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Modelo de repressão ao tráfico no Rio é mais eficaz que colombiano ou mexicano, diz analista

Júlia Dias Carneiro

Doutorando da Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, Lessing está desenvolvendo um estudo comparativo sobre as dinâmicas de violência no Rio, no México e na Colômbia.

Tanto Rio quanto México têm políticas contra o narcotráfico em andamento, mas enquanto a cidade brasileira vê avanços, no México a escalada de violência é contínua desde o início da campanha do governo de Felipe Calderón contra os cartéis locais.

Em entrevista à BBC Brasil, Lessing considera que a repressão incondicional adotada no México incentiva os criminosos a agirem com maior violência.

Enquanto isso, a política das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio, que busca eliminar o domínio do tráfico armado sobre favelas, estimula traficantes a não optarem pelo confronto ao direcionar a repressão aos traficantes que usam violência.

Lessing apresentou alguns resultados de sua pesquisa em um seminário no Instituto de Estudos da Religião (Iser), no Rio, na quarta-feira.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil: O que os dados do Obivan indicam de diferença nas dinâmicas de violência no Rio, no México e na Colômbia até agora?

Benjamin Lessing: Um resultado que já ficou muito claro é que cada país tem seu modo de violência mais característico. No Rio, é combate, é tiroteio. Isso tem a ver com a territorialidade do tráfico aqui, com a necessidade de defender um território realmente físico (as favelas), e também com as ação policiais.
 

Também se vê violência pública, como queima de ônibus, fechamento de comércio, mas é pontual. Acontece quando alguma política pública está em jogo, como uma política carcerária, uma eleição ou a própria política das UPPs, que foi motivo dos ataques de 2010.

Já na Colômbia você tem a característica dos carros-bomba, dos ataques terroristas e dos assassinatos. O tráfico lá não era tão territorial. E no México acho que é um caso misto. Como há uma fragmentação dos cartéis no México, você vê uma pluralidade nos formatos de violência, e uma predominância de ações para mandar sinais, deixar recados. É uma violência muito gráfica, muito propagandística, que envolve cortar cabeças, mutilar os corpos, deixar os corpos em via pública.

BBC Brasil: Quais foram os principais resultados da pesquisa em relação à participação da polícia em eventos violentos do narcotráfico? Em que medida atitude da polícia pode determinar uma maior violência do tráfico?

BL: A principal pergunta talvez seja por que as intervenções militares no Brasil a partir da política de pacificação (desde fins de 2008) e a intervenção militar no México a partir de 2006 tem tido resultados tão diferentes em termos de conflitos entre traficantes e o Estado.

No Brasil, essa tendência tem diminuído, e parece que houve uma mudança radical na estratégia dos traficantes. Em vez de confrontar o Estado, eles estão fugindo, se escondendo, adotando um modelo menos violento e não armado de traficar. Enquanto no México estão confrontando cada vez mais o Estado, e os níveis de violência estão disparando. Por quê?
 

O estudo indica que um fator chave é a estratégia de repressão por parte do Estado. Parte chave da política de pacificação é uma repressão condicional. O Estado vem com muita força, mas só aplica o total dessa força se os traficantes optam pelo confronto. Se eles fogem, não usam violência, são deixados mais ou menos em paz. Podem traficar, até ficar com uma fatia de lucros do mercado de drogas, desde que não usem a violência. Isso cria um incentivo para não usarem a violência.

No México, por vários motivos, (o presidente Felipe) Calderón optou por uma política idêntica contra todos os cartéis ao mesmo tempo, sem distinção, por motivos políticos e institucionais. O resultado é que, lá, a violência é não condicional. Não importa se o cartel usa ou não a violência, ele vai enfrentar o mesmo nível de repressão pelo Estado. Isso cria incentivo de usar mais violência.

BBC Brasil: O senhor afirma no seu estudo que um dos efeitos dessa estratégia condicional seria reduzir a extorsão de policiais. De que maneira isso ocorre?

BL: Eu diria que nos três casos, da Colômbia, do México e do Brasil, estamos falando de situações em que a corrupção é arraigada, é comum. O policial ou agente do Estado não enfrenta grande probabilidade de ser preso por aceitar um suborno. É muito difícil de isso acontecer. Então ele tem um incentivo para pedir suborno e tem muito poder de barganha.

Esse poder aumenta quando o Estado aumenta a repressão e entra em campanha contra o tráfico. Isso dá mais poder de barganha para o policial local e cria mais incentivo para o traficante usar a violência. A lição é essa. Se você aumenta a repressão, diante de uma situação de corrupção generalizada, você arrisca gerar mais incentivo para a violência.

BBC Brasil: Em última instância, a repressão condicional que o senhor defende não envolve o Estado admitir que tem que permitir o tráfico em determinado grau? Não envolveria adotar uma estratégia mais permissiva?

BL: De alguma forma, mas a escolha não é exatamente entre repressão e permissividade. A questão maior é ser permissivo com os traficantes que não usam violência e reprimir os traficantes que, sim, usam a violência. É direcionar a repressão para os mais violentos. Isso para mim seria uma política mais adequada.

BBC Brasil: Quando o senhor apresentou o estudo no Iser (em seminário realizado na última quarta-feira), o senhor disse que ficou surpreso ao ouvir o secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, falar que as UPPs deixam os traficantes fugirem e que o tráfico vai continuar existindo. Que tipo de surpresa?

BL: É uma surpresa porque no passado tivemos outras tentativas no Rio de realizar policiamento comunitário e de estabelecer uma presença da polícia nas favelas. Falo do Mutirão da Paz, do GPAE (Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais, criado em 2000). A GPAE reduziu os homicídios no Morro do Cantagalo (favela na zona sul do Rio) a zero entre 2000 e 2001. Mas logo em seguida o projeto foi atacado politicamente, dizendo-se que fazia um pacto com o tráfico, que permitia aos traficantes operarem.

Sempre acontece isso. As pessoas perguntam: "Mas você vai deixar o traficante operar? Como? O Estado vai fazer vista grossa? É um traficante, isso é ilegal, tem que reprimir." Mas aí está a chave. Para esse tipo de política funcionar, você tem que permitir de alguma forma ao traficante não violento fazer o seu trabalho.

Quando vi Beltrame falando isso publicamente, defendendo essa política pública, achei surpreendente. Por que esse jogo político funcionou agora aqui no Rio e não funcionou no passado? Por que não funciona agora no México?

São vários motivos. Eu menciono dois específicos no caso do Rio de Janeiro. Primeiro, o apoio político pela coalizão. Você tem aqui um prefeito, um governador e um governo federal que estão juntos, então isso consolida uma base política de apoio, fica mais difícil daquela política ser atacada.

E outro fator importante é que você tem um cara como o Beltrame, que era de linha dura. Então você tem um efeito que em inglês a gente chama de "it takes a Nixon to go to China" (é preciso um Nixon para ir a China). O (ex-presidente americano Richard) Nixon era tão anticomunista que só ele podia ir à China e não ser acusado de ser comunista. Se você tem um cara como o Beltrame com essa imagem de que é um durão, talvez possa falar essas coisas.

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