Silvio Miranda Munhoz
Procurador de Justiça do Rio Grande do Sul
“A estatística é igual biquíni. O que ela mostra é importante, mas o que ela esconde é o essencial”.
Roberto Campos*
Segundo notícia, amplamente divulgada, nas redes sociais, durante o XXIII Congresso Brasileiro de Magistrados (1), o Desembargador Edison Aparecido Brandão – TJSP, proferiu a seguinte frase: “O Brasil é o país que mais mata no mundo. Então tinha a obrigação de, no mínimo, ser o que mais prende no mundo. Aqui, a estatística tem ideologia”.
A frase, por espelhar a atual situação social, merece uma detida análise por aqueles preocupados com a realidade brasileira.
Correta a primeira assertiva. Em números absolutos, não há dúvida, é o Brasil o País onde ocorrem mais mortes violentas no mundo (homicídios, latrocínios e lesão corporal seguida de morte), consoante o Atlas Brasileiro da Violência de 2017 foram registrada 61.283, e em números relativos de mortes por 100 mil habitantes é um dos primeiros.
No tocante à segunda assertiva, embora órgãos oficiais, com maquiagem dos dados, busquem colocar a pecha no Brasil de ser um dos países mais encarceradores do mundo, isto não corresponde à realidade, como vem demonstrando CARPES (2), em inúmeras palestras e artigos publicados na imprensa brasileira.
Em apertada síntese, os órgãos oficiais colocam como ‘encarcerados’, os condenados em regime semiaberto e aberto, bem como os milhares que cumprem pena domiciliar, com ou sem tornozeleira, e, além disto, consideram presos provisórios todos aqueles que aguardam o trânsito em julgado (sistema brasileiro admite quatro instâncias recursais) e não quem está aguardando julgamento (critério adotado pela grande maioria dos países).
A maquiagem dos números somente serve a inúmeras vozes no Brasil pleiteando uma imediata campanha de desencarceramento, como visto, baseada em números inexatos e cujo viés, sem sombra de dúvidas, possui um cunho ideológico.
Caso o cálculo fosse feito corretamente o Brasil ostentaria posição próxima a 60 no mundo, no pertinente à taxa de encarceramento.
A constatação anterior demonstra o acerto da segunda assertiva da frase, que motivou a presente discussão, e já deixa antever um vislumbre de acerto da conclusão.
Pensemos. Se os dados e estatísticas brasileiras são ideologizados e maquiados, com a finalidade de gerar um ‘falso encarceramento em massa”, em que outros campos isto ocorre?
A resposta surge ao examinar o Atlas Brasileiro da Violência de 2017 (3) , no tópico em que é analisada a violência policial. No ponto, consta no estudo: “De fato, como se pode observar, o número de incidentes de mortes decorrentes de intervenção policial já ultrapassou o de latrocínio (roubo seguido de morte), o que demonstra (…) que práticas letais de agentes estatais não configuram um desvio individual de conduta, mas sim um padrão institucional de uso da força pelas polícias”.
Percebam, o número de mortes decorrentes de intervenções policiais (3.320) é descontextualizada, ou seja, não considerada em relação ao número geral de mortes violentas 61.283, mas, comparada só com um dos componentes deste número, o latrocínio, e deste desvirtuamento os responsáveis pelo estudo tiram uma conclusão: ‘a polícia brasileira é violenta’…
Caso analisada corretamente, no contexto das 61.283 mortes ocorridas no ano de 2015, com certeza, a conclusão seria outra, somente em torno de 5% podem ser imputadas a intervenção policial, ou seja, a bandidagem é responsável pelos outros 95% das mortes dos cidadãos brasileiros.
Isto sem ponderar o fato de que, muitas mortes geradas pela intervenção policial, não podem sequer ser consideradas como crime, pois estão sendo praticados sob o abrigo da legítima defesa ou do estrito cumprimento do dever legal, como salienta PEREIRA (4) em artigo intitulado ‘o mito da polícia bandida’.
O estudo publicado em 2018, compulsando aos dados relativos ao ano de 2016 aponta a ocorrência de 65.217 homicídios, e desta quantia atribuídos à intervenção policial “4.222, segundo os dados publicados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública” (5), ou seja, continua próximo aos 5%.
Necessário, no entanto, e o documento na versão de 2018 reconhece isto – embora sem ofertar nenhum dado para tal mensuração – conferir quantas destas mortes foram praticadas ao abrigo da legítima defesa ou estrito cumprimento do dever legal e, portanto, lícitas (quantas geraram denúncias ou arquivamentos e, no primeiro caso, quantos resultaram em condenações). A experiência vivida por 25 anos como titular de Varas do Tribunal de Júri no Rio Grande do Sul, não me deixa titubear sobre o tema, neste tipo de morte o número de arquivamentos é muito superior ao de denúncias.
Como visto, as assertivas da frase lapidar, que ensejou a presente análise, é correta e a conclusão perfeita a ‘estatística no Brasil é ideologizada”. Entretanto, na hipótese aqui aventada, remanesce uma pergunta, que não quer calar. A quem serve ‘o mito da polícia bandida’?
Aliás, essa visão ideológica, buscando demonizar a polícia brasileira não é recente basta ver o dito por VILAPIANA (6), em 2002: “O maniqueísmo é tão grave que tudo o que está relacionado com a atividade policial é nocivo ou ruim”.
Ao fim e ao cabo, com certeza, a ideologização da estatística sobre a atuação das polícias somente serve aos bandidólatras (7) de plantão – que do alto de suas torres de marfim, alienados da realidade das ruas -, são convidados, rotineiramente, para dar “pitacos” em programas de rede nacional ostentando o falso título de autoridades em segurança pública, onde sustentam teses esdrúxulas e absurdas, atentatórias à sociedade brasileira, (cuja grande e esmagadora maioria é formada por cidadãos honestos e de bem), dentre uma destas pode ser citada a do ‘desarmamento da polícia’.
Imaginemos… Para quanto iria nossa taxa de mortalidade violenta, caso isto algum dia aconteça – oremos para que nunca -, pois neste caso a felicidade das organizações criminosas que assolam o Brasil, seria completa!
*A frase foi dita em português por Roberto Campos, mas foi Aaron Levenstein, professor norte-americano de Economia (1911-1986), quem afirmou: “Statistics are like a bikini. What they reveal is suggestive, but what they conceal is vital”.
(1) Realizado em 24/26 de maio de 2018, em Maceió – Alagoas
(2) CARPES, Bruno. In http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-mito-do-encarceramento-em-massa/ – ou http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-desencarceramento-dos-numeros/
(3) Atlas da Violência 2017, estudo realizado pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Seguranca Pública, www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/2/2017 ou DefesaNet
(4) PEREIRA, Fábio Costa. “O Mito da Polícia Bandida”. Artigo publicado na Revista A Força Policial. Ed. n.º 01, 2017. http://revistafpolicial.policiamilitar.sp.gov.br/?page_id=3802.
(5) Atlas da Violência 2018, estudo realizado pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Seguranca Pública. www.ipea.gov.br/atlasviolencia/
(6) VILAPIANA, LUIZ TADEU. Brasil Acossado pelo Crime. Porto Alegre: Ed. Diálogo Editorial, 2002, fl. 33
(7) Para perfeita análise do conceito recomendável a leitura das obras: MORAES JR., Volney Corrêa Leite de Moraes e DIP, Ricardo. In Crime e Castigo – Reflexões politicamente incorretas. Ed. Millennium: Campinas-SP, 2002; e PESSI, Diego e SOUZA, Leonardo Giardin de. In Bandidolatria e Democídio. Eds. Armada e Resistência Cultural: 1.ª Edição, 2017