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Moradores querem evitar ‘militarização’ do cotidiano na Maré

Jefferson Puff

Em meio a um clima de tensão e expectativa, os moradores do Complexo da Maré, conjunto de favelas que é ocupado pelo Exército neste sábado no Rio de Janeiro, querem evitar o que classificam como "erros e excessos" cometidos em operações semelhantes no passado. Além de denunciar abusos, eles se mostram contrários à militarização do cotidiano na região, que ficará sob controle das Forças Armadas por no mínimo quatro meses.

Às vésperas da chegada de 2,7 mil homens ao Complexo (entre Exército, Marinha e Polícia Militar), os líderes das 16 associações de moradores juntaram-se às diversas organizações baseadas na Maré e convidaram o secretário de Segurança Pública do Estado, José Mariano Beltrame, para uma reunião sobre o futuro da comunidade – que ao final do processo de ocupação deve passar a integrar o sistema de UPPs.

Em entrevista à BBC Brasil, lideranças locais relataram que apesar da expectativa de melhoras, o medo e a desconfiança dominam o clima na região e que os residentes da Maré se assustam com experiências passadas, tanto em incursões da polícia na própria comunidade como em operações militares que levaram à pacificação de outras favelas do Rio.

"Os moradores querem garantias de vida, eles se preocupam com o histórico de mortes e abusos, como na ocupação do Complexo do Alemão (que teve quase 20 mortos), em 2010", explica Mário Simão, um dos diretores do Observatório das Favelas, organização baseada na Maré, criada 13 anos atrás.

Ele diz que a comunidade rejeita a ideia de que as regras passem a ser ditadas pelos militares e pela polícia e que os moradores querem ser tratados como cidadãos e não como inimigos de guerra.

"Sai a força do tráfico e chega a força do Estado, e como vamos regularizar a favela? Não cabe ao Exército ou à UPP dizer se vai ter baile funk ou não, invadir as casas das pessoas como se não tivessem direitos, mudar as regras dos mototáxis. Eles não poderão decidir essas coisas sozinhos, de cima para baixo", complementa.

Preocupação

Alexandre Ciconello, assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional, que mantém longa atuação na Maré, explica que a militarização se traduz na abordagem diária aos moradores, que tende a ser truculenta; na criação de uma lógica de autorizações, em que a comunidade passa a depender da aprovação dos militares para fazer coisas que eram parte de sua rotina; e na sistematização de revistas de casas e pessoas – o que pode levar à revolta dos residentes locais.

"Muitos presidentes de associações de moradores são desrespeitados nesse processo, não têm seu papel reconhecido. São figuras que têm legitimidade, foram eleitas pela comunidade. A abordagem a crianças e adolescentes também tende a ser problemática e se percebidas como abusivas levam ao descrédito, revolta e até ações de vingança", diz.

Para a Redes de Desenvolvimento da Maré, ONG que atua há 20 anos no Complexo e conta com moradores entre os líderes, a mobilização política atual é um forte sinal de como a comunidade quer ser incluída no processo de pacificação.

"As organizações vão interferir no processo, vão lutar para que os moradores sejam preservados, respeitados. O secretário de segurança aceitou nosso convite, e na semana que vem devemos ter uma audiência com o prefeito Eduardo Paes (PMDB), que também virá à Maré", diz Edson Diniz, um dos diretores da organização.

Ele relembra que dada a sua localização estratégica (entre o Aeroporto Internacional Tom Jobim e o centro da cidade, e entre as avenidas Brasil, Linha Amarela e Linha Vermelha), a Maré já foi "cercada" pelo Exército em outras oportunidades, como a Eco-92 e a Rio+20, além de ter sido alvo de diversas operações da polícia.

"Isso leva ao descrédito da população. Dessa vez, se a ocupação vai, de fato, levar a mudanças duradouras, que seja feita da forma certa desde o início. É esse o sentimento dos moradores. Se não é algo só para a Copa e vieram para ficar, têm que fazer as coisas direito", argumenta.

Mandado coletivo

Um dispositivo jurídico que pode moldar este tipo de operacão e que preocupa os moradores é o mandado de busca e apreensão coletivo, medida que pode ser autorizada por um juiz e que na prática significa que as forças de segurança podem entrar na casa de qualquer pessoa para revistas – de forma semelhante a um estado de exceção em que direitos constitucionais são suspensos.

Um mandado do tipo foi expedido na semana passada, quando 1,5 mil policiais ocuparam a Maré para abrir caminho para a chegada das Forças Armadas.

Para a Anistia Internacional, o assunto é preocupante porque abre caminho para abusos. "É preciso deixar claro que a Maré não é um território de exceção. A segurança e a vida dessas pessoas devem ser garantidas com prioridade, e não se pode tratar uma população inteira como suspeita", diz Alexandre Ciconello.

Em entrevista coletiva, o general Ronaldo Lundgren, que organiza a ação militar, disse que a segunda fase da ocupação não contará com mandados de busca e apreensão coletivos e que atividades de patrulhamento, revistas e prisões na comunidade seguirão os procedimentos legais dentro da normalidade.

Ele também deixou claro que o dispositivo de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), documento assinado entre a Presidência da República e o governo do Estado do Rio de Janeiro que permite a ação militar, tem validade até o dia 31 de julho, mas pode ser prolongado.

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