André Luís Woloszyn,
Pós-Graduado em Ciências Penais (UFRGS) e em Criminologia,
Analista da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República –SAE (97/98),
diplomado pela Escola Superior de Guerra em Inteligência Estratégica.
Enquanto a sociedade brasileira, agredida diuturnamente com os crescentes índices de criminalidade e violência, espera do poder público, medidas efetivas para redução desta realidade, algumas decisões jurídicas, adotadas a partir de 2007, que deveriam proteger a coletividade, na defesa do bem comum, acabam por favorecer o crime organizado. O insólito é de que as próprias autoridades com dever de ofício para atuarem na busca de soluções estão contribuindo em muito para aprofundar a crise de segurança pública no Brasil.
Entre estas contribuições, a polêmica decisão do Supremo Tribunal Federal – STF materializada na Súmula Vinculante nº 11 (com força de Lei) que vem de encontro à história e se constitui aparentemente em uma ilegalidade pois o fato não se traduz em grave insegurança jurídica como prevê a Lei 11.417/06 que disciplina o assunto das súmulas. Outra foi materializada com a promulgação da Lei nº11.464/07 a qual modifica dispositivos da Lei nº 8.072/90 (dos Crimes Hediondos) sob o argumento de que deveria ser dada uma nova esperança aos réus que nela são enquadrados e julgados no sentido de proporcionar “maior oportunidade para sua ressocialização”. Daí resultou que as penas para crimes hediondos como o homicídio praticado por grupos de extermínio, latrocínio, extorsão mediante seqüestro e morte, estupro, corrupção, dentre outros, possam ser cumpridas inicialmente em regime fechado, permitindo também a progressão de regime (dispositivos vedados na lei 8.072/90), tornando o Brasil portador da legislação mais branda para estes tipos de ilícitos penais.
A própria edição da Súmula Vinculante a qual já nos referimos, que determina a justificação por escrito, pela autoridade policial, o uso de algemas, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal, nulidade da prisão ou até do ato processual. Isto, por si só, além de outras conseqüências, contribui para o enfraquecimento do poder e da autoridade policial, uma vez que lança dúvidas sobre o seu proceder pois vem a regular matéria que já está prevista nos artigos 284 e 292 do Código de Processo Penal e no artigo 234 do Código de Processo Penal Militar. Estes dispositivos permitem a utilização de algemas ou o emprego da força apenas nos casos de resistência a prisão, tentativa de fuga, ou perigo a integridade física própria ou de terceiros. Casos alheios a esta norma já são devidamente passíveis de responsabilidade penal tratados com rigor como o abuso de autoridade previsto na Lei Especial 4898.
De outra forma, quando o texto da Súmula se refere à “justificada a excepcionalidade por escrito” podemos vislumbrar como nossos legisladores estão longe do cotidiano das pessoas comuns, vítimas dos chamados crimes tradicionais como assaltos, roubo, lesões corporais e outros. Para as Polícias estaduais, que atendem estes ilícitos, excepcionalidade a ser justificada por escrito é a situação da não necessidade da utilização de algemas, pois invariavelmente os presos deste segmento da criminalidade, e que são 90% dos casos, praticam seus delitos na maioria das vezes sob a ação de substâncias psicotrópicas, são reincidentes, procurados pela Justiça, foragidos do sistema prisional, e não raro, possuidores de comportamento tido como de alto grau de brutalidade e violência.
Estes dois dispositivos legais, analisados em um contexto caótico que apresenta na atualidade; 550 mil mandados de prisão a serem cumpridos no país, aos 1,5 milhões de foragidos da Justiça, à falta de infra-estrutura, doutrina, treinamento e pessoal das polícias estaduais, ao caos no sistema penitenciário que torna impossível a ressocialização e à sobrecarga no sistema judiciário deve ocasionar um efeito contrário ao desejado, ou seja, o recrudescimento da violência e da criminalidade no Brasil.
Aliado a estes fatores, é observado o fortalecimento de organizações como o PCC, o Comando Vermelho e as Milícias, o primeiro, a maior organização criminosa da América Latina com mais de 20 mil integrantes . Praticaram, em agosto de 2006, ações terroristas em São Paulo com 1.029 atentados, 56 mortos e mais de 50 transportes coletivos incendiados, explosão de bombas em prédios públicos, dentre outras ações. O Comando Vermelho também se manifestou em dezembro de 2006, no Rio de Janeiro, com o mesmo modus operandi, a exemplo das ações do IRA e o ETA nas décadas de 70/80. Por este motivo, o habeas-corpus concedido pelo STF a integrantes do PCC/CV, os mesmos que planejaram em 2004, uma “tomada de assalto” a Penitenciária carioca de Franco da Rocha com o objetivo de libertar 1.279 detentos, se constitui em mais um fator de desmotivação às autoridades policiais, além de precedente jurídico para ações futuras destas organizações.
Neste cenário, de elevados riscos à sociedade brasileira que clama por segurança (recente pesquisa revelou que 89% dos brasileiros acreditam que a segurança é hoje, o principal problema do país, 81,5% dos entrevistados defendem a maioridade penal aos 16 anos e outros 49% são a favor da pena de morte) o crime organizado só tem a agradecer às autoridades, enquanto a crise se aprofunda e aguardamos o próximo ataque.