Marco Antônio Carvalho
Cerca de 80% dos pedidos feitos para reforço da Força Nacional de Segurança nos Estados foram negados nos últimos dois anos pelo Ministério da Justiça. Ao todo, 21 unidades da federação receberam uma resposta de indeferimento, entre elas Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte, onde aconteceram massacres em cadeias que resultaram em mais de um centena de mortos no início deste ano. Foram 65 negativas em 82 pedidos.
As justificativas mais frequentes do Ministério da Justiça, ao menos a metade delas, são de pedidos feitos por autoridades incompetentes – já que apenas o governador pode solicitar o reforço, não podendo ser um secretário de Estado, por exemplo -, mas também incluem déficit de efetivo e necessidade de atendimento a outras regiões. Os dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. O Ministério da Justiça admitiu que o efetivo da tropa é limitado, mas disse sempre atender as urgências.
Especialistas ouvidos pelo Estado admitem que os pedidos podem ser usados como cartadas de políticos locais, que expõem o esforço em obter melhorias para a segurança mesmo sabendo que não são competentes para fazer o pedido. Simultaneamente, entretanto, os pesquisadores criticam a falta de critérios objetivos para envio das tropas e a existência de arranjos políticos para permanência prolongada dos agentes em determinadas localidades.
A polêmica em torno do envio da tropa surgiu em janeiro depois de o governo de Roraima ter exposto que havia feito o pedido para combater a crise na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista, mas ver a sua solicitação ser negada. A existência do pedido chegou a ser negada pelo então ministro Alexandre de Moraes, que, diante da apresentação do documento, teve de voltar atrás e dizer que o pedido não havia sido feito em conformidade com a atuação da tropa.
No ano passado, dez já haviam morrido no confronto entre facções na Monte Cristo; outros 33 morreriam em janeiro. Nesse intervalo, o ministério disse à Roraima que o Estado poderia ser “contemplado futuramente com o recrutamento de novos integrantes da Força Nacional” no âmbito do Plano Nacional de Segurança – ainda não há previsão específica para a chegada da tropa neste ano.
Em 2015, o mesmo Estado já tivera outra solicitação negada sob a alegação de que “o pedido não atendeu a forma episódica e planejada”. Nesse mesmo ano, enquanto o Rio Grande do Norte decretava calamidade em razão das rebeliões que destruíram as estruturas da Penitenciária de Alcaçuz – onde menos de dois anos depois, em janeiro de 2017, morreriam 26 – o Ministério disse que “o déficit de efetivo” impossibilitava o atendimento do pleito.
O fato de, desde então, os presos circularem livremente pelos pavilhões da cadeia foi apontado neste ano como um dos fatores que possibilitaram a ocorrência da disputa entre facções, o que resultou em um massacre e uma batalha campal de 14 dias no interior da unidade, na Grande Natal. A Força atenderia o Estado em outras ocasiões em 2015 e 2016.
Para o Amazonas, onde morreram 56 no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, foram três negativas nos últimos dois anos. O Estado havia pedido reforço para ações de preservação da ordem na região da tríplice fronteira com o Peru e Colômbia, visando a combater o tráfico e o contrabando. O Ministério disse que as tropas estavam com todo efetivo atuando nos Jogos Olímpicos. O Ministério Público Federal fez pedidos com características similares, mas recebeu a resposta de indeferimento já que não possuía competência para atuar dessa forma.
O tráfico de drogas praticado pela facção Família do Norte concentrado na região da tríplice fronteira é apontado como um dos fatores de fortalecimento da organização criminosa. Seus integrantes são apontados como os responsáveis pelas mortes nas unidades prisionais do Estado e e parte deles acabou sendo transferida para presídios federais.
Responsabilidade
“Tenho a impressão de que os Estados, que falham em investimento e elaboração de planos de segurança, quando se veem envoltos em emergências pedem ajuda federal como se lavassem as mãos, terceirizando a responsabilidade”, disse a professora da Universidade Católica de Brasília Marcelle Figueira. “E essa responsabilidade é aceita pelo governo federal quando é interessante para aparecer como salvador da pátria. Quando não é interessante, ele se retira”, completou.
A ex-diretora da Secretaria Nacional de Segurança, do Ministério da Justiça, Isabel Figueiredo destacou a necessidade de um planejamento mais objetivo e eficaz sobre a atuação das tropas nos Estados. “O problema em geral não é ir, mas sair. Há situações em que fica muito difícil tirá-la após uma operação que, em tese, seria pontual, seguindo o que determinavam as diretrizes na sua origem”, disse. “Mas quando ela vai para atuar em um problema cuja solução é sabidamente de longo prazo, ela não sai e acaba somada ao efetivo local. É só olhar o exemplo de Alagoas, que tem a tropa em caráter permanente desde 2010.”
Para ela, “o planejamento de ida tem de ser associado ao da volta”. “Às vezes não é nem uma decisão da própria Força, são instâncias políticas maiores. A tropa está demonstrando interesse em voltar porque o que tinha de ser resolvido já foi, mas, de um jeito ou de outro, há arranjos políticos, pressões, que fazem com que ela fique mais tempo do que o necessário”, disse. Isabel não detalhou em que ocasiões ocorreram essas pressões, nem de quem partiram.
Ela disse que, realmente, chegam pedidos feitos por autoridade que não teria competência para realizá-los. “São integrantes do Legislativo que faz esse tipo de coisa, mas mais pelo gesto político, para voltar ao município e dizer que pediu. Então, o ministério é obrigado a se manifestar”, disse.
Em 2015, por exemplo, o vereador Schumacher (PT), de Alvorada, na região metropolitana de Porto Alegre, encaminhou ao ministério pedido para a ajuda federal, do qual recebeu a resposta de que a solicitação não se encontrava amparada pelo “arcabouço jurídico vigente”. A prática se repetiria no mesmo ano e no seguinte com deputados federais e senadores, que tiveram a mesma resposta.
As negativas chegam a incluir pedidos de ministérios, como o do Desenvolvimento Agrário, que há dois anos pediu reforço para acompanhamento de funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Os servidores atuariam na revisão ocupacional de um território indígenas no interior do Pará. A pasta da Justiça disse que não poderia realizar o atendimento “em razão de ausência de informações cruciais, como: datas, períodos, ações a serem desenvolvidas, quantitativo de servidores que serão acompanhados, estrutura que será montada.”