (saúde física e mental) com o qual o policial militar passará para a reserva? “Quem” e em qual condição, estará sendo entregue para a família?

Nesse período de governo, onde reformas são necessárias e muitas medidas antipáticas devem ser tomadas, percebem-se comentários em redes sociais (como o Twitter) a respeito dos policiais: “são privilegiados”… O ser humano médio, ao tentar no mínimo imaginar o que passa no Brasil um policial militar poderia falar qualquer coisa respeitosa, mas menos “privilegiado”. As tabelas, frutos de estudos da PMERJ falam por si (http://www.pmerj.rj.gov.br/analise-da-vitimizacao-do-policial/).

 

Faço votos nesse momento de reconstrução nacional que se perceba a condição dos policiais brasileiros. O combate ao crime é constante, exige esforços e há a necessidade de amparo e suporte para os que se predispõem a ir para a “linha de frente”. Por vezes, integrantes de facções criminosas atentam contra policiais. É uma afronta ao Estado, à Instituição e à própria sociedade. São necessárias repostas e o preço pago por alguns é altíssimo. Como ouvimos em uma exposição de um magistrado: “as ruas são diferentes dos gabinetes”. E é fato, também, que se o policial for vítima de um crime (como o roubo) e o criminoso descobrir sua condição funcional, a violência será potencializada. Por isso da necessidade da resposta institucional para esses eventos.

Departamento PM Vítima (PMESP), durante uma madrugada com integrantes do Comando de Policiamento de Choque, minutos antes do deslocamento para uma operação. Juntamente com Promotores de Justiça e Policiais Civis, atuaram de forma contundente em uma comunidade do litoral paulista onde havia numerosos relatos a respeito de crimes violentos (e óbito de policiais). Como de se esperar, foram recebidos a tiros por criminosos quando da chegada no local de atuação (Foto: acervo do autor).

  

No caso de São Paulo, o Departamento PM Vítima possui como lema “os que jamais esquecem”. Nenhum colega tombado será esquecido, nenhuma família ficará sem resposta e o criminoso não ficará impune. É o objetivo e onde são concentrados todos os esforços daquela equipe, “leve o tempo que levar”. Há um custo para esses agentes. Eles quase não possuem vida pessoal e se arriscam também (sendo honesto, lidam por anos com “um mundo quase irreal”). Como vários outros policiais.

  

Espero que os atores governamentais olhem para a questão da vitimização policial com a atenção necessária (como recentemente noticiado a respeito da iniciativa do Governo do Estado do Rio de Janeiro), provendo não somente um Programa (com atuação integrada), mas uma política sobre vitimização policial. E quem sabe, com mais vontade política ainda, a questão da qualidade de vida de quem se predispôs a assumir um risco pessoal altíssimo na defesa da sociedade. Que os governos e a sociedade também jamais se esqueçam de nós. “Somente os que optaram por não combater, não possuem cicatrizes”.

 

Challenge coin do Departamento PM Vítima. Que o lema dessa equipe também seja adotado por outros atores estatais, na busca de melhores condições para os profissionais de segurança pública, tão como dando-lhes o devido suporte (Fonte:acervo do autor).

Nota DefesaNet

Do mesmo autor DefesaNet publicou o seguinte artigo:

 

A resposta institucional quando o policial militar se torna vítima

A Corregedoria PM e “aqueles que jamais esquecem”, os integrantes da Divisão PM Vítima, garantirão a resposta legal quando um policial militar que se tornou vítima assim necessitar.

PM Maio 2017

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