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Polícia ignora discurso de Black Blocs e busca ‘líderes’

Luis Kawaguti

A ideia propagada por manifestantes e ativistas de que o movimento de protestos radicais conhecido como Black Blocs é uma tática de ação adotada de forma espontânea por segmentos da população — ao invés de um grupo organizado — não convenceu a polícia brasileira.

Tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro policiais se esforçam para identificar e prender as lideranças dos mascarados envolvidos na violência da recente onda de protestos.

Para a Polícia Civil dos dois Estados, os black blocs têm grande capacidade de organização e já enviam seus integrantes para outros Estados do país — com o possível objetivo de divulgar sua ideologia e promover protestos violentos.

As suspeitas das duas polícias diferem porém em relação à quantidade de lideranças e sua forma de organização.

Um policial civil paulista envolvido com operações relacionadas ao Black Blocs disse à BBC Brasil que uma das principais linhas de investigação no Estado é a de que haveria um grupo relativamente pequeno de mentores dos black blocs. Eles organizariam os protestos violentos e mobilizariam centenas de simpatizantes usando meios como a internet.

Sua principal estratégia seria difundir a ideia de que o Black Blocs é um movimento espontâneo, sem líderes.

Entre os perfis de suspeitos investigados como prováveis integrantes desse grupo central estão estudantes universitários de classe média, adeptos dos movimentos punk e anarquista e partidários da extrema-esquerda.

Eles exerceriam funções como estudar os procedimentos da polícia para criar táticas que dificultem sua identificação ou facilitem o ataque aos policiais.

A investigação do Black Blocs está sendo realizada em São Paulo por uma força-tarefa criada recentemente e integrada por policiais civis e militares de unidades especiais, delegados, coronéis e promotores.

O comandante da PM, coronel Benedito Roberto Meira, disse à BBC Brasil que uma das atribuições do grupo é identificar líderes do movimento.

"Quando há grupos de 100 pessoas, 150 pessoas se organizando com o mesmo propósito acreditamos que há lideranças, elas só não foram identificadas ainda", disse.

Guru

A polícia do Rio prendeu suspeitos de manter sites usados pelo Black Blocs e hackers ligados ao movimento que foram responsáveis por ataques cibernéticos à Polícia Militar. A linha de investigação no Estado difere parcialmente do entendimento da polícia de São Paulo ao acreditar que o movimento seja composto por diversas lideranças independentes e fragmentadas.

"Não achamos que haja um gerente, um guru, um sacerdote", disse à BBC Brasil o delegado Fernando Reis, o diretor-geral do Departamento de Polícia Especializada do Rio de Janeiro.

Segundo ele, porém, a falta de uma liderança única não descarta a existência de "grupos com um certo grau de refinamento" que possuiriam lideranças. Ele disse que integrantes de alguns desses grupos ao serem presos afirmaram que o movimento "fugiu do controle".

Reis afirmou que há black blocs que atuam seguindo ideologias e movimentos políticos, como o anarquismo. Outros seriam influenciados por colegas de estudo ou trabalho e participariam das ações mesmo sem ter grande conhecimento sobre as ideologias.

Porém, uma grande parte dos black blocs seria formada, segundo ele, por "grupos marginais", que participariam dos protestos com os objetivos primários de cometer crimes, tais como roubos, furtos e depredações.

"Precisamos deixar claro que a polícia não é contra as manifestações. Mas o que não podemos admitir são grupos que quebram bens públicos e privados, como pontos de ônibus e lixeiras", disse ele.

O delegado disse ainda que a polícia carioca também se preocupa com o fato de que mais pessoas podem ser atraídas para ações violentas devido a manifestações de apoio por parte de figuras públicas e formadores de opinião.

Partidos

Até agora, um ponto em comum nas investigações nos dois Estados é a possível atuação de black blocs ligados a partidos políticos profissionais de esquerda.

Entre os detidos em manifestações violentas nos dois Estados figuram ex-candidatos a vereador de um partido de esquerda que não faz parte da base de apoio do governo federal. A reportagem não conseguiu entrar em contato com representantes da legenda até o fechamento dessa reportagem.

Porém, a visão da polícia em relação aos jovens vestidos de preto e mascarados que participam de protestos violentos é bem diferente do perfil traçado por pesquisadores.

Um dos trabalhos mais recentes e abrangentes sobre o fortalecimento desse movimento no Brasil está sendo realizado pelo pesquisador Rafael Alcadipani, especialista em estudos organizacionais da Fundação Getúlio Vargas.

Ele entrevistou quase uma centena de black blocs durante as manifestações, além de dezenas de policiais encarregados da segurança durante os protestos, e traçou um perfil dos integrantes do movimento.

Alcadipani afirmou que os brasileiros se inspiraram no movimento Black Bloc dos Estados Unidos, que tem um caráter antiglobalização e ataca com violência o que considera símbolos do capitalismo.

O movimento está presente não só nos Estados Unidos, mas em diversos países como Egito, Turquia, Grécia, entre outros. Sua principal característica é não ter líderes definidos ou interlocutores para falar com o governo.

O pesquisador afirmou que no Brasil esse modelo foi adaptado e a agenda crítica da globalização deu lugar à reivindicação de melhorias para o Brasil.

Segundo ele, o nível de organização que a polícia quer atribuir aos Black Blocs — supostamente capazes de criar até táticas de enfrentamento com a PM — não ocorreria. O pesquisador disse acreditar que o Black Blocs é uma tática e não um grupo organizado.

A grande maioria de seus integrantes seriam jovens de classe média baixa que estudam em universidades privadas ou mesmo alunos de universidades públicas, que desejam que seus pontos de vista sejam ouvidos.

Alcadipani disse que não é correto classificá-los como organizações criminosas. Especialmente porque a maioria dos integrantes trabalha, não tem as manifestações como atividade principal e não obtém benefícios financeiros dos protestos.

Para o professor, a melhor forma de lidar com eles é o diálogo político.

 

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