publicado jornal Extra 16 Maio 2011
Alemão: conversas mostram bandidos falando de boca-de-fumo e moradores em clima de terror
Por Reinaldo Azevedo
Deus está ocupado demais para se dedicar a fazer milagres na área de segurança pública. Na hipótese de que o fizesse, não creio que seria sensível aos clamores de intercessores como Sérgio Cabral e José Mariano Beltrame. Talvez os dois tomassem um puxão de orelha, junto com parte do jornalismo “UPPista”, que parece incapaz de reconhecer valas lógicas mesmo quando quebra a cara em uma delas — ou em muitas.
Não, eu não me oponho — já deixei claro umas 300 vezes — à idéia de uma “polícia da paz” (o termo “pacificadora” me incomoda um pouco, já digo por quê), Qualquer um, em QUASE todas as circunstâncias, prefere a paz à guerra. Escrevo “quase” porque há casos em que a guerra é um imperativo ético, moral e humanista — contra a opressão e o genocídio, por exemplo. O pacifismo também pode ser autoritário, coisa que gente do miolo mole não sabe. Antes que relembre os meus motivos, uma questão de linguagem.
Uma “polícia pacificadora” é ativa no ato de “pacificar”. Muito bem: quem “pacifica” estabelece a paz entre litigantes, certo? No caso dos morros do Rio, quais era os grupos em litígio? Basicamente, a população, formada por pessoas decentes, e os bandidos. Qual é o objetivo da UPP? Estabelecer a “pax” entre esses dois lados, legitimando-os, então, como parceiros, de sorte que bandido e gente de bem se igualam.
Vamos pensar mais um pouco. Eu sempre critiquei as UPPs de Cabral porque elas não prendiam ninguém. A cada vez que a polícia subia o morro para se instalar, ocorria aquela indecorosa corrida de bandidos, de sorte que classifiquei a política de segurança de Cabral de “polícia espalha-vagabundo”. Mais: afirmei também que, da forma como estavam sendo feitas as coisa, as forças de segurança — agora, até as do Exército — acabariam funcionando como proteção ao tráfico de drogas, desde que ele não fosse ostensivo. É o que deixa claro o texto abaixo, não?
No mundo cabralino, “tráfico existe em qualquer lugar, até em Ipanema”. Sem dúvida: mas com força armada para garantir a segurança dos traficantes, aí só nas áreas ocupadas pelas UPPs. Essa é uma afirmação derivada da lógica mais elementar. Por quê? Nos tempos idos, sempre havia o risco de facções tomarem ou tentarem tomar os pontos de tráfico de grupos rivais. Agora não mais. Os homens fardados estão lá para garantir “a paz”. E o tráfico continua a trabalhar da mesmíssima maneira.
Uma polícia, para que seja pacificadora, estabelece a “paz” entre o cidadão comum e a lei, , que vivem não um litígio, mas um divórcio. Não é bem isso o que está em curso. Se o estado não prende o bandido; se, pior, permite que ele continue a traficar drogas, desde que não o faça de maneira ostensiva, o que se tem é apenas conivência.
Essa maquiagem da realidade, de que a IPP é fiel retrato, mira, como todo mundo sabe, na Copa do Mundo e na Olimpíada. Como seus fundamentos estão errados, como ela supõe um pacto informal com a bandidagem, fica na dependência de essa gente cumprir ou não a parte que lhe cabe. E os bandidos costumam ser muito poucos severos com a palavra empenhada.
Talvez venhamos a nos surpreender, no futuro, com o fato de que essa política de convivência pacífica, ou pacificadora, com a bandidagem tenha sido adotada algum dia. Mas pode ser que isso não aconteça também. Nesse caso, os bandidos é que estarão fazendo a escolha. Nós seremos apenas os escolhidos.
Escolhidos como foi Nelson Jobim. Ninguém menos do que o ministro da Defesa fioi monitorado pelos olhos do narcotráfico enquanto fazia pose de que estava no comando. Faz sentido! Um governo que se nega a caçar bandidos vira a caça.