O REFLEXO DA PANDEMIA DA COVID – 19 NA SEGURANÇA PÚBLICA DO BRASIL
Rodrigo Luiz Soares Evangelista
É muito importante saber a missão dos órgãos de segurança pública no seio da sociedade, não o descrito na Constituição Federal, pois é passível de consulta a qualquer momento, mas sim o sociológico, o que está no senso comum. Dentro da teoria do filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) do “contrato social”o ser humano abre mão de seu estado de natureza e liberdade absoluta em prol da permissão para que o Estado seja forte e com o poder centralizado, a fim de ter capacidade para conter os impulsos naturais que promovem uma relação caótica entre as pessoas [1]. Em suma, aposta em uma resposta do Estado para os reveses individuais que afetem o coletivo.
Levando em consideração a massiva disseminação de informações acerca da pandemia da COVID-19, por parte da imprensa e o consequente hibridismo social em busca da própria sobrevivência os reflexos da pandemia da COVID-19 na segurança pública brasileira tem três recortes distintos, a saber: os agentes de segurança pública e seu risco diante a exposição do vírus, os agentes de segurança e o combate ao crime em tempo de pandemia e o agente de segurança que tem que cumprir seu dever funcional, mas que como cidadão enxerga em seu semelhante o mesmo temor, sofrimento e consequências da pandemia.
Equipe da Ronda de Ações Intensivas e Ostensivas – RAIO – PMCE, patrulham as ruas de Fortaleza
Fonte: https://www.pefoce.ce.gov.br/2021/02/22/governo-do-ceara-anuncia-conjunto-de-acoes-para-reforcar-a-seguranca-public
O trabalho em segurança pública é considerado um trabalho altamente estressante, isso em decorrência da repetida exposição a situações traumáticas que envolvam a segurança e a vida. Nas grandes capitais brasileiras esse fator é mais latente, haja vista a maior concentração do tráfico de drogas, violência e as altas taxas de homicídios, contextos os quais aumentam a letalidade não apenas da ação policial, como também o risco de agravos à saúde dos policiais.
Para se ter uma ideia da grande quantidade de agentes de segurança pública no contexto nacional, dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública do ano de 2015 atestam que o Brasil possuía 642.244 trabalhadores públicos integrando os efetivos das Polícias Militares, Polícias Civis e Guardas Municipais em todo o país. Já no ano de 2019 esse número de agentes públicos ligados a segurança públicas cresceu, haja vista a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 372/2017, a qual incorpora os agentes do sistema prisional ao sistema de segurança pública.
Integrante da segurança pública paraense é imunizado com a vacina contra a COVID-19
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À alta probabilidade de vitimização descrita anteriormente soma-se, na atualidade, a possibilidade de contaminação pela COVID-19. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 68,8% dos policiais entrevistados sentem medo de alguém próximo ou de ele mesmo contrair o novo vírus. Para se ter uma ideia, dados extraídos da Lei de Acesso à Informação (LAI) atestam que o ano de 2020, no Estado de São Paulo, matou mais agentes da segurança pública vitimados de COVID-19 (43 óbitos) do que em confrontos com criminosos (22 óbitos).
Colimando o cenário atual do Brasil acerca do hibridismo social e de massiva disseminação de informações da imprensa, vem “a reboque” dessas vertentes de uma sociedade insegura, inquieta, sofrendo restrições econômicas e sofrida com perdas irreparáveis e repentinas de membros da família, amigos e conhecidos. Cabe destacar que os membros das forças de segurança pública também são membros da sociedade e trazem consigo os mesmos impactos e sentimentos. A pandemia da COVID-19, adensada pelo hibridismo social e o terrorismo comunicacional trouxe para os integrantes da segurança pública um novo desafio, além do constitucional.
Algumas medidas restritivas foram estabelecidas pelas autoridades de saúde a fim de mitigar a proliferação da COVID-19, dentre elas as medidas preventivas, tais como o uso de máscara, constante higienização das mãos e o isolamento social. Com o aumento dos casos de contágio e de morte, algumas medidas tornaram-se obrigatórias por força de Decretos e a partir daí a fiscalização das recomendações virou mais uma incumbência dos agentes de segurança pública.
Por outro lado, apesar da pandemia da COVID-19, a criminalidade não parou de agir e os índices de crimes permaneceram ativos, no entanto pode-se supor que as orientações de isolamento social por conta da pandemia da COVID-19 contribuíram sobremaneira para a diminuição dos índices de crimes, mas a realidade é bem diferente. De acordo com os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública os índices de homicídio aumentaram comparando o ano de 2019 e 2020. Entre janeiro e junho de 2020, o Brasil registrou 25.712 mortes violentas, ou 7,1% a mais em relação ao mesmo período de 2019 (quando ainda não havia a pandemia).
Polícia Militar de Minas Gerais interdita festa clandestina com mais de 600 pessoas
Fonte: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2021/03/07/interna_gerais,1244190/festa-clandestina-com-600-pessoas-e-interditada-em-contagem.shtml
Ainda na associação da pandemia da COVID-19 com a criminalidade, pode-se dizer que o crime de estelionato também aumentou significativamente, pois segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública do Distrito Federal os crimes virtuais dispararam, naquela localidade. Em 2020, observou-se alta de 87,1 %, em comparação a 2019, de delitos praticados na web.
Em outras partes do Brasil a pandemia da COVID-19 tem seus reflexos na segurança pública. No Paraná, por exemplo, houve um aumento de 15% nos registros de violência doméstica atendidos pela Polícia Militar no primeiro fim de semana de isolamento. No Rio de Janeiro, a incidência foi ainda mais expressiva: os números cresceram em 50%. Já a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH) anunciou aumento de 9% nas denúncias atendidas pelo Ligue 180. Os dados citados anteriormente foram obtidos no Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e publicados no jornal digital Gazeta do Povo .[2]
Cabe destacar que todos esses dados de crimes e violências são costumeiramente disseminados pelos diversos canais e meios de comunicação e como se não bastasse surgem as novas matérias associadas a pandemia e a proliferação da COVID-19, tais como a condução de toques de recolher, interrupção de festas clandestinas e o impedimento de circulação de pedestres em logradouros públicos.
Essas últimas missões atribuídas aos agentes de segurança pública têm causado desconforto a parcela da sociedade e parcela de agentes da segurança pública, pois se voltarmos na definição do “contrato social” de Thomas Hobbes, percebe-se uma engenharia reversa da teoria proposta, ou seja, atualmente o indivíduo está abrindo mão de seu estado natural e de sua liberdade para as sujeições do Estado que está coibindo ainda mais seu estado natural. No senso comum parece ser dicotomia da teoria hobbesiana, em outras palavras a percepção popular está correta e o incômodo dos agentes de segurança são procedentes.
Contextualizando o parágrafo anterior, temos dezenas de exemplos a serem citados, mas vamos nos delimitar aos fatos que tomaram proporção na mídia nacional e internacional. Como exemplo temos o caso do policial militar da Bahia, Wesley Soares Góes, o qual, recentemente em 28 de março de 2021, teve um suposto surto e dirigiu-se da cidade baiana de Itacaré, sul da Bahia, até o Farol da Barra em Salvador, capital baiana. O suposto surto terminou com a morte de Wesley, o qual foi alvejado por seus próprios companheiros de farda após realizar disparos contra a equipe que negociava. Deste fato lamentável no seio da segurança pública baiana, extrai-se as palavras de ordem do policial militar morto, conforme descrito abaixo.
“Comunidade, venha testemunhar a honra ou a desonra de um policial militar do Estado da Bahia…Não vou deixar, não vou permitir que violem a dignidade e honra do trabalhador."
Sendo surto ou não, as palavras do policial militar morto denotam uma insatisfação daquele profissional em relação a violação da dignidade e da honra do trabalhador baiano. Não se pode afirmar que se tratava de uma insatisfação acerca das medidas restritivas da COVID-19 no estado baiano, mas o momento que aquele estado vivia era de severas medidas restritivas por força de Decreto assinado pelo governo local.
Outro caso emblemático de repercussão nacional ligado a segurança pública e à insegurança da pandemia da COVID-19 ocorreu na capital cearense. Uma mulher agrediu policiais militares do Ceará após ser abordada por se recusar a obedecer às medidas sanitárias adotadas para combater a pandemia do novo coronavírus.
Na ocasião o Estado do Ceará passava por medidas restritivas muito grandes de circulação em logradouros públicos em cumprimento do decreto estadual que determinou isolamento social rígido e determinando que só saiam de casa pessoas que estejam atuando nos serviços essenciais ou precisem utilizá-los. A abordagem policial foi realizada pelo fato da agressora estar caminhando na orla de Fortaleza e sem fazer o uso de máscara. Ao ser abordada a mulher, que não foi identificada, recusou-se a colocar a máscara, recusou-se sair do local e ainda desferiu dois tapas no policial militar. A agressora foi conduzida para a delegacia.
O fato descrito anteriormente deixa patente a destemperança da transeunte acerca de uma simples abordagem policial, mas que continha um contexto de “limitação de liberdade” por conta da pandemia da COVID-19.
Outro fato ligado a segurança pública e dentro do contexto da pandemia da COVID-19 foi uma abordagem policial realizada na capital paulista, onde a polícia militar de São Paulo foi acionada para verificar em Parelheiros, zona Sul de São Paulo a ocorrência de desordem pública, haja vista que por conta das medidas restritivas para conter o avanço da COVID-19 naquela capital os bares estavam proibidos de funcionar. Mesmo assim os moradores colocaram mesas na rua para consumo de bebidas alcoólicas e som mecânico em alto volume.
Ao chegar na localidade a polícia militar foi deter o responsável pela venda das bebidas e pelo som mecânico, a ação policial foi questionada e ocorreu um grande desentendimento entre as partes que divergem em suas versões, no entanto, a imagem registrada por um celular mostra um policial militar pisando no pescoço de uma mulher deitada na rua e depois a arrastando para a calçada.
Os relatos anteriores de ocorrências policiais não fazem juízo de valor em relação à conduta da população local que desobedeceu um Decreto estadual ou da conduta policial, mas sim à falta de temperança de ambas partes como consequência do assolamento social da pandemia da COVID-19.
Conclusão
Por fim, pode-se apontar que o momento social, político e econômico do Brasil é muito sensível por força da pandemia da COVID-19 que assolou o mundo. Nesse contexto, o cenário brasileiro não difere muito do mundial, mas ressalta alguns dados que fomentaram a elaboração do presente estudo.
O senso comum do momento atual assegura que a sociedade passa por um tremendo hibridismo social, apesar de suas predileções políticas e sociais, no caso da COVID-19, que aproxima a vida do indivíduo da finitude.
Ainda assim, somado ao contexto social, o cenário comunicacional de massificação de informações da atualidade causa na sociedade um grande terrorismo, particularmente quando ligada a notícias da COVID-19.
Ambos aspectos relatados nos parágrafos anteriores fecham o ciclo conclusivo do presente artigo de opinião, pois pode-se afirmar que incidem diretamente na segurança pública.
Uma sugestão para solução da problemática explorada no presente estudo é a emancipação da informação pré-formatada; a explicação aos órgãos de segurança pública esse processo cíclico para que cada agente, dentre de suas atribuições, possa agir pensadamente frente a cada situação e campanhas de conformação da população para arrefecer os ânimos.
Acerca das soluções para a problemática abordada no presente estudo, deixo patente que a Secretaria Nacional de Segurança Pública produziu uma consolidação de projetos de assistência biopsicossocial e qualidade de vida para os profissionais de segurança pública [3] e um Plano e Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social [4], ambos abordam planos, metas e até programas para apoio a atividade policial de qualquer ordem. Com o assunto abordado no presente artigo, sugere-se que o tema “segurança pública em tempos da pandemia da COVID-19” seja estendido aos programas de capacitação e apoio aos agentes de segurança pública, não só na parte de proteção, mas também na parte de conduta.
Em relação a campanha de conformação da população, no início da pandemia da COVID-19 as campanhas abordavam as medidas preventivas ao contágio, no entanto as campanhas mudaram suas vertentes a sociedade brasileira passou a ser impactada com tanatopropaganda[5]. Em outras palavras, as propagandas tornaram-se ameaçadoras daquilo o que é mais rico para o ser humano, a vida.
Por todo o exposto e para finalizar, faz-se necessário ao poder público a identificação dessa problemática cíclica para que medidas de arrefecimento sejam tomadas e possam resguardar as reputações da sociedade e das forças de segurança pública.
O Autor:
Mestre em Segurança Pública
Mestre em Direitos Humanos e Cidadania
Mestre em Comuicação Social
Pós-Graduado em Direito em Administração Pública
Pós-Graduado em Segurança Pública e Cidadania
Pós-Graduado em Ciências Militares
Graduado em Ciências Militares
Parecerista ad hoc da Revista de Estudos de Segurança Pública (REBESP)
Estudioso em Ciência Política