Eduardo Militão e Luís Adorno
Do UOL, em Brasília e em São Paulo
O Primeiro Comando da Capital (PCC) e a máfia italiana 'Ndrangueta lavam dinheiro em seu comércio global de cocaína usando restaurantes e pequenos comércios no Brasil e na Europa. É o que o mostram pelo menos dez investigações da Guarda di Finanza da Itália nos últimos dez anos, informa o adido policial italiano em Brasília, o coronel Francesco Fallica.
A facção criminosa brasileira praticamente monopoliza o tráfico de cocaína no Brasil, como mostrou o documentário "PCC – Primeiro Cartel da Capital", do UOL Mov. A droga é exportada para a Europa, sendo recebida pela 'Ndrangueta em portos na Holanda e na Bélgica.(ver imagem abaixo)
Fallica afirmou ao UOL que o pagamento da máfia italiana para o PCC não acontece com o transporte do dinheiro vivo da Europa até os brasileiros. Em vez disso, os criminosos europeus abrem restaurantes, lojas e outros pequenos comércios no Brasil com capacidade para gerar muitos valores em espécie. Com a sobra lucrativa desses negócios é que o dinheiro da 'Ndrangueta chega à facção brasileira.
E o policial afirma que o inverso também ocorre. Segundo Fallica, o PCC possui pequenos restaurantes e estabelecimentos comerciais locais na Europa para gerar dinheiro em espécie e poder quitar eventuais dívidas e transações com os mafiosos italianos. O policial não revelou onde e quais seriam esses mercados legais no Brasil e na Europa dominados pelas organizações criminosas para lavar o dinheiro do narcotráfico.
Compensação usa sobras lucrativas no Brasil, diz policial
Segundo Fallica, a forma de pagamento da máfia italiana é usar negócios legais no Brasil. "Como o dinheiro chega aqui? O dinheiro não chega da Europa aqui", contou o policial ao UOL.
O dinheiro já está aqui. 'Ndrangueta tem uma tradição de infiltração sobretudo nas lojas, lojinhas com muito dinheiro em espécie. Você tem um dinheiro na Europa. Pode ser que passe por um paraíso fiscal, passe para o outro lado. Para fazer um investimento, compra de entorpecente, a gente vai utilizando o dinheiro que já tem
Francesco Fallica, da Guarda di Finanza
Segundo ele, a operação de compensação se vale das sobras lucrativas dos negócios para financiar os crimes. "Nessa operação de compensação, por exemplo, você aqui no Brasil tem um restaurante italiano. E tem um dinheiro fácil que cai, R$ 100 mil por mês… Depois de tudo pago, tem um dinheiro que é lucro. E esse dinheiro você compra diretamente no lugar, no Paraguai, Uruguai, na Bolívia, muito entorpecente."
Fallica disse à reportagem que a mesma lógica foi verificada pelos policiais no caso do PCC, mas com o sentido inverso. Ou seja, eram os brasileiros que mantinham uma série de pequenos estabelecimentos comerciais na Europa para gerar dinheiro vivo. O adido policial não quis revelar que empresas eram essas. "Não posso. Não vamos ajudar o criminoso", desconversou.
No Brasil, ação no Brás é monitorada pela polícia
O UOL conversou com cinco especialistas em lavagem de dinheiro e facções criminosas no Brasil, da Polícia Federal, do Ministério da Justiça e das polícias de São Paulo, Paraná e Distrito Federal. Sob condição de anonimato, eles afirmaram que não possuem informações sobre a ação do PCC com pequenas empresas na Europa, embora monitorem a ação da facção em empresas brasileiras na região do Brás, capital paulista.
No entanto, pelas investigações das quais participaram ou têm conhecimento, todos afirmaram que é totalmente plausível que a facção brasileira utilize negócios legais para fazer dinheiro na Europa e quitar compromissos com a 'Ndrangueta. Um deles citou postos de gasolina e salões de beleza como exemplos.
Moro pediu conselho italiano e policial aconselhou: apreensão e prisão
Há algumas semanas, Fallica foi à reunião da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), em Belo Horizonte (MG). Lá, o ministro da Justiça, Sergio Moro, lhe perguntou quais as técnicas que os italianos estão usando com sucesso no enfrentamento ao crime.
Em uma breve conversa, Fallica respondeu ao ministro com duas soluções: apreensão de bens dos criminosos e prisão em regime fechado.
Documentário "Primeiro Cartel da Capital"
O selo MOV.doc, destinado a produções documentais do UOL, lançou a série PCC – Primeiro Cartel da Capital. Com direção de João Wainer (diretor dos documentários "Junho – o mês que abalou o Brasil" e "Pixo"), a série de quatro episódios é o resultado de um trabalho de apuração da equipe de UOL Notícias.
Foram seis meses com gravações em São Paulo, Santos, Rio de Janeiro, Rio Branco e Nápoles (Itália). O resultado é uma série documental que busca entender como um grupo de oito detentos se transformou numa facção que hoje tem mais de 33 mil membros e tenta conquistar o monopólio do tráfico de drogas no país.
O documentário tem reportagem, pesquisa e produção dos jornalistas Flávio Costa, Luís Adorno, Aiuri Rebello e Eduardo Militão, e apresentação de Débora Lopes.