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Processo de tomada de decisão em um incidente crítico.

Processo de tomada de decisão em um incidente crítico.

Como se formam os pensamentos e as decisões em momentos de caos

 

Valmor Saraiva Racorti

Tenente-coronel da PMESP, realizou o Curso Preparatório de Formação de Oficiais em 1990-1991. Graduado em Direito pela UNISUL, é bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública e possui mestrados em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública e Ciências Policiais e Segurança Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança “Cel PM Nelson Freire Terra”. Foi comandante de Pelotão ROTA no 1º BPChq de 1994 a 2006, Chefe Operações do COPOM em 2006, Oficial de Segurança e Ajudante de Ordens do Governador do Estado de 2007 a 2014, Comandante de Companhia ROTA no 1º BPChq de 2014 a 2016 e Comandante do GATE de 2016 a 2019. Com atuação em mais de 500 incidentes críticos, atualmente comanda o Batalhão de Operações Especiais, que compreende o GATE e o COE

Wellington Reis

Capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP), atuou nas rebeliões ocorridas em 2006 no Estado de São Paulo, pelo 3º Batalhão de Polícia de Choque, atuou no Grupo de Ações Táticas Especiais (G.A.T.E.) em ações de retomada de reféns e contrabombas e, atualmente, lotado no Centro de Material Bélico da PMESP. Bacharel em direito e pós graduado em Administração pelo Insper. Pesquisador acerca de gerenciamento de incidentes, ações táticas especiais e armamento e tiro.

 

Imagine a seguinte cena: em uma noite calma durante o serviço policial em um posto, na cidade de São Paulo, dois policiais trabalham ouvindo a rede de rádio e atendendo ao público que possa precisar de sua ajuda em qualquer horário. Até aquela hora o serviço se encontrava tranquilo, apenas com atendimentos de ocorrências rotineiras e costumeiras, em determinado momento da noite os policiais observam uma pessoa parando a moto defronte ao posto policial, descendo da moto e sem retirar o capacete adentra ao posto, quando no seu interior, saca uma pistola e aponta para o policial.

A partir desse momento, qual a decisão a tomar? Como ocorre o processo de decisão que resultará na morte do indivíduo, na morte de um policial ou na solução do incidente grave apontado? Quais os fatores que levam a essa decisão? Qual o tempo que os policiais têm para tomar essa decisão?

No caso em questão, os policiais por entenderem que se tratava de uma agressão ou ataque a uma base policial, efetuaram os disparos em defesa própria, resultando na morte do indivíduo, em segundos foram obrigados a decidir qual ação tomar, posteriormente, após o incidente ter sido resolvido e no momento de investigação do ocorrido, foi encontrada uma carta daquele indivíduo relatando os problemas que enfrentava no seu dia-a-dia e desistindo da vida, buscando pelo suicídio, contudo, como não tinha coragem para tomar essa atitude, buscaria outros meios para atingir seu objetivo. Sua ação é classificada como um suicídio por policial – suicide by cop, no termo original em inglês.

Esse termo de suicídio por policial já foi abordado em outro artigo por um dos autores e é de conhecimento geral de profissionais que lidam com os aspectos psicológicos que envolvem esse tipo de evento, tal como os policiais do Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE), que atuam diretamente em incidentes críticos envolvendo suicidas armados. (Link para o artigo Suicído por Policial

O conhecimento de tal conduta e o histórico de incidentes em que houve a identificação desse objetivo permitem uma visão diferenciada do que ocorreu. O background profissional dos militares envolvidos poderia gerar uma análise e uma resposta diferente do que aqueles que enfrentaram esse incidente e, assim, o resultado poderia ser diferente.

Então essa situação significa dizer que os policiais envolvidos erraram na sua decisão? Que outros desfechos poderiam ter ocorridos?

A resposta é não e sim, respectivamente. Não houve um erro técnico ou tático dos policiais (fora do sentido legal, jurídico) mas sim uma decisão tomada em segundos com base nas suas informações e experiências profissionais e pessoais existentes. E sim, poderiam ocorrer outros desfechos, baseados nos mesmos atributos citados. Aliás, em muitos outros que são os responsáveis pelo processo de tomada de decisão, como veremos adiante.

Cabe a lembrança de que essa é apenas uma ação policial em que os envolvidos possuem segundos para tomar uma decisão que pode resultar na morte de algum dos envolvidos – agressor, policial ou vítima civil – ao passo que para os estudiosos ou aplicadores do direito terão todo o tempo para analisar o fato ocorrido e seus erros e acertos, à luz do direito ou da análise das Técnicas, Táticas e Procedimentos (TTP) da força policial envolvida, incluindo o acesso aos seus manuais e protocolos de atendimento de ocorrências e incidentes policiais.

O processo de tomada de decisão em incidentes críticos, ou em momentos críticos difere do processo de tomada de decisão rotineiro. No geral, o processo decisório é amplamente estudado por forças de segurança, acadêmicos e executivos, trabalhando com ferramentas eficientes, tais como análises de cenários, jogos de guerra, brainstorm, Ishikawa, entre outros de eficiência comprovada, entretanto, todas essas ferramentas, para serem efetivas necessitam, em maior ou menor grau, dos seguintes elementos:

– Informações claras, e,

– Tempo para análise.

Sem que esses dois elementos estejam presentes, as ferramentas tornam-se ineficazes ou deficientes, gerando conclusões erradas ou sem resultados práticos. As ferramentas decisórias têm o seu valor, principalmente para a tomada de decisões estratégicas com a presença dos dois elementos.

A grande dificuldade dos operadores de segurança pública e outros respondedores de emergências é que os dois fatores, normalmente, são inexistentes nos momentos iniciais de um incidente, na realidade ocorre o oposto, pois há uma compressão de tempo que obrigam a implementação de atitudes imediatas que se não tomadas pode ocorrer um aumento exponencial dos danos aos envolvidos. Quanto às informações, normalmente são inexistentes ou contraditórias, que se utilizadas tendem a gerar um quadro situacional diverso daquele existente.

Dessa forma, o processo decisório comumente aplicado torna-se impossível, contudo, a decisão deve ser tomada.

Charles Sid Heal, doutrinador norte-americano, em seu artigo sobre tomada de decisões descreve o “processo de tomada de decisões em crises como o processo de alcançar uma conclusão relevante para resolver uma situação durante um período de instabilidade e perigo” (HEAL, 2014), o qual será alvo deste artigo.

Neurociência e construção de pensamentos

O cérebro humano tem se desenvolvido durante a história, adquirindo mecanismos de defesas e formas de se criar conexões que trouxeram a espécie até o momento atual. Embora sejamos orgulhosos de todos os avanços éticos e científicos, sendo capazes de raciocinar e construir maravilhas com a capacidade intelectual humana, parte do cérebro ainda é voltada para a sobrevivência.

Dentre os modelos mais utilizados pela neurociência, o modelo do cérebro trino descrita pelo Dr. Paul Maclean é a mais aceita e permite um entendimento provisório da forma que se criam os pensamentos, sendo assim, de como se formam as decisões. Para o Dr. Maclean (1990), de forma simplificada, o cérebro humano divide-se em três partes: o cérebro lógico ou racional (neomammalian formation), o cérebro mamífero ou límbico (paleomammalian formation) e o cérebro reptiliano ou R-Complex (protoreptilian formation).

O cérebro lógico ou racional é o mais recente na evolução, constituído pelo neocórtex, responsável pelos pensamentos abstratos e pelas ideias que geram as inovações e construções. O cérebro mamífero controla o comportamento emocional, responsável pelos sentimentos mais elevados como apego, cuidado, medo etc. Por fim, o cérebro reptiliano, responsável pelos reflexos mais simples e sensações mais primárias, como frio, calor, dor etc.

Dave Grossman e Loren W. Christensen (2007)descrevem que em uma situação de grande estresse [1] o corpo entra em uma condição que todo o processo cognitivo se deteriora, ou seja, deixa-se de pensar, podendo fugir ou lutar, havendo um sequestro do cérebro racional pelo cérebro mamífero, reduzindo as funções periféricas – assim como a capacidade cognitiva – resultando no foco do cérebro no problema apresentado, o que gera a redução da atenção periférica e desfocada, a redução dos sentidos – tato, visão e audição – entre outros aspectos fisiológicos.

Na mesma linha do Dr. MacLean, Charles Sid Heal (2018) trata da forma de construção do processo decisório e a ação cerebral na tomada de decisões, dando ênfase na amigdala e no neocórtex para a análise e o processo de tomada de decisão em crises. referindo à amígdala como o centro do medo no cérebro – logo, responsável pelos sentimentos – e ao neocórtex como a parte “pensante” do cérebro.

A mesma reação relatada por Grossman e Christensen no caso de uma ameaça à vida é descrita por Heal, sendo chamada por este como o “sequestro da amígdala”, sendo o efeito que a amígdala assume o controle e impede o uso dos recursos do neocórtex, ou seja, atua de forma instintiva no lugar de observar todos os aspectos decisórios, gerando, da mesma forma, uma perda de visão periférica e a capacidade de ouvir ou analisar outros fatores (HEAL, 2018).

É possível ser dito que a construção do pensamento ocorre no neocórtex e na amígdala, ou conforme os termos do Dr. Maclean, no cérebro lógico e no cérebro límbico, sendo o cérebro reptiliano responsável por manter a máquina humana funcionando, regulando temperatura, pressão, batimentos cardíacos, entre outras funções.

No neocórtex as ideias são construídas e têm-se acesso a informações mais detalhadas e organizadas, no cérebro límbico, os sentimentos são mais presentes, agem de forma instintiva pensando em reações e formas rápidas de se entregar uma informação ou resolver um problema.

Para o Dr. Daniel Kahneman (2012), a construção do pensamento ocorre em dois sistemas diversos:

O sistema 1 opera automática e rapidamente, com pouco ou nenhum esforço e nenhuma percepção de controle voluntário.

O sistema 2 aloca atenção às atividades mentais laboriosas que o requisitam, incluindo cálculos complexos. As operações do Sistema 2 são muitas vezes associadas com a experiência subjetiva de atividade, escolha e concentração.

Pode-se inferir, mesmo sem que sejam feitas menções quanto a qual parte do cérebro é responsável por cada sistema, que tangenciam o mesmo assunto, pois o sistema 1 descrito pelo Dr. Kahneman atua com as formas rápidas de pensamento, sem que sejam necessárias buscar informações mais precisas para uma decisão ou ação, no entanto, está sempre atento ao que acontece dentro e fora do cérebro, buscando interpretar situações e avaliando constantemente o ambiente, gerando um julgamento intuitivo (KAHNEMAN, 2012).

O Sistema 1 opera de modo diferente. Ele monitora continuamente o que está acontecendo fora e dentro da mente, e gera continuamente avaliações dos vários aspectos da situação sem intenção específica e com pouco ou nenhum esforço. Essas avaliações básicas (basic assessments) desempenham importante papel no julgamento intuitivo, pois elas facilmente entram no lugar de questões mais difíceis (…) (KAHNEMAN, 2012)

O pensamento é formado de forma detalhada e complexa em um momento de tranquilidade ou quando exige uma resposta complexa para o assunto apresentado, sendo necessário tempo para análise e escolha das melhores informações para o que fora apresentado e de forma instintiva em situações de elevado estresse e risco à vida ou em questões simples, rotineiras e habituais.

Formação do processo decisório no momento do caos

Entendendo a formação do processo mental torna mais fácil a compreensão da formação do processo decisório no momento do caos, no instante exato em que uma crise se instaura.

O momento do caos pode ser definido como os momentos iniciais de uma crise, após a ocorrência de vários incidentes, nos quais há uma incerteza nas informações e uma demanda grande de decisões para sua resolução ou mitigação. Nesse caso os elementos para o uso de ferramentas de tomadas de decisões tradicionais não funcionam, pois não estão presentes os elementos de tempo disponível e informações sobre o que acontece.

As decisões têm de ser tomadas, mesmo com risco de falha, pois o risco é inerente às ações policiais. Nesse primeiro momento, a velocidade de decisão é mais importante que a sua precisão (HEAL, 2014), uma vez que para a precisão, todas as alternativas devem ser levadas em conta, através de ferramentas do processo decisório, o que não é possível.

O atraso em uma decisão nos momentos iniciais pode fazer com essa decisão tomada seja ineficaz, pois o incidente muda constantemente, assim, a melhor decisão é aquela mais adequada levada a efeito naquele momento, não uma decisão perfeita que só poderia ser implementada com um lapso temporal grande(HEAL, 2014).

Nesse sentido, o processo de tomada de decisão passa a ser dominado pelo sistema 1, decisões rápidas, baseadas nas informações disponíveis e na experiência do tomador de decisão do momento.

A experiência não deve ser entendida apenas como o tempo em uma instituição – embora isso possa ajudar, mas não seja determinante – ou de acordo com o posto mais alto que ocupa. A experiência, nesse ponto, trata-se de participação em incidentes críticos no passado ou estudos sobre o tema, de forma que seja possível, pois dessa forma será possível desenvolver modelos mentais para serem utilizados no próximo incidente crítico, desenvolvendo uma capacidade de antecipação aos problemas e julgando de forma rápida (LIPSHITZ, KLEIN, et al., 2001).

Diante de um incidente crítico (crise) e a necessidade de tomada de decisão rápida o que ocorre é um acesso rápido ao sistema 1 descrito pelo Dr. Kahneman, que atuará identificando uma situação e resgatando uma informação armazenada em sua memória, atuando como uma “intuição”, que na realidade, nada mais é que um reconhecimento de ações ou situações passadas (KAHNEMAN, 2012).

Essa intuição ou julgamentos intuitivos são produzidos pelo Sistema 1 de forma automática, involuntária e quase sem esforço, os dados que aparecem na mente tendem a ser mais precisos quando advindos de análise e julgamento de informações (pistas) encontradas no incidente, relacionadas a reconhecimentos passados do que aqueles que surgiram de heurística simplificada (KAHNEMAN e KLEIN, 2009).

Charles Sid Heal descreve a mesma formação de pensamento e tomada de decisão, dizendo que os especialistas, por inúmeras vezes, decidem com base na sua intuição, ou como chama no artigo, gut instinct, no qual aqueles que decidiam em um incidente críticoreconheciam dados (pistas) que passariam despercebidas por pessoal menos experiente. Essa intuição, na realidade é baseada em experiências e eventos passados que são trazidas à tona quando eventos fora do comum ocorrem – um incidente crítico – fazendo com que o inconsciente alerte o consciente e este reage para uma tomada de decisão, sendo chamado de “Teoria do Pensamento Inconsciente” (HEAL, 2018).

Percebe-se, novamente, a atuação dos sistemas descritos pelo Dr. Kahneman ou a visão dada por Heal acerca das ações do neocórtex e da amígdala.

Notadamente, para as decisões no momento do caos, a experiência e o acesso aos sistemas do cérebro relacionados às emoções e sobrevivência são essenciais. A noção de que é possível acessar informações detalhadas e pensar em diversos cursos de ações – do original em inglês course of action (COA) – mostra-se incorreta.

Gary Klein citado por Bruce Liebe (2017) demonstra que as decisões são tomadas de forma instintiva e intuitiva, através de criação de protótipos do incidente ocorrido, baseados em eventos e padrões passados, dessa forma, ao decidir os COA para o incidente que está lidando, o respondedor/tomador de decisão encontra as características similares aos eventos passados e responde de acordo com eles, adaptando para o incidente corrente, não observando diversos COA, mas sim descartando aqueles que não devem ser utilizados e focando em um para atuação.

O respondedor/tomador de decisão, no momento do caos, não procura diversos COA, mas apenas um baseado no repertório adquirido na sua experiência profissional, através de ações reais ou estudos (virtuais) identificando um COA plausível e o utilizando primeiro, adaptando ou modificando conforme a necessidade, se for impossível a mudança, ele automaticamente já passa para o próximo COA plausível, esse padrão é chamado de Recognition – Primed Decision Making (RPDM) (KAHNEMAN e KLEIN, 2009).

O cérebro límbico, ou a amígdala, atuam como centros de sobrevivência, pois ao perceberem uma situação incomum, a reação emocional assume o controle e coloca o respondedor ao incidente crítico em um estado de alerta, tomando para si o processo de tomada de decisões. Embora sejam decisões mais simples, visando a sobrevivência a curto tempo, são mais rápidas que as decisões complexas e elaboradas do cérebro lógico, do neocórtex (HEAL, 2018).

O cérebro humano, após milênios de evolução trabalha ainda com um único objetivo: sobreviver. Então ele busca ferramentas favoráveis e formas de decidir rápido, no final é a sobrevivência sobre o entendimento (HEAL, 2018). Ele utiliza os padrões aprendidos no passado para construir saídas e encontrar o melhor COA sem perder tempo procurando as melhores soluções, na realidade, ele apenas encontra aquela que mais se aplica ao incidente apresentado e concentra seus esforços para sua solução ou mitigação, isso só é possível graças a criação desse repertório, ao qual o Sistema 1 recorrerá nos momentos de crise.

A criação de um repertório é essencial para a correta tomada de decisão nos momentos de crises, esse repertório pode ser criado através de experiências próprias ou através de estudos e práticas simuladas (virtuais). Com base nesse repertório, o Sistema 1 pode atuar de forma automática e rápida, fornecendo o julgamento intuitivo correto no menor tempo possível. Ou seja, a experiência nos incidentes críticos é essencial para um resultado favorável para todos os envolvidos.

Ferramentas atuais: protocolos e procedimentos

No intuito de padronizar as formas de ações, facilitar o processo de tomada de decisão e, também, justificar suas ações perante terceiros as instituições buscam a criação de protocolos e procedimentos padrões delimitando COA e buscando predizer os resultados do incidente em que o seu respondedor/tomador de decisão atuará.

A padronização de procedimentos sempre foi vista como algo correto e benéfico e, na verdade, realmente é, contudo, não pode ser entendido como uma tábua de salvação e aplicável para todos os incidentes. Os protocolos e padronizações são eficientes para situações corriqueiras e ordinárias e servem para também como orientação os funcionários e operadores mais novos, entretanto, não podem excluir a possibilidade do uso da adaptação em incidentes críticos, após a instauração de uma crise.

Outro ponto negativo em relação aos protocolos e procedimentos refere-se ao uso de tais documentos para punição e não para aprendizado, sendo rápidos em encontrar desvios e falhas ao “agir contra o procedimento” (HEAL, 2020), no lugar de entender o ocorrido e buscar corrigir as ações do operador ou mesmo do documento, pois muitas vezes os procedimentos e protocolos podem estar ultrapassados. Ao falhar em agir dessa forma a instituição criará um clima de aversão ao risco, agindo sem criatividade e, por consequência, sem uma resposta adequada quando houver um incidente crítico mais complexo.

Uma das características mais acentuadas da crise, ou do incidente crítico, é a incerteza [2] (HEAL, 2020) e cabe ao respondedor/tomador de decisão no momento do caos responder de forma rápida e correta ao incidente, como já vimos, a resposta não se dará através de acesso a informações precisas e detalhadas, mas sim de forma rápida e com as informações existentes, sendo responsabilidade do Sistema 1 a entrega da informação que permitirá resolver o incidente apresentado e exigirá a adaptação e a criatividade para modificar o repertório existente conforme o incidente se modifica. Não há procedimento que seja capaz de prever todas as ações em um incidente crítico e o respondedor/tomador de decisão será obrigado a usar seu julgamento (KLEIN, 2009).

No momento decisivo, quando há uma ameaça iminente à vida, o cérebro não lembrará de 1.000 páginas de procedimentos, mas sim do que aprendeu até aquele momento e executará a ação de forma automática. Ser julgado após a ação com base nesses procedimentos torna-se uma injustiça àquele que precisou decidir em segundos o que outros poderão julgar por anos.

Entendendo o momento do caos e a formação das decisões naquele instante, uma organização madura, voltada para princípios de justiça e que busque as melhores soluções para incidentes críticos complexos deve estar pronta para entender e não punir os erros honestos dos seus subordinados e prevenir os erros inaceitáveis, encorajando-os a utilizar a criatividade e adaptabilidade para adquirir experiências (HEAL, 2020) aumentando seu repertório, criando condições para que cada vez mais se resolvam os problemas apresentados da melhor forma possível.

Outra falha que pode ser encontrada nos procedimentos e protocolos fixos é a erosão da expertise na organização e nos seus operadores, pois pode ocorrer um desencorajamento em desenvolver novas habilidades, em buscar novos conhecimentos, uma vez que tudo o que precisam saber ou utilizar são os procedimentos padrões, tornando a instituição inapta a lidar com grandes incidentes (KLEIN, 2009).

Por fim, não se trata de uma negação ou incentivo ao estabelecimento de procedimentos padrões, mas sim de entender que em determinados momentos tais procedimentos não serão possíveis de serem utilizados, dessa forma, o treinamento do operador, na linha de frente, é condição indispensável para um resultado positivo, a habilidade de tomar decisão em um momento do caos, em um momento decisivo dever ser ensinada e treinada, em seus diversos níveis.

Mudanças e perspectivas futuras para tomada de decisão

Conhecendo a forma como ocorre o processo decisório em um momento limite, percebe-se que a necessidade de experiência e criação de um repertório para tais momentos é fator preponderante para o sucesso, logo, não há caminho fácil para preparação de um respondedor/tomador de decisão para incidentes críticos, a experiência profissional é imprescindível, a questão que se apresenta é: como desenvolver essa experiência em respondedores que não tem o tempo profissional que trará, naturalmente, esse repertório?

A resposta é simples, mas não tão fácil de aplicar, trata-se da realização de treinamento e educação para os respondedores/tomadores de decisão, sendo dividido em níveis, operacionais e táticos/estratégicos.

Para os níveis operacionais são essenciais os exercícios contínuos e com ações próximas à realidade, com confrontação direta e desafios que necessitem de adaptação e correção para sua resolução (HEAL, 2020) assim como nos confrontos que se aproximem da realidade com o uso de equipamentos e materiais que simulem o risco à vida (que nunca será como uma ação real, mas pode criar o repertório para uso em um incidente) tal como o uso de equipamentos como Simunition® ou ainda mais simples, como airsoft ou paintball (GROSSMAN e CHRISTENSEN, 2007).

Para os níveis táticos/estratégicos o treinamento com exercícios de mesa e debriefing de incidentes são mais efetivos (HEAL, 2020), conhecendo os detalhes e analisando as decisões tomadas, assim como, nos exercícios de mesa, tomar as decisões para atuação e, posterior, analisar o que poderia ter ocorrido.

A análise de casos anteriores, conhecidos como Estudos de Caso, ou After Action Review, é essencial para desenvolver a capacidade de tomada de decisão em incidentes críticos, criando um repertório de ações anteriores, mesmo que sua participação não tenha ocorrido, nesse caso, aplica-se para todos os níveis, operacionais e táticos/estratégico. O segredo para tal estudo é manter a mente aberta para um modo de aprendizado e não de julgamento – “Remember, a judging mind is not a learning mind” (LIEBE, 2017).

A frase do General Al Gray citada por Heal (2014) define bem a questão do estudo para o profissional, ele diz, em tradução livre, que “Os mais formidáveis guerreiros são estudantes de sua profissão”.

A educação é a forma mais simples de se conseguir um repertório suficiente para agir durante um incidente, as outras opções são: o tempo profissional para acumular esse repertório ou a participação em incidentes críticos em grande quantidade, em um período curto.

O conhecimento adquirido pela educação será comprovado quando o incidente sobrevier, nesse instante, as habilidades de julgamento e a capacidade de decisão serão aplicadas. Nesse sentido, Kahneman e Klein (2009) dizem que para desenvolver o julgamento intuitivo, duas condições devem estar presentes: um ambiente de alta validade e uma adequada oportunidade de prática, ou seja, a educação é essencial para criar o repertório, mas a prática é essencial para que o Sistema 1 atue de forma primordial, assim é possível entender que apenas o estudo, mas sem sua aplicação prática, não permitirá o desenvolvimento do julgamento intuitivo, assim, apenas aqueles que trabalham e operam em um incidente crítico atingirão a completa capacidade de tomada de decisão rápida, os estudiosos e acadêmicos poderão ter a noção disso, mas jamais sua completa compreensão.

No final, as palavras de Heal são importantes:

Apenas aqueles que possuem conhecimento e experiência e entendem os fatores e influências em jogo serão totalmente capazes de lidar com o escopo de possibilidades e a profundidade das consequências, porque quando a crise chega, uma solução perfeita requer uma espera infinita. (tradução nossa) (2014)

Conclusão

Voltando ao primeiro evento descrito neste artigo fica claro que o repertório encontrado pelo respondedor/tomador de decisão naquele momento era vago em relação ao “suicídio por policial”, mas amplo nas ameaças contra os policiais, dessa forma, o Sistema 1 agiu de forma rápida e intuitiva, moldando ao incidente presente as emoções e conhecimentos de eventos passados (ataques e mortes de policiais) tomando um COA que significou a sobrevivência do policial.

Talvez, se o mesmo incidente tivesse ocorrido com operadores do GATE, por exemplo, o desfecho poderia ser diferente, pois, intuitivamente, poderiam estranhar a situação de alguém, sozinho invadindo um Batalhão de Operações Especiais armado, dessa forma, possuindo um repertório de “suicídio por policial” poderia ter buscado outro COA, obtendo um resultado diverso do apresentado. Claro, que essa afirmação está baseada nas informações deste artigo, não sendo possível ter certeza de seus resultados.

O conhecimento do processo de formação de pensamento e formação da decisão permite a conjectura acima e permite compreender a ação tomada pelo respondedor na situação real. O processo de decisão em um momento de caos é tomado pelo Sistema 1, baseado no conhecimento de eventos passados existentes. Agindo de forma rápida, automática e quase sem esforço (KAHNEMAN, 2012).

As ferramentas utilizadas para tomada de decisão tradicionais, tais como àquelas descritas no início do artigo, tem sua eficácia comprovada em situações onde a compressão de tempo e ameaça à vida não estão presentes e é possível acessar o sistema 2 do cérebro, buscando diversas alternativas, baseadas em informações confiáveis ou pelo menos em grande quantidade (brainstorming), criando caminhos e COA diversos de acordo com cada ação que poderia ser tomada (Teoria dos jogos), mas são ineficientes para um momento decisivo.

Os procedimentos padrões e protocolos são importantes para os momentos ordinários, mas não podem ser utilizados para definir métricas para incidentes críticos, principalmente nos instantes em que apenas o julgamento do respondedor/tomador de decisão deve agir, nesses casos, os procedimentos padrões perdem a validade.

Apenas a educação e o treinamento dos respondedores (policiais, socorristas, etc.) é capaz de reduzir o tempo necessário para aquisição de um repertório suficiente que permita julgar de forma intuitiva, da maneira correta, uma ação e decidir pelo melhor COA, fora dessas condições, apenas o tempo e experiência adquirida pode atuar.

Assim sendo, as instituições que trabalham com a função de resolver e decidir na eclosão de um incidente, ou de uma crise, deve investir maior tempo para educação e treinamento na sua formação, com foco na tomada de decisão, do que, verdadeiramente, na tentativa inábil de decorar uma série de protocolos e regulamentos, que em um momento decisivo serão deixados de lado.

Referências

GROSSMAN, D.; CHRISTENSEN, L. W. On Combat: the psychology and physiology of deadly conflict in war and in peace. Pennsylvania: PPCT Research Publications, 2007.

HEAL, C. S. Crisis Decision Making. Tactical Edge, p. 76-78, Dezembro 2014.

HEAL, C. S. Biomechanics of crisis decisions. Tactical Edge, p. 62-64, Maio 2018.

HEAL, C. S. Gut Instincts and hot spots. Tactical Edge, p. 72-73, Março 2018.

HEAL, C. S. Adaptability. Tactical Edge, p. 58-60, Março 2020.

KAHNEMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. [S.l.]: Objetiva, 2012.

KAHNEMAN, D.; KLEIN, G. Conditions for intuitive expertise: a failure to disagree. American Psychologist, p. 515-526, Setembro 2009.

KLEIN, G. A. Streetlights and Shadows: Searching for the keys to adaptive decision making. Cambrige: The MIT Press, 2009.

LIEBE, B. Prototypical Incident Response: the importance of situational awareness. Tactical Edge, p. 24-29, Março 2017.

LIPSHITZ, R. et al. Focus article: taking stock of naturalistic decision making. Journal of Behavioral Decision Making, v. 14, p. 331-352, 2001.

MACLEAN, P. D. The triune brain in evolution: role in paleocerebral functions. New York: Plenum, 1990.

 

 

[1] Condição preta é descrita como uma condição de estresse elevado, geralmente com risco à vida do indivíduo, em que a taxa de batimentos cardíacos por minuto passa de 175 batimentos por minuto (BPM), reduzindo a taxa de performance do indivíduo (GROSSMAN e CHRISTENSEN, 2007).

 

[2] Outras características são sensibilidade do tempo, risco envolvido, potencial de consequências catastróficas e influência de fatores humanos (HEAL, 2020).

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