Em fins de 2011, um acampamento do movimento Occupy do lado de fora da catedral de St Paul, em Londres, era um aglomerado de barracas que, juntas, davam a impressão de uma "feira" em que se ofereciam dezenas de mensagens, das mais variadas, contra a ordem estabelecida.
Caminhando por entre as barracas, a reportagem da BBC Brasil notava a sensação de que a mensagem genérica valia mais que o conteúdo específico – que a visão expressada pelo movimento suplantava a importância das reivindicações concretas dele.
Meses depois, uma nova visita a um acampamento do movimento, desta vez na capital americana, Washington, em 2012, comprovava que a articulação se afrouxava e definhava pouco a pouco.
Porém, a sua mensagem não apenas sobreviveria como voltaria à tona ao longo do ano, na corrida presidencial que opôs o democrata Barack Obama (que tentava não perder a sua aura de advogado dos 99% da população) e o republicano Mitt Romney (que os críticos acusavam de defender os interesses do 1%).
Especialistas ainda discutem as conquistas e o legado do movimento Occupy, que compartilha alguns elementos – apesar de diferenças importantes – com os protestos que sacudiram o Brasil nas últimas semanas.
Na semana passada, um especialista disse à BBC Brasil que a maior importância do movimento Occupy foi "energizar" mudanças no sistema financeiro que já estavam sendo discutidas, mas que subiram de prioridade por causa do clamor das ruas.
"As propostas já estavam em fase de aplicação e talvez acontecessem de qualquer maneira, mas o Occupy lhes deu mais energia", avaliou o diretor da Escola de Política Aplicada da Universidade George Washington, Mark Kennedy.
Multiplicidade
Desde que a presidente Dilma Rousseff apresentou cinco "pactos nacionais", especula-se se os dois movimentos podem ter fim semelhante.
Como os brasileiros, os protestos do movimento Occupy também foram comparados em sua época a uma "primavera" popular, só que contra o sistema financeiro.
Uma declaração adotada pelo movimento nos EUA em 2011 continha o que a revista New Yorker chamou à época de mais de 600 "reclamações".
Nelas, culpavam-se as "forças corporativas" por uma vasta lista de problemas mundiais, da poluição da água ao tratamento cruel contra os animais, passando pelo problema que originou o movimento, a desigualdade.
Esta multiplicidade – ou ambiguidade – do movimento foi o seu ponto forte, e sua fraqueza. Potencializada pelo uso das mídias sociais, a organização "horizontal", espontânea, atraiu pessoas desencantadas com a estrutura "vertical" encabeçada por líderes.
Este caráter não deve ser erroneamente atribuído a uma falta de politização dos participantes do movimento, alertaram Ruth Milkman, Stephanie Luce e Penny Lewis, três sociólogas americanas que avaliaram a experiência do Occupy em um estudo da City University of New York publicado recentemente.
Pelo contrário, pesquisas junto aos participantes do Occupy indicaram que muitos dos manifestantes já tinha experiência em participar de manifestações – em geral, de esquerda, escrevem Milkman, Luce e Lewis.
Se havia uma crítica a Obama, era por causa do "desencanto" dos jovens com o governo do democrata.
À medida que a "visão" do movimento era encampada, certamente no discurso e um pouco na prática, por parte dos líderes mundiais, o seu protagonismo desaparecia. Hoje, barracas não mais ocupam as praças de Londres, Nova York ou Washington.
Impacto
Mesmo assim, as mensagens do movimento sobreviveram e tiveram impacto, concluíram as três pesquisadoras.
"Occupy Wall Street pode ser pelo menos parcialmente creditado por uma variedade de concessões políticas que ocorreram no fim de 2011 e início de 2012, como a extensão do 'imposto sobre milionários' em Nova York, a desistência do Bank of America de impor mais taxas para seus clientes e um bloqueio bem sucedido da lei contra pirataria online", avaliaram.
Além disso, "muitos ativistas ficaram maravilhados com quanto o debate sobre a desigualdade se tornou central no discurso político nacional graças ao Occupy".
No Brasil, ainda não está claro se as "concessões" oferecidas pela presidente Dilma serão suficientes para aplacar o ânimo dos indignados.
Mas os principais temas apontados entre as reivindicações, como educação, saúde e combate à corrupção, estão entre os temas que a presidente tem discutido com prefeitos e governadores desde o início desta semana.
Semelhanças e diferenças à parte, os jovens que saíram às ruas nos EUA, na Inglaterra e no Brasil se veem, nas palavras das sociólogas americanas, como uma "geração de jovens que obedeceram às regras do jogo e não viram os frutos dos seus esforços".