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PCC e CV ilustram desafios do enfrentamento ao poder público

Daniel Favero

O enfrentamento contra o poder público protagonizado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), em 2006, e pelo Comando Vermelho (CV), pouco antes da retomada do Complexo do Alemão, no ano passado, mostraram a organização e a precisão desses grupos no embate com as autoridades. A doutoranda em Antropologia Social pela Universidade Federal de São Carlos (UFSC) e autora do livro Junto e Misturado: uma etnografia do PCC, Karina Biondi, prefere não categorizá-los como terroristas, mas diz que observou pontos "intrigantes" e, principalmente, o sucesso da execução dessas organizações nesses atos planejados.

"Cada grupo terrorista tem suas características, suas particularidades, suas singularidades. Também não conheço a fundo os grupos fundamentalistas. Por isso, não arriscaria tecer uma comparação. Mas uma particularidade das ações do PCC em maio de 2006 (e principalmente o sucesso em sua execução) é muito intrigante. Os chamados 'ataques do PCC' foram cirúrgicos e não tinham como foco a população civil (isso tentou ser explicado no vídeo transmitido após o sequestro jornalista Guilherme Portanova e do auxiliar técnico Alexandre Coelho Calado, ambos da Globo)", diz.

Ela explica que o confronto armado contra o poder público não é uma novidade no Brasil, e a criminalização desses grupos depende do contexto histórico, a exemplo do que aconteceu com os grupos taxados de criminosos por enfrentarem a ditadura no País.

"A linha que separa o que é ou não criminoso é muito móvel e vai ser definida circunstancialmente, em função dos mais variados fatores. Nesse sentido, enfrentamentos ao poder público não são fenômenos recentes e a avaliação de seus opositores como criminosos ou não criminosos se dá contextualmente. Assistimos, por exemplo, à criminalização de muitos movimentos sociais. Da mesma forma, a luta contra a ditadura foi considerada, à época, um movimento criminoso. É claro que cada movimento tem sua particularidade; nenhum enfrentamento ocorreu da mesma forma que o outro. O importante é ter em mente que não há natureza criminosa, que ninguém é portador de uma substância criminosa, e que mesmo os condenados pela lei não praticam crimes 24 horas por dia. Assim, nem toda manifestação é um enfrentamento ao poder público; pode ser simplesmente uma reivindicação legalista", explica.

No entanto, ela afirma que, em seus estudos sobre o PCC, nunca identificou nenhum projeto de tomada do poder. Segundo Karina, diferente do que se pensa, não existe liderança hierárquica, nem leis cujo descumprimento acarrete em punição no PCC. Ela diz que o grupo é regido por uma ética formada espontaneamente, e sem maiores pretensões fora do circulo criminoso.

"Eles não têm o que costumamos chamar de líder, alguém que, por ocupar determinada posição em uma estrutura hierárquica, manda ou dá ordens e a quem se deva obedecer. Também não há, no PCC, o que chamamos de leis ou regras, nas quais para cada infração existiria uma punição. Esse é o mote do que tento descrever em meu livro. O que encontramos no funcionamento do PCC é uma ética, um estilo de pensamento que, embora não tenha sido obra de uma mente e não tenha sido criada intencionalmente, tem efeitos muito potentes. Talvez seja importante enfatizar que, até onde sei, não há projeto político ou de tomada de poder no interior do PCC", afirma.

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