Publicado em Veja.com
Entrevista – Marcelo Luiz Barone – Promotor SP
Mariana Zylberkan
Entre junho e julho de 2014, quando o mundo todo acompanhará a Copa do Mundo no Brasil, o país corre o risco de ser palco de novos atos de vandalismo e não há nada que a Justiça possa fazer para prevenir os ataques. Essa é a opinião do promotor de Justiça Criminal Marcelo Luiz Barone, representante do Ministério Público de São Paulo na força-tarefa que investiga os mascarados flagrados em atos de vandalismo. "Os acusados são levados à delegacia, assinam um termo circunstanciado e vão embora. Precisamos de uma legislação mais severa. Tenho muito medo do que pode acontecer durante a Copa do Mundo”, diz Barone. "Hoje, o cara sai da delegacia como herói."
Dos 153 identificados pela polícia, 80 foram chamados para prestar esclarecimentos no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). Segundo Barone, a investigação desmobilizou o protesto marcado nas redes sociais para o dia 15 de novembro. “Quando eles percebem que podem ir para a cadeia, o movimento esfria.” Leia a entrevista ao site de VEJA.
Por que a depredação praticada pelos black blocs não é punida?
O grande problema é a legislação. A maior parte dos crimes cometidos pelos black blocs – depredação, desacato e desobediência à ordem policial e o crime de dano – é punida pela Lei dos Juizados Criminais Especiais (9.099/95), que é a lei da impunidade. Ela já nasceu frouxa por impedir prisões em flagrante. Os acusados são levados à delegacia, assinam um termo circunstanciado e vão embora. Precisamos de uma legislação mais severa. Não existe uma lei que segure a ação dos black blocs e eu tenho muito medo do que pode acontecer durante a Copa do Mundo.
Há alguma outra lei que pode ser aplicada?
A única opção que temos é um dos artigos da Lei de Segurança Nacional. Mas, se aplicada, o caso é deslocado para a competência da Justiça Federal e o governo do Estado não quer isso, vai demonstrar ingerência.
Qual é a saída?
No inquérito aberto pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), a investigação busca provas para autuar os acusados sob o crime de bando ou quadrilha armada, que também não tem pena eficaz, vai de um a três anos. Se condenados, eles podem pegar a pena mínima, de um ano e meio para primários já contabilizado o agravante pelo uso de armas. Isso tudo nos leva a pensar: será que eles fazem isso tudo e não acontece nada?
Essa situação se aplica a todos os presos até agora?
De todos os que foram presos, o único que teria uma pena mais severa é o rapaz que praticou a tentativa de homicídio contra o coronel da Polícia Militar. Se todos que participaram do espancamento fossem presos, iriam responder por tentativa de homicídio. Foi uma cena típica para ser julgada em júri. Do contrário, temos penas muito brandas. Por isso, não adianta nenhum governo dizer que vai resolver o problema. Os detidos vão ser soltos e voltar para as ruas causar depredações.
Quais são as alternativas que estão sendo estudadas?
O Ministério Público irá impor penas restritivas de direito, como a que impede o detido de fazer parte de uma nova manifestação. Se desobedecer, pode ser retirado pelos policiais. Mas, como eles vão para as ruas com o rosto coberto, fica difícil identificar. É realmente uma situação muito difícil.
O que é a tática black bloc?
Em um primeiro momento, me pareceu um movimento organizado, mas quando eles foram ouvidos no Deic, não se mostraram tão organizados assim. São jovens indo no embalo do barulho criado na internet, em comportamento parecido com as torcidas de jogo de futebol, que se reúnem em redes sociais para combinar atos de violência e quebra-quebra contra as torcidas adversárias. Quando um deles vai para a cadeia, o movimento dá uma esfriada. Estava marcada para o dia 15 de novembro uma grande manifestação em todo o país. Era para ser o grande dia dos protestos, e não teve nada.
Esse esfriamento é atribuído à investigação?
Sim, na véspera, na quinta-feira, muita gente foi chamada para depor no Deic. Eles sentiram que há uma investigação mais aprofundada e recuaram. Mas, infelizmente, a nossa legislação é pífia. Se tivermos uma manifestação de grande porte na Copa, não vamos ter como segurar.
Há como se preparar?
O Congresso teria de aprovar uma legislação mais rigorosa em relação aos atos de violência e vandalismo nas manifestações. Quando se fala em ordem, as pessoas confundem com ditadura, mas toda a democracia precisa de ordem para existir.
Por que a legislação brasileira ainda é falha nesse sentido?
O Brasil saiu da ditadura para uma legislação muito branda. A Constituição de 1988 assegura todos os direitos para o criminoso, mas para o cidadão de bem, nem tantos. Nós estamos vendo hoje as consequências dessa legislação pífia. A lei de execuções penais foi largada. É fácil de arrumar, mas temos que ser mais coerentes com o que queremos, se quisermos ordem e progresso, algo deve ser feito concretamente nesse sentido.
Quais são os exemplos dessa legislação frouxa?
Em vários países, o sujeito é, por exemplo, condenado a prestação de serviços à comunidade para evitar ir para a prisão, se não cumprir, aí sim ele é preso. Aqui no Brasil, o Código Penal permite que um traficante de drogas seja condenado a prestação de serviços à comunidade. Ele não cumpre e nem vai para a cadeia por causa disso. Isso sem falar nos crimes cometidos por menores, como eu vou mandar internar qualquer menor infrator se o juiz não interna nem o que comete latrocínio? O juiz alega não ter vaga, outro é mais liberal e defende que a internação vai torná-lo ainda mais delinquente. A verdade é que o sistema está errado.
Os black blocs perceberam isso?
Sim. Se tivesse tido uma repressão imediata, eles teriam parado. Se o sujeito que depredasse fosse para a delegacia e imediatamente preso, no dia seguinte, não tinha mais vandalismo nas manifestações. A falta de poder intimidativo da pena leva a esse tipo de abuso. Aí vem a ala do Direito que diz que prender não recupera ninguém, isso pode ser verdade no sistema prisional brasileiro, mas seria diferente se tivéssemos um sistema carcerário sério. A pena privativa de liberdade ainda é a mais eficaz que temos, ainda não inventaram uma melhor. Se não segregar o bandido da sociedade, ele vai continuar a cometer crimes. Não adianta falar para ele: 'olha não faça mais isso, seja bonzinho, isso não existe em nenhum país do mundo'. Claro, precisamos ter melhores condições de saúde e educação no país para dar mais oportunidades aos cidadãos, mas antes temos que diminuir esses índices de violência.
Quando os black blocs viraram caso de polícia?
O caso mais grave foi o espancamento do coronel. Apesar de que já é caso de polícia quando há depredação. Mas quando um coronel é agredido, já estamos falando de um crime com pena pesada, de 12 a 30 anos em regime fechado. No momento em que o coronel foi agredido, é como se o Estado estivesse sido jogado no chão sem a menor autoridade. O Estado está falido, é atingido e não consegue reprimir legalmente essa violência. Hoje o Brasil é um país sem lei e sem ordem.
A ação ds black blocs tem viés politico?
Para mim, parece um viés criminoso, algo parecido com a história do grupo de amigos que decidiu colocar fogo em um índio. Um deles teve essa ideia imbecil e os outros cinco foram no embalo. Com os black blocs acontece algo parecido, meia dúzia quer sair destruindo tudo, cinquenta aderem e saem para as ruas. É uma forma de se revoltar contra tudo e todos. Se está revoltado, meu amigo, bate a cabeça na parede, não vai lá destruir a loja de um cidadão de bem, que paga seus impostos. O black bloc destrói um lugar que pode gerar emprego para ele e para sua família, mas não enxerga isso. Se hovesse uma legislação mais séria, essa brincadeira teria parado rápido. Hoje, o cara sai da delegacia como herói.
Qual é o perfil dos que agem como black blocs nos protestos?
A maioria dos identificados é rapaz jovem com emprego e residência fixa, sem envolvimento com o crime. Mas a investigação detectou também muitos bandidos infiltrados que iam para as manifestações para roubar. Muitos têm antecedentes criminais por roubo e se infiltraram para roubar os celulares de quem estava protestando. Alguns quebraram agências bancárias para levar dinheiro dos caixas eletrônicos. Misturou tudo, todos colocam a máscara e se infiltram na multidão.
Como driblar a dificuldade de a polícia identificar os infratores mascarados?
Esse foi tema principal das conversas do Ministério Público com a polícia. Os black blocs chegam às manifestações sem máscara, mas a colocam quando estão no meio da multidão e tiram após quebrarem tudo. Em algumas cidades da Europa, a polícia usa luminol [tinta fluorescente detectada apenas por uma luz especial] para marcar o sujeito, mas nós não temos esse equipamento no Brasil. A Justiça paulista acatou nosso pedido de quebrar o sigilo de duas páginas do black bloc no Facebook. Através de mensagens trocadas pela internet entre os investigados vamos averiguar se há prática do crime de bando e quadrilha armada.