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Nada seria pior para o Rio do que paramilitares, diz ‘pioneiro de UPPs’

Maurício Moraes

Quando Jesús Ramírez Cano assumiu a Secretaria de Ordem Civil de Medellín, em 2004, a cidade colombiana ainda era símbolo de violência e da atuação de narcotraficantes como Pablo Escobar, que antes de ser morto, em 1993, comandou dali um dos maiores cartéis de drogas do mundo.

Nos últimos anos, Medellín passou por uma profunda transformação urbanística integrada com políticas de segurança que baixaram drasticamente o nível de criminalidade da cidade.
 

As intervenções nas favelas colombianas se tornaram modelos para as chamadas UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora) no Rio de Janeiro.

Teleféricos foram instalados, servindo como sistema de transporte até o alto dos morros, onde foram construídas grandes bibliotecas públicas, cuja arquitetura contemporânea fez delas atrativos turísticos.

Em visita ao Rio de Janeiro para participar da Conferência do Forte de Copacabana, organizada pela Fundação Konrad Adenauer, o advogado e hoje consultor de segurança disse à BBC Brasil que "é preciso abrir espaço público" nas cidades brasileiras.

"Aqui, como em Medellín, houve um crescimento informal na periferia, em terrenos de invasão. Esses espaços, sem presença do governo, são propícios à permanência de grupos armados".

Além das favelas, dos morros e agora dos teleféricos, Medellín e Rio têm outros pontos em comum: o mais "funesto" é a presença de grupos paramilitares, ou milícias, de acordo com Cano.

Na Colômbia, os grupos nascidos para combater guerrilhas marxistas se infiltraram em altas esferas do governo. No Rio, ainda é um “problema relativamente novo”, que precisa ser combatido, segundo Cano.

"Nada seria pior para o Rio de Janeiro" do que os paramilitares, diz Cano. Veja a entrevista.

BBC Brasil – Como o senhor vê a experiência brasileira de pacificação das favelas do Rio de Janeiro com atuação das Forças Armadas?

Jesús Ramírez Cano – Não conheço com profundidade a experiência brasileira. O que tenho a dizer é que na Colômbia a participação das Forças Armadas em conflitos urbanos tem sido limitada. O Exército tem atuado no campo, contra as forças insurgentes. Na Colômbia, pelo menos, não vejo a Marinha, o Exército e Aeronáutica com capacidade e expertise para atuar em conflitos urbanos.

BBC Brasil – A atuação do Exército em conjunto com a polícia do Rio de Janeiro, marcada por denúncias de corrupção e envolvimento com grupos paramilitares, não abre uma brecha perigosa para que setores das Forças Armadas sejam contaminados por esses problemas?

Cano – A experiência que temos na Colômbia mostra que o que alimenta tudo isso é o narcotráfico. O narcotráfico tem um grande poder de corrosão e penetração (nas instituições). O ideal seria que as intervenções do Exército fossem pontuais e limitadas, com uma grande supervisão. Quando essas forças se tornam permanentes, correm o risco de se envolver em corrupção e violação aos direitos humanos.

BBC Brasil – É possível comparar os grupos paramilitares que hoje existem no Rio de Janeiro com os paramilitares colombianos?

Cano – Vivemos e sofremos cerca de 20 anos com o fenômeno paramilitar, que gerou a maior tragédia humanitária da história do país. Mais de 4 milhões de pessoas deslocadas (temendo perseguição dos paramilitares), 5 milhões de hectares de terras de camponeses tomadas, gente desaparecida e morta.

Os paramilitares são um recurso extremo e ilegal, muitas vezes de mãos dadas com o Estado. Nada seria pior para o Rio de Janeiro e o Brasil.
 

Não se pode combater a ilegalidade com a ilegalidade. Eles (paramilitares) aparecem como uma força que substitui o Estado, negando a capacidade do mesmo para manter a ordem. Muita gente acaba os vendo com simpatia, sobretudo no curto e no médio prazo. Nesse caso, o remédio é pior do que a doença.

BBC Brasil – Pode se dizer que o problema dos paramilitares ainda está em um estágio inicial no Brasil?

Cano – O paramilitarismo é um fenômeno relativamente novo no Brasil. Creio que se está em uma fase em que se pode fazer um combate efetivo contra o mesmo. A ideia é combinar um esforço coletivo das forças públicas.

Pela experiência que temos na Colômbia, vemos que não há um mando (centralizado entre os paramilitares). É necessária uma intervenção social muito forte para eliminar os focos de pobreza que propiciam o aparecimento desses grupos. Também é necessário haver um aparato de Justiça (forte). Esses grupos se fazem presente onde o Estado é muito frágil, onde conflitos (sociais) não foram resolvidos pelo Estado.

BBC Brasil – O que o senhor pensa sobre a proposta dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e César Gaviria (Colômbia) de descriminalizar as drogas como parte da solução dos problemas?

Cano – Sou totalmente de acordo. Estou certo de que a raiz do mal que temos na Colômbia é o narcotráfico.

Enquanto as drogas continuarem sendo criminalizadas, elas continuarão sendo um negócio tremendo, que corrompe nossas instituições. Veja o estrago que fez a proibição do uísque nos Estados Unidos (em referência a lei seca que vigorou no país entre 1920 e 1933). É necessário ir por partes e avançar em algum momento na legalização do consumo. Isso tem de ser tomado em organizações internacionais. Um país só não pode fazê-lo. É um assunto de política global. Mas ainda estamos distantes de ter essa consciência.

 

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