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No Rio, polícia origina mais violência no combate ao tráfico que no México

Júlia Dias Carneiro

A comparação também aponta para uma mudança nessa tendência com a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em favelas cariocas.

A partir de um levantamento preliminar de eventos violentos noticiados em jornais dos três países, pesquisadores do Observatório Internacional de Violência Associada ao Narcotráfico (Obivan) indicaram que na Colômbia e no México os ataques partem do narcotráfico com maior frequência.

"No caso do Rio de Janeiro, fica nítido o protagonismo da ação estatal na produção do conflito violento", diz o cientista político André Rodrigues, que coordena o núcleo brasileiro do estudo com Raíza Siqueira, ambos do Instituto de Estudos da Religião (Iser).

Rodrigues diz que a maioria dos embates associados ao narcotráfico no Rio acontece entre forças da polícia e grupos do narcotráfico, e as ações que precedem esses combates são predominantemente incursões policiais, o que foi o caso em mais de 50% dos relatos de confrontos de 2009, segundo os resultados preliminares do Obivan.

"Enquanto isso, nos casos colombiano e mexicano, temos um tipo de violência muito mais protagonizada por parte do narcotráfico, mais agressiva, que ataca muito mais do que no Rio de Janeiro", compara o pesquisador.

Fator UPP

No entanto, estudo também revelou mudanças nos padrões de violência na fase mais recente da pesquisa, que analisou notícias publicadas entre 2007 e 2010.

Do período 2007-2008 para aquele de 2009-2010 há uma queda nos relatos de confrontos entre facções criminosas e a polícia, tendência que os pesquisadores associam com o início da política das UPPs.

Os dados ainda precisam ser refinados, segundo Rodrigues, mas os resultados preliminares indicam que o número de combates de traficantes com a polícia foi mais de 60% maior em em 2007-2008 do que no período mais recente (438 contra 271 episódios noticiados).

Enquanto isso, os embates entre as facções criminosas permaneceram quase constantes, com 47 ocorrências noticiadas nos dois primeiros anos da pesquisa e 39 nos dois últimos.

"Essa queda parece indicar uma redução do protagonismo policial em episódios de violência do narcotráfico, o que seria relacionado às UPPs", avalia Rodrigues.

"O que as UPPs fazem é é retirar a participação das instituições policiais como atores ativos do processo de produção de combates no Rio."

A política que leva unidades de policiamento (as UPPs) para favelas cariocas busca eliminar o controle do tráfico armado sobre essas áreas e teve início em dezembro de 2008. A primeira UPP, instalada na comunidade Santa Marta, na zona sul do Rio, completou três anos na última segunda-feira.

Rio x México

O cientista político norte-americano Benjamin Lessing, coordenador do Obivan, diz que está desenvolvendo uma tese que compara as dinâmicas de violência e os embates entre o Estado e o narcotráfico nos dois países latino-americanos e no Rio.

O período analisado na Colômbia está no passado (Lessing enfoca os anos 1984-1993, quando o tráfico era comandado por Pablo Escobar), mas no Rio e no México a violência estudada se estende até o presente, envolvendo a comparação das políticas de segurança atuais dos dois locais.

"As intervenções militarizadas no Brasil e no México tiveram efeitos muito diferentes", afirma o pesquisador.

Apesar da campanha do presidente mexicano Felipe Calderón para esmagar os cartéis, a violência associada ao narcotráfico continua a escalar de maneira contínua no México desde 2006.

Já no Rio a estratégia que começou a ser adotada com as UPPs "tem dado certo", avalia Lessing, pelo menos no objetivo de mudar a estratégia do tráfico.

Ele diz que o fator chave para explicar essa diferença é o que chama de "condicionalidade" da violência. Se o Estado adota uma política incondicional, combatendo todos os traficantes ao mesmo tempo, como no México, os cartéis sabem que vão sofrer a mesma repressão estatal independentemente de suas condutas criminosas.

Já na política adotada pelo governo de Sérgio Cabral no Rio, Lessing considera que há uma "repressão condicional", o que cria um incentivo para os traficantes não usarem a violência.

"(No Rio), o Estado vem com muita força, mas só aplica o total dessa força se os traficantes optam pelo confronto. Se eles fogem, não usam violência, são deixados mais ou menos em paz. Podem traficar, até ficar com uma fatia de lucros do mercado de drogas, desde que não usem a violência", considera Lessing.

Ele afirma que a situação no México é alarmante, já que a violência continua a disparar. "Em 2011, o país deve ultrapassar 17 mil homicídios. O que os mexicanos podem entender a partir do caso brasileiro é que uma mudança não depende só do nível de força aplicada, mas do jeito que a força é aplicada. É isso (a estratégia condicional) que levou à mudança na dinâmica do tráfico que vemos no Rio."

Jornais x estatísticas

A ideia de desenvolver um banco de dados a partir de notícias de jornais surgiu durante a pesquisa de doutorado de Lessing.

"Percebi que não temos um histórico da violência associada ao narcotráfico, não conhecemos as dinâmicas e a estrutura dessa violência", diz.

Com colaboração de pesquisadores no Rio, no México e na Colômbia, o Obivan está compilando os episódios noticiados nos principais jornais de cada local. A pesquisa é financiada pela Open Society Foundations e pelo Centro Andino de Fomento.

O banco de dados listará outros aspectos de violência além dos que costumam estar nas estatísticas oficiais, como os tipos de conflitos ocorridos, quem estava envolvido, quem tomou a iniciativa, se houve apreensões, se houve feridos ou veículos danificados etc.

A pesquisa ainda está em andamento, mas os resultados preliminares comparando o Rio e o México foram apresentadas em um seminário do Iser, no Rio, nesta semana.

Questionado sobre a viabilidade de se comparar dois países com uma cidade, Lessing afirmou que fez essa opção porque a violência no Rio tem uma dimensão comparável com a do México e da Colômbia e porque as políticas de segurança são desenvolvidas no âmbito estadual.

No Rio, as notícias dos jornais Globo e O Dia fazem parte da pesquisa. Do primeiro, foram compiladas as notícias desde 2007 até agora; e do segundo, as do ano de 2009. No México, o jornal pesquisado é o Reforma, e na Colômbia, o El Tiempo.No total, mais de 30 mil reportagens já foram codificadas.

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