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MARÉ – Gen Canhaci: tráfico continua, embora “acuado” e enfraquecido


Tiago Rogério
OESP


Com 140 mil moradores e localização estratégica, entre duas das principais vias expressas do Rio – Linha Vermelha e Avenida Brasil –, o Complexo da Maré, na zona norte, vive hoje seu pior momento desde a ocupação pelas Forças Armadas, em 5 de abril deste ano. Nos últimos dois meses, houve uma média de quatro tiroteios por dia entre traficantes e militares da Força de Pacificação.

Um dos confrontos resultou, em 28 do mês passado, na primeira morte de um militar em serviço desde o início da “pacificação” das favelas cariocas: o cabo Michel Mikami, de 21 anos, assassinado com um tiro na cabeça durante um patrulhamento. Em entrevista exclusiva ao Estado, o comandante da Força de Pacificação, General-de-brigada Ricardo Canhaci, de 52 anos, reconhece que o tráfico continua na Maré, embora “acuado” e enfraquecido financeiramente.

O aglomerado de 16 favelas vive um impasse. Sem efetivo suficiente na Polícia Militar, o governo do Rio já pediu três vezes o adiamento da transferência do controle do Exército para as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), principal programa estadual do setor de segurança. “Se vamos continuar aqui, decisão tomada a gente cumpre. Mas vamos ter confrontos diários”, previu o General Canhaci. Amanhã ele transfere o comando da Força para o General Richard Nunes – a cada dois meses, o efetivo de 3 mil militares e sua chefia são trocados na Maré.

Os projetos sociais estão chegando ao Complexo da Maré?

Não, e esse é um grande problema. A educação infantil aqui é muito boa. O problema é quando chega ao ensino médio, na adolescência. É preciso haver boas escolas técnicas, programas de primeiro emprego, um projeto específico para a Maré.

Não adianta pegar soluções-padrão, mesmo para questões de segurança. Não se pode trazer a fórmula aplicada no Complexo do Alemão para cá, porque o terreno é diferente. Lá, havia só uma facção criminosa (Comando Vermelho). Aqui são três (Comando Vermelho, Terceiro Comando Puro e uma milícia) e há uma quarta querendo entrar (Amigos dos Amigos -ADA).

O que de tráfico ainda existe hoje no Complexo da Maré?

O tráfico de consumo local. As facções estão financeiramente quebradas. Houve redução pela metade no valor pago aos seus integrantes. E está atrasado. Antes era semanal, agora leva duas, três semanas. Também tiramos a liberdade de ação deles.

Não existe espaço dentro da Maré onde o Estado brasileiro, representado aqui pelas Forças Armadas, não entre. Mesmo levando tiro. Eles estão acuados. Ainda transitam? Sim, não saíram daqui. Fizemos centenas de prisões de adultos e apreensões de adolescentes. Esses menores dizem estar acima da lei. Essa falsa proteção ao menor na verdade está deixando ele mais vulnerável ainda para ser recrutado pelo tráfico.

Qual é a principal dificuldade da Força de Pacificação?

Não temos poder para atuar como polícia judiciária, que é quem investiga e desarticula a facção criminosa. Só podemos prender em flagrante. As Polícias Federal e Civil têm vindo trabalhar conosco, mas, se formos continuar, temos de ter uma reestruturação jurídica e institucional desta missão. Temos de ter polícia judiciária presente aqui dentro, com promotor e juiz 24 horas por dia para conceder na hora mandado de busca e apreensão. Hoje, demora até 15 dias para conseguir um.

 

As Polícias Federal e Civil têm vindo trabalhar conosco, mas, se formos continuar, temos de ter uma reestruturação jurídica e institucional desta missão. Temos de ter polícia judiciária presente aqui dentro, com promotor e juiz 24 horas por dia para conceder na hora mandado de busca e apreensão. Hoje, demora até 15 dias para conseguir um.

Gen Bda Canhaci


O que significou para a tropa e para o senhor a morte do cabo Michel Mikami, no dia 28 do mês passado?

Não existe momento mais doloroso para um comandante do que perder um soldado. Eu não posso aceitar que sua morte seja tratada como mais um dado estatístico. É um militar das Forças Armadas, que foi morto em combate e tem de ser tratado como um herói. Alguns setores da sociedade estão vulgarizando a morte de agentes do Estado que estão arriscando a vida para combater o crime organizado.

E as investigações?

Já temos os nomes dos mandantes daquele momento e o nome do principal suspeito de ter efetuado o tiro. Todo nosso foco de investigação é para localizá-los. Haverá uma resposta dentro da lei.

Após a morte, como ficou a relação com a comunidade?

Muita gente achava que iríamos fazer algo fora da legalidade. Não trabalhamos assim. Eu disse à tropa: “Somos pessoas de bem. Estamos aqui para proteger a população”. Chegamos aos autores do crime sem molestar a população.

Por que tantos confrontos com traficantes?

As Forças Armadas não coabitam com o crime organizado. E, infelizmente, leva tempo para tirar algo que está tão enraizado. Mas quem anda fugindo pelo esgoto, vielas e becos são eles. Quando escondem a arma e estão sem drogas, estão com “roupa de cidadão”. Quantos eu já não cumprimentei?

O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), pediu novamente o adiamento da saída do Exército da Maré. Até quando é possível ficar?

A decisão cabe aos nossos superiores. Antes de entrarmos, a Maré era um dos principais pontos de distribuição de drogas e armas. Hoje, já não é mais, mas seu valor territorial persiste. Os líderes de fora deram ordem clara para as facções: resistam. Eles não vão sair daqui.

O que sobrou para eles?

Atirar. Se vamos continuar aqui, decisão tomada a gente cumpre. Mas vamos ter confrontos diários. E não é sempre que a boa técnica consegue escapar com segurança de um confronto desses. Fato é que uma hora a polícia tem de vir e fazer o trabalho dela.

Mas qual seria a solução?

Tem de haver esse reordenamento jurídico-institucional e também um esforço significativo para não deixar arma e droga entrar aqui. E essa não é minha atribuição. Não posso ir na Avenida Brasil, na (Rodovia) Presidente Dutra, no aeroporto, para impedir a entrada. Se isso não acontecer, vamos ficar aqui anos e anos e esse confronto sempre aumentará.

E a população terá de conviver com os tiroteios diários…

Mas vamos voltar ao que era antes de 5 de abril (dia da ocupação)? Hoje realmente a população sofre com confrontos diários, mas deixemos claro que quem os está provocando são as facções criminosas. Antes de entrarmos, a população também vivia confrontos diários entre as facções, o que diminuiu sensivelmente com a nossa presença.

Nota DefesaNet

Acompanhe na Cobertura Especial MOUT ampla cobertura sobre as Ações no Complexo da Maré

Maré – DefesaNet

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