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Por demarcações, índios planejam protestos na Copa

João Fellet

Grupos indígenas pretendem aproveitar a visibilidade que a Copa do Mundo dará ao Brasil para protestar em diferentes pontos do país.

Há ações previstas em ao menos três Estados que receberão jogos do torneio – São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul –, além de manifestações em outras regiões.

Nas mobilizações, em que cobrarão do governo federal a retomada dos processos de demarcação de terra paralisados e pressionarão por outras bandeiras (saiba mais abaixo), os índios poderão se associar a outros movimentos para ampliar a projeção nacional dos atos.

As manifestações tiveram uma prévia no fim de maio, quando cerca de 500 índios se uniram a centenas de trabalhadores sem teto em Brasília. Houve confronto entre manifestantes e a polícia, e um policial teve a perna flechada.

Nesta semana, um pequeno grupo de indígenas participou de outro protesto em Brasília. Dezesseis membros do povo xakriabá, de Minas, se uniram a 200 integrantes de outras comunidades tradicionais em defesa da preservação das áreas remanescentes de cerrado.

Durante a Copa, porém, os principais protestos de indígenas deverão se concentrar no Sul e Sudeste do país.

'Congelar a região Sul'

Um dos líderes do povo kaingang, da região Sul, o cacique Roberto dos Santos diz que uma reunião nesta semana definirá como se darão os protestos na região.

"Não vamos deixar a Copa acontecer baratinho, em vista do sofrimento das sociedades indígenas", ele diz à BBC Brasil.

Segundo o cacique, os índios poderão protestar nas cidades da região que receberão jogos (Porto Alegre e Curitiba) ou em estradas.

"Temos a proposta de congelar a região Sul, bloqueando todos os seus acessos por via terrestre."

Os kaingang – que hoje vivem em pequenas parcelas de seus territórios originais – reivindicam a ampliação de suas terras. Diante do acirramento de conflitos entre índios e agricultores, porém, o governo federal suspendeu em maio de 2013 todos os processos de demarcação no país.

Segundo um documento da Funai (Fundação Nacional do Índio) obtido pela BBC Brasil, há 118 processos de demarcação de Terras Indígenas em curso. O órgão diz que 39 dessas terras estão em fase final de regularização.

O processo de demarcação prevê que, para ser concluído, ele deve receber uma aprovação final da Presidência da Funai e, em seguida, ser encaminhado para assinaturas do ministro da Justiça e da presidente da República.

Dez processos aguardam a aprovação final da presidente da Funai; outros 12, a assinatura do ministro da Justiça; e mais 17 dependem apenas de assinatura da presidente Dilma Rousseff.

A conclusão do processo de demarcação é fundamental, entre outros aspectos, para que ocupantes não índios sejam retirados dessas áreas.

O ministro da Justiça José Eduardo Cardozo diz que os processos foram suspensos para evitar o agravamento de conflitos. Ele propõe que os casos sejam destravados em mesas de diálogo que incluam indígenas, agricultores afetados pelas demarcações e autoridades.

Desde a paralisação nos processos, porém, nenhum caso foi solucionado nas mesas de diálogo.

Funcionários da Funai dizem reservadamente que, no atual ritmo de negociações, serão necessários muitos anos para que todos os casos pendentes sejam levados a discussão.

Abertura da Copa

Outra cidade-sede da Copa que deve receber manifestações de indígenas nos próximos dias é São Paulo.

Nelson Wera Soares, cacique de uma aldeia guarani no bairro do Jaraguá, diz que o grupo está programando uma manifestação na abertura da Copa, na quinta-feira.

Os guaranis de São Paulo também querem a ampliação de suas terras. Na aldeia guarani no bairro do Jaraguá, 140 famílias vivem em área menor do que dois campos de futebol. O espaço, segundo os indígenas, é insuficiente para que mantenham seu estilo de vida tradicional.

Há estudos para aumentar essa área para 500 hectares, englobando o Parque Estadual do Jaraguá. Outras duas aldeias guaranis em São Paulo também buscam a ampliação de suas terras.

Segundo Soares, os índios poderão ainda protestar durante a Copa em conjunto com outros grupos, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

Na última sexta, cerca de 150 índios guaranis e integrantes do MST e do Movimento Passe Livre protestaram na frente da Assembleia Legislativa paulista.

Atos regionais

Segundo Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), também devem ocorrer mobilizações em outras regiões do país habitadas por indígenas.

"Nossa orientação é para que as organizações regionais se juntem aos demais movimentos e participem dos atos de protesto durante a Copa", ela diz à BBC Brasil.

Guajajara critica o governo federal por gastar altas quantias com a Copa e dizer não ter recursos para solucionar problemas dos índios.

Segundo ela, boa parte dos conflitos atuais poderiam ser solucionados pagando-se indenizações para que agricultores que hoje ocupam áreas reclamadas por indígenas deixem essas terras.

Guajajara diz que a união entre índios e outros movimentos mostra que "há uma insatisfação geral da sociedade civil organizada com a postura do governo federal" nesta questão.

Os atos pelo país, diz ela, visam dar visibilidade para as seguintes bandeiras do movimento indígena nacional:

– Retomada imediata dos processos de demarcação de Terras Indígenas, suspensos em maio de 2013;

– Arquivamento das Propostas de Emenda à Constituição (PEC) 215 e 038, que transferem do governo federal para o Congresso a competência para demarcar Terras Indígenas. Índios dizem que a medida poria fim a demarcações, dada a força da bancada ruralista no Parlamento;

– Arquivamento do Projeto de Lei (PL) 1610, que regulamenta a exploração mineral em Terras Indígenas;

– Arquivamento do Projeto de Lei Complementar (PLP) 227, que altera o processo de demarcação de terras e regulamenta a definição de "interesse relevante público da União". A proposta, dizem os indígenas, impediria novas demarcações e abriria o caminho para a exploração de recursos naturais nas Terras Indígenas já demarcadas;

– Aprovação de medida que transformaria a Comissão Nacional de Política Indigenista num Conselho, com maior poder de influir em políticas que afetam os povos indígenas;

– Revogamento da Portaria 303 da Advocacia Geral da União. A portaria definiu a posição do órgão federal quanto à demarcação de terras e, entre outros pontos polêmicos, admite a construção de grandes obras nessas áreas se houver "relevante interesse público da União", além de proibir que terras já demarcadas sejam ampliadas;

– Amplo processo de consulta aos indígenas sobre a proposta do Ministério da Justiça para mudar os procedimentos de demarcação de terras;

– Fortalecimento institucional da Funai (Fundação Nacional do Índio). Indígenas dizem que o governo federal tem esvaziado as atribuições do órgão e reduzido seu orçamento, enfraquecendo o órgão indigenista.

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