Antônio Werneck
Ministério Público e Polícia Civil investigam ação de traficantes paulistas na favela de São Conrado: autoridades dizem que associação de criminosos na Rocinha deve facilitar a entrada de armas na cidad.
A Rocinha, uma das maiores favelas do Rio, já está sob o controle do PCC, facção de traficantes paulistas, chefiada por Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. O assunto passou a ser investigado pelo Ministério Público estadual e por policiais civis do Rio depois que uma disputa por territórios, dentro e fora dos presídios, pôs fim à associação de criminosos paulistas com traficantes dos complexos do Alemão e da Penha. Com uma população estimada em cem mil pessoas, o morro é considerado o mais rentável ponto de venda de drogas da cidade.
O promotor André Guilherme de Freitas, responsável pela execução penal do Ministério Público, afirmou que a união das duas facções (a que controlava a Rocinha e a paulista) está consolidada. Ele disse que o assunto mobiliza promotores de vários setores do MP.
Segundo revelou ao GLOBO, os traficantes paulistas, depois de romperem com criminosos da facção do Complexo do Alemão, buscaram abrigo na galeria B-7 da Penitenciária Jonas Lopes de Carvalho (Bangu 4), onde ficam os principais chefes do grupo que controla a favela de São Conrado. O promotor observou que os bandidos de São Paulo já são maioria na comissão dos presos da galeria B-7, antes exclusiva dos traficantes da facção da Rocinha.
DECOD INSTAUROU INQUÉRITO SOBRE O CASO
Segundo André Guilherme, os traficantes paulistas já estão “batizando” os bandidos cariocas, o que, no jargão das cadeias, significa que os criminosos juram lealdade e respeito ao “estatuto” da facção paulista.
— Foi uma associação rápida e está consolidada nas cadeias. Isso quer dizer que a união está selada também nos morros e nas ruas — afirmou o promotor.
A união das duas facções é objeto também de investigações das secretarias de Segurança e de Administração Penitenciária (Seap). Policiais civis da Delegacia de Combate às Drogas (Decod) disseram que instauraram inquérito sobre o caso no mês passado.
— Estamos investigando, sim. Verificando o que de fato está ocorrendo. Ainda não temos nada de concreto — afirmou o delegado Felipe Curi, titular da Decod.
GRANDE QUANTIDADE DE FUZIS
De acordo com o promotor André Guilherme, a situação é grave. Ele afirmou que os bandidos que controlam as favelas da Rocinha, do Vidigal, parte das comunidades de Costa Barros e da Maré passaram a receber uma quantidade grande de armas enviadas pela facção de São Paulo.
— Tenho informações das autoridades de que os traficantes do Rio estão recebendo grandes quantidades de fuzis. Isso já é parte da estratégia dos criminosos paulistas. Nos presídios do Rio, apenas no complexo de Gericinó, já são mais de cem integrantes da facção paulista. Cem! Eles estão assumindo o corpo e a alma da facção que controla a Rocinha. E os bandidos cariocas estão permitindo — disse o promotor.
A guerra que vem sendo travada nas comunidades de Japeri, na Baixada Fluminense, é um exemplo. Distante cerca de 80 quilômetros do Rio, o município, que já foi considerado um lugar pacato, testemunhou um aumento repentino da violência. Japeri é um ponto estratégico para a facção paulista. A quadrilha teria instalado um entreposto de drogas e armas na cidade, que fica às margens da Rodovia Presidente Dutra e é cortada pelo Arco Metropolitano.
O prefeito de Japeri, Ivaldo Barbosa dos Santos, o Timor, afirmou que a situação da segurança na cidade é crítica.
— A migração de bandidos para Japeri é uma realidade. Já enviamos ofícios à Secretaria de Segurança pedindo providências — afirmou o prefeito.
A guerra das facções brasileiras que controlam presídios e favelas no país teve seu ápice em junho deste ano, com a morte do narcotraficante brasileiro Jorge Rafaat Toumani, na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, na fronteira com Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul. O crime teria sido praticado por criminosos da facção paulista controlada por Marcola. Rafaat, que supostamente seria associado à facção carioca que domina o Complexo do Alemão, foi morto com tiros que partiram de uma metralhadora calibre .50. Um dos suspeitos de participação no crime é o carioca Sérgio Lima dos Santos, de 42 anos, que está preso no Paraguai, depois de sair ferido no tiroteio com seguranças de Rafaat.
REFLEXO NO BRASIL
Na época, o então secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, disse que o assassinato de Rafaat mexeria com o futuro da criminalidade no Brasil:
— Ele era fornecedor de drogas e armas do Paraguai, não permitia e não gostava que brasileiros se estabelecessem no país. Ele foi morto de forma cinematográfica. Temos relatórios informando que uma facção de São Paulo está no Paraguai há bastante tempo. Se isso está acontecendo, teremos brasileiros desse grupo de traficantes trazendo armas e drogas até São Paulo. De lá, serão distribuídas para o país todo. É algo muito sério. O Brasil precisa tomar uma providência — disse Beltrame.
FACÇÃO ATUA NA FRONTEIRA COM PARAGUAI
O juiz federal Odilon de Oliveira, de Mato Grosso do Sul, revelou ao GLOBO não ter dúvidas de que a facção paulista foi a responsável pela execução de Rafaat. Segundo ele, a quadrilha de Marcola está na região (fronteira com o Paraguai) há cerca de 15 anos traficando, praticando sequestros e controlando o comércio clandestino de armas.
Segundo o juiz, traficantes paulistas teriam participado ativamente em 2004, juntamente com narcoguerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), do sequestro e morte de Cecília Cubas, filha de Raul Cubas, ex-presidente do Paraguai. O magistrado lembrou que a facção paulista sempre teve interesse em controlar um corredor de envio de cocaína colombiana e armas de guerra para o Brasil através do Paraguai:
— A morte de Jorge Rafaat Toumani consolida a posição hegemônica da facção paulista na fronteira. Ou seja, a facção paulista passa a ser a grande compradora das Farc, a preço menor e sem tantos riscos de prejuízos.
Na semana passada, promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Rio, denunciaram à Justiça sete homens por associação para a prática do crime de tráfico de drogas. Os acusados têm em comum o recente ingresso em facção criminosa com origem em São Paulo.
Facção criminosa de São Paulo já está
em sete cidades do Rio
Quadrilha teria arregimentado 80 bandidos em
favelas do estado e aliados em 25 presídios
Elenilce Bottari
RIO – A facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC), que já controla favelas em sete cidades fluminenses, tenta expandir seus domínios para chegar à capital e aos presídios do Rio. A estratégia tem sido usar aliciadores para cooptar chefes do Comando Vermelho, grupo criminoso com o qual os bandidos de São Paulo romperam após uma aliança de duas décadas. Uma guerra que deixou pelo menos dez mortos num presídio de Roraima este ano foi o motivo da briga.
Aqui, a facção já conquistou aliados em Paraíba do Sul, Petrópolis, Angra dos Reis, Saquarema, Rio das Ostras, Três Rios e Rio Bonito. Além dessas cidades, um traficante do Morro do Salgueiro, em São Gonçalo, já teria se bandeado para o lado dos paulistas. Essas informações fazem parte de uma investigação da equipe do delegado Antenor Lopes Junior, iniciada há cerca de oito meses, quando ele ainda comandava a Delegacia de Combate às Drogas.
RACHA COMEÇOU EM FEVEREIRO
Para convencer criminosos a mudarem de lado, os aliciadores prometem venda consignada de drogas, armamentos, boa alimentação em presídios e serviços de advogados. Embora o desligamento entre as duas maiores facções do país tenha ocorrido apenas em outubro, interceptações telefônicas feitas com autorização da Justiça mostram que, desde fevereiro, a quadrilha de São Paulo já planejava romper com a do Rio.
— Acreditamos que seja uma questão mercantilista. Eles já têm o controle de vários estados e agora querem se expandir pelo Rio. Este é mais um grande desafio para o estado, sobretudo em um momento como este, em que policiais, agentes penitenciários e suas famílias estão com seus direitos sociais ameaçados (devido à crise) — afirmou o delegado Antenor Lopes.
Segundo as investigações, cerca de 80 criminosos já estariam ligados aos paulistas. A quadrilha de São Paulo, que hoje atua em 22 estados brasileiros, teria obtido ainda o apoio de 53 detentos em 25 presídios fluminenses. O objetivo seria dominar todas as unidades.
Em um áudio obtido pela polícia, o traficante Gledson Fernandes da Silva, o Léo Fantasma, preso em Curitiba, afirma que já está “com o tabuleiro montado ali dentro do Rio de Janeiro” e faz um balanço sobre as conquistas da facção no estado: “A gente já vai passar de 80, irmão. O estado é uma potência na vivência do tráfico. Não vende um quilo não, vende dez, 30 quilos aí para este estado”, comemora Léo.
Em outro trecho, ele relata os avanços da quadrilha: “O irmão é de Rio Bonito, ele tem dois morros lá, já vai batizar, já vão ser mais três batismos. Então vai ser Saquarema, Paraíba do Sul. Não leva a mal, mas nós estamos puxando, pegando droga deles. Nós estamos puxando no peito irmão. Não quero que leve a mal, mas estamos pegando droga e soltando para os irmãos fazerem o bagulho particular deles, para poderem vir em cima da nossa caminhada, da nossa luta, em cima da nossa causa. E o nosso irmão Preto, ele é de Rio das Ostras. Lá também tem morro, a mesma caminhada irmão”.
Sobre a comunicação, Leo Fantasma explica que a única unidade “fora do ar” é Bangu 1, onde “até os advogados têm dificuldade para entrar”. Foram identificados pelo menos sete aliciadores na quadrilha. Seis cumprem pena em presídios, mas usam livremente telefones. Em mais de 15 mil grampos, a investigação comprovou que a quadrilha paulista já está instalada no estado.
GUERRA CONTRA O ESTADO
Aos convertidos, os aliciadores lembram que a ideologia da facção é de enfrentamento apenas contra o estado: “Essa guerra (entre outros grupos de traficantes) (…) não é nossa. Se o crime do Rio de Janeiro fosse unido, se não ficasse digladiando entre eles, querendo matar uns aos outros, vocês poderiam ter certeza de que o sistema carcerário do Rio não estaria este massacre. Mas eles preferem se matar, ficar tomando morro um do outro, em vez de se unirem contra o governo.
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