A seguir os principais pontos da entrevista realizada, nesta semana, no gabinete da ministra em Buenos Aires:
Ministra, foi apreendida na semana passada grande quantidade de armamentos. Foi uma operação conjunta entre Argentina, Brasil e Estados Unidos. A apreensão de um barco português, no ano passado, em águas argentinas, foi essencial para a investigação. Que outros detalhes a senhora pode contar?
?Nós recebemos um alerta de Homeland Security (Departamento de Segurança Interna dos EUA) que em um bairro da Florida, nos Estados Unidos, houve um envio de uma encomenda que tinha chegado ao lado do aeroporto de Miami onde estão todas as encomendas para subir aos aviões.
Havia uma encomenda que estava como mal etiquetada. E por isso foi aberta e foi descoberto que eram peças de armas. Como o pacote era destinado a Argentina, Homeland Security entrou em contato com a gente para que fosse iniciada uma investigação sobre onde iriam estas peças. O pacote foi novamente fechado e enviado.
Como uma espécie de armadilha para chegar aos receptores..
Nós temos uma lei que é chamada de entrega vigiada, que permite que possamos controlar a entrega. E eles também puderam, a partir disso, prender (nos Estados Unidos) dois brasileiros e um argentino, que estavam fazendo este contrabando de peças de armas.
Que seriam montadas aqui na Argentina.
A partir organizamos uma equipe de trabalho com Homeland, nos Estados Unidos, com a Agência Nacional de Inteligência (ANI), com a Gendarmería (polícia militarizada argentina) e com a Alfândega argentina organizamos uma equipe de trabalho e analisamos como avançar com esta operação. A encomenda chega e outras que chegam também passam a ser vigiadas, a partir das ligações monitoradas das pessoas envolvidas. Com isso, pudemos chegar ao barco português que deu o nome à operação.
Operação Palak.
Sim, era um barco que fazia um percurso pela Europa. Ia da Alemanha a Espanha e daí vinham algumas encomendas para a Argentina. Algumas escondidas em caixas no barco. E rastreamos para saber o destino. Chegamos aos que montavam as armas e às transações que faziam (com este material). Por exemplo, “te vendo tantas mil munições” e “tenho pólvoras para tantas mil munições”. Estavam juntando um carregamento para levá-lo a um contrabandista de armas. Eles não estavam conectados diretamente com as quadrilhas brasileiras. E com um contrabandista, que estamos analisando…Os paraguaios dizem que é um e nós achamos que é outro…Queremos ter uma investigação mais profunda.
O argentino que morava em Martínez, na província de Buenos Aires, com a casa cheia de armas, era um dos receptores.
Sim, ele (Ricardo Guillermo Deisernia) está preso e com outro, (Ramón) Ragusa, que também montava armas e foi preso em novembro. Eram os dois que tinham o contato do contrabandista que era quem tinha o contato em Pedro Juan Caballero, no Paraguai, para vender as armas. Foram oito meses de investigação com 43 mandados de busca e apreensão policiais aqui e outros vários em Miami. nos Estados Unidos. E temos um pouquinho descoberta a rede na Europa. Estamos esperando que as autoridades da Europa atuem e com isso estaríamos revelando as três pernas (da rede internacional). A dos Estados Unidos, a Argentina, com 22 detidos e 2578 armas apreendidas.
Armas de vários tipos e até um canhão.
Armas grandes, armas de franco-atiradores e muito fortes contra blindados. Algumas destas nós vimos, de certa forma, em Prosegur (no Paraguai) quando jogaram abaixo toda a parede, com Primero Comando Capital (PCC). Estas organizações brasileiras. Aqui na Argentina encontramos material no sul da Argentina, em Buenos Aires, na cidade de Bahia Blanca, em Córdoba, no Chaco….
No caso da Europa…
Já passamos todas as informações para as autoridades europeias para que busquem as pessoas que traziam outras partes de armas.
Quais seriam os países da Europa?
Espanha, Alemanha e Holanda. O barco que saiu de Portugal, pelas informações que temos, não participaram portugueses e sim espanhóis, alemães e holandeses. Seria parte da quadrilha. E fizemos dois pedidos de captura a Espanha. Eles se envolveram um pouco tarde, mas quando perceberam o tamanho da operação e que envolvia a Espanha, ligaram imediatamente e ai falamos as pessoas que eles deveriam prender. Pessoas que mandavam o material no barco, as encomendas.
A senhora diria que essa rede que envolve mais de um continente mandava armas somente ao PCC e ao Comando vermelho. Mas como estaria confirmado que estas quadrilhas seriam o destino dos armamentos?
?Não sabemos se era somente (para estas quadrilhas brasileiras). O que sabemos é que durante a investigação, que teve duas partes, sendo oito meses primeiro e oito meses depois, as comunicações do grupo diziam que eles estavam juntando tudo para levar a este contrabandista que oferecia o melhor preço. E que os que compravam eram o PCC e o Comando Vermelho. Ou seja, as informações saem dos mesmos envolvidos que estão presos.
Eles confessaram?
Eles estão sendo indagados pela Justiça. Mas nas conversas entre eles, como temos os telefones deles monitorados, diziam como fariam. Inclusive, diziam que era melhor falar com o contrabandista do que se meter diretamente com o Primeiro Comando Capital. Porque depois nos pedirão mais e mais e nos matam. Preferiam o contrabandista às organizações criminosas.
E no caso do contrabandista, vocês têm uma linha de investigação e o Paraguai tem outra?
Não, não. Os paraguaios divulgaram um nome. E nós temos uma série de telefones de paraguaios e de brasileiros. Agora já não sabemos porque como foi tudo divulgado aqui, numa dessas…Era necessário focar a investigação porque se não ao abri-la muito e muito e se sabe tudo antes do tempo. Por isso esperamos continuar com uma segunda etapa com a investigação do contrabandista. O Brasil tem muito claro que são PCC e Comando Vermelho, os que estão presos e os que estão soltos. Mas acontece que é um sistema de recrutamento tão forte que muitas oportunidades os que estão presos recrutam os que acabam de chegar ao presidio.
A senhora acha que outros carregamentos acabarão sendo apreendidos?
Por enquanto, temos estes carregamentos. O que acontece é que não acredito que o Brasil receba somente via Argentina. Neste caso, envolviam Pedro Juan Caballero (no Paraguai). O curioso desse caso é que os envolvidos começaram como fãs de armas e terminaram encontrando neste fanatismo a possibilidade do negócio ilegal. O chefe aqui na Argentina, o que vivia em Martínez (Ricardo Guillermo Deisernia), já tinha sido acusado pelos Estados Unidos pela importação de silenciadores de armas. Mas o caso acabou engavetado. Ou seja, já tinha antecedentes. Ele passou um ano preso na Argentina, mas o pedido de extradição não foi atendido porque ele tinha um processo aqui. Mas foi muito estranho que ela tenha sido liberado.
Qual foi a mudança na relação da sua área, a área de segurança, com o Brasil desde a posse de Bolsonaro e desde que o ex-juiz Moro é ministro da Justiça?
?Na verdade, já vínhamos trabalhando bem com o ministro anterior, Jungman (Raul Jungman, ex-ministro da Defesa no governo Temer). Mas com Moro a relação é muito fluida. Nos falamos por whatsapp. Mandei a causa (dos armamentos) para ele via Whatsapp, com fotos e toda a informação sobre os brasileiros presos para que fossem analisados os nomes dos dois brasileiros presos em Miami. Além disso, claro, mandamos tudo através das polícias para a Polícia Federal. Temos uma relação assim, de comunicação por Whatsapp.
E quando ele esteve aqui na Argentina visitou um ‘Barrio Seguro’ para ver se podem levar nossa proposta para as favelas mais perigosas do Brasil.
Parece a UPP, do Brasil.
É uma história paradoxal porque eu conheci há cerca de oito anos as polícias pacificadoras do Brasil (UPP), no Rio de Janeiro. Naquele momento, era um sucesso e estava muito bem fundamentada. Fui com a sociólogos e antropólogos da Universidade do Rio de Janeiro, quando ainda era deputada e estava na comissão de Segurança.
E depois do exemplo de Medellín (na Colômbia) era o melhor exemplo de resgate de território, que estavam ocupados pelo tráfico de drogas e pela criminalidade. E quando cheguei aqui (ao cargo de ministro) começamos o programa ‘Bairros Seguros’, onde há concentração de homicídios pela guerra do trafico de drogas. E além do policiamento treinado também fazemos uma integração com a área social para melhorar o acesso às escolas, tirar os jovens do consumo, para que tenham alternativas de trabalho. E para que não seja um programa voltado somente para a questão policial. É um programa que deu muito certo e que acaba de ganhar um prêmio das Nações Unidas. Em alguns casos, os homicídios caíram 80% ou 100%. E conseguimos recuperar territórios, com a entrada das forças de segurança nestes lugares.
A diferença com as UPPs do Brasil, a senhora diria é que os programas foram mantidos…
Foram mantidos e estão sendo ampliados. Vamos inaugurar, na semana que vem, uma escola de tecnologias digitais em um dos bairros.
Em qual bairro?
No bairro (na 1-11-14), na cidade de Buenos Aires, e se chama ‘Punto digital’). Estamos trabalhando com a cidade de Buenos Aires, em outros com as províncias de Buenos Aires e de Santa Fe e outras. Fomos aos lugares com maior concentração de criminalidade. E com uma série de outras medidas integradas, reduzimos as taxas de homicídio em 24% no país, nos últimos três anos, no país. E (nos rankings regionais) passamos do posto quatro, olhando do melhor ao pior, estava Chile primeiro, com menos homicídio, Equador e Paraguai. E passamos ao segundo posto.
E em qual delas Moro esteve (neste ano)?
Quando Moro esteve aqui para a reunião do Mercosul, o levamos a Carlos Gardel, que fica no distrito de Morón, na província de Buenos Aires. Ele tirou várias fotos com seu celular. Mostramos tudo a ele. Lugares para atividades das crianças, escolas para mecânicos de moto, atenção para violência de gênero. São muitas atividades e fizemos pesquisas e 85% das pessoas está contente com as mudanças.
Eleitores de Macri?
Isso não sabemos. O que sabemos é que estão contentes com a presença do Estado e forte da Gendarmería (polícia militar), e presença do município e da província. Neste bairro houve 100% de queda de homicídio.
Qual a população?
Quinze mil habitantes. Temos esta presença em vários lugares, com a integração com as províncias e as cidades. E treinamentos especiais dos policiais, dentro desta filosofia, nas chamadas UPB (Unidade de Prevenção Barrial).