Dr REIS FRIEDE
Desembargador Federal, Professor Emérito da Escola de Comando
e Estado-Maior do Exército (ECEME) e Professor Honoris Causa da
Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR).
A intervenção federal, ainda que limitada à área de segurança do Rio de Janeiro, não somente encontra-se prevista expressamente na Constituição Federal, como também corresponde a um instrumento presente nas mais diversas legislações constitucionais e intraconstitucionais do mundo democrático.
Exemplo recente de uma intervenção federal circunscrita à segurança pública ocorreu em Miami por duas vezes. A primeira, no início do governo Reagan, em 1981, com uma atuação maciça de efetivos da Guarda Nacional; posteriormente, em 2003, por determinação do governo Bush. Em ambos os casos, com ênfase no primeiro, foi um estrondoso sucesso, debelando a criminalidade que havia tomado conta dessa importante e turística cidade americana.
Intervenção na segurança pública de um estado federado não significa a decretação de estado de exceção. Muito pelo contrário, trata-se de uma medida democrática prevista expressamente no texto constitucional, ainda que de caráter excepcional para situações singulares de grave comprometimento da ordem pública.
A chave para o sucesso desse tipo de empreitada está exatamente na cooperação. Não se pode admitir que o Estado, por definição uno e indivisível, possa se digladiar em face de seus diferentes órgãos com distintas competências.
Tecnicamente, não existem três poderes, apenas o poder estatal, cujo exercício funcional é que é dividido nas esferas executiva, legislativa e judiciária.
Não é razoável supor que um soldado convocado por uma determinação legal incondicional não possa atirar em um bandido que ostenta um fuzil de guerra, ainda que não esteja mirando para ele diretamente, caracterizando a excludente de legítima defesa.
A intervenção não é, como já dissemos, um estado de exceção, mas se constitui em uma regra de exceção, e como tal deve ser interpretada pelos integrantes da magistratura. Não prover aos interventores os meios adequados para sua atuação é condenar toda a operação ao fracasso.
A ONU entendeu isso perfeitamente e, durante sua intervenção no Haiti, liderada pelas tropas brasileiras, o sucesso decorreu, sobretudo, desse entendimento de que é legítima a ação de alguém que mata outrem que está portando uma arma de guerra, mesmo sem estar apontando diretamente para um cidadão ou para integrantes das forças militares e policiais.
Fica evidente que os eventuais excessos devem ser coibidos e punidos com extremo rigor, seja administrativamente pelas próprias autoridades militares e policiais, seja judicialmente pelos juízes.
Executivo, Legislativo e Judiciário, portanto, devem atuar de mãos dadas – inclusive em respeito à autorização do Executivo que foi concedida ouvindo os conselhos respectivos e com o aval do Legislativo, em benefício último da sociedade brasileira e carioca, que é quem, em última análise, também paga os seus salários.
É fundamental que essa intervenção dê certo. Ninguém aguenta mais tanta violência.