O ministro da Justiça, Torquato Jardim, afirmou nesta terça-feira (20) que a intervenção federal na área de segurança pública do Rio de Janeiro vai respeitar os direitos constitucionais. A declaração foi em meio a um debate sobre a possibilidade de uso de mandados de busca e apreensão coletivos durante a intervenção.
Também nesta terça, a ação conjunta de militares das Forças Armadas e policiais resultou na prisão de onze suspeitos.
Foi a maior operação conjunta entre militares e as polícias no estado do Rio desde o início da integração com as Forças Armadas em julho de 2017. Nesta terça-feira (20), os militares foram para as estradas. Montaram bases nas principais rodovias que fazem divisa com Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo, e nas vias de acesso ao Rio.
Revistaram quem passava. A ação para combater o roubo de cargas, contrabando e tráfico de drogas e armas reuniu três mil homens das Forças Armadas e contou com tropas de São Paulo e Minas Gerais.
As estradas não foram o único alvo. Ao mesmo tempo, 500 militares, em parceria com as polícias Civil e Militar, faziam operações em favelas da Zona Norte. Uma delas foi a favela Kelson’s, na Penha, vizinha a um centro de treinamento da Marinha.
A favela e a área militar são separadas apenas por um muro. Em janeiro, o Globocop flagrou um homem armado em uma barricada bem ao lado de uma das guaritas da área da Marinha. A operação desta terça contou com tanques e até um bote deu apoio à ação. Onze suspeitos foram presos.
A Secretaria de Segurança do Rio informou que as duas operações – nas favelas e nas estradas – têm a cooperação das Forças Armadas, no contexto do decreto presidencial de Garantia da Lei e da Ordem, a GLO, e foram planejadas antes da intervenção federal.
Enquanto as forças de segurança se dirigiam para as favelas da Zona Norte, a violência fazia mais uma vítima em Campo Grande, na Zona Oeste. “Tinha dois carros, faixa de oito caras, tudo armado, pistola. Todo mundo armado e começaram a fazer o arrastão”, contou uma vítima.
Um arrastão e um sargento do Exército assassinado. Bruno Cazuca tinha 35 anos e também era instrutor do curso de forças especiais. O dia ainda não tinha clareado quando as cenas de violência foram registradas pela câmera. O bandido disparou várias vezes contra o sargento. “Na abordagem, ele entrou em luta corporal com um dos elementos e depois começou a troca de tiros e ele caiu”, contou uma testemunha.
A farda do Exército ficou no banco do carro. A mulher do sargento espera um filho que não vai conhecer o pai.
Nesta terça-feira (20), os detalhes jurídicos da intervenção federal na segurança do Rio foram o tema de uma reunião entre o ministro da Justiça, a advogada-geral da União, Grace Mendonça, e representantes do Judiciário.
Uma medida que gerou polêmica também esteva na pauta da reunião: a expedição de mandados coletivos de busca e apreensão no Rio, que seriam cumpridos pelas polícias durantes as operações. Na segunda-feira (19), o ministro da Defesa, Raul Jungmann, disse que o governo federal iria pedir autorização à Justiça para esse tipo de mandato.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil reagiu. Em nota, repudiou os mandados coletivos. Disse que não são previstos em lei e que as ações não podem ser genéricas, caso contrário, há violação do lar e da intimidade.
No fim da reunião, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, afirmou que os direitos individuais devem ser respeitados conforme prevê a Constituição. Ele disse que os mandados não serão coletivos e sim mais abrangentes. Dependendo da operação, eles podem conter vários nomes e endereços dos alvos.
“O adjetivo coletivo é impróprio tecnicamente. Algumas operações pedem a citação de várias pessoas. Coletivo dá ideia de uma generalidade e o mandando de busca e apreensão não pode ser genérico. Isso a Constituição não permite”, disse o ministro.
“Portanto, esses mandados de busca e apreensão conterão um número maior ou menor de pessoas em razão do objetivo do inquérito que está se realizando. Esses mandados terão que contar nomes ou apelidos que essas pessoas tenham, terão que indicar os outros requisitos de lei, indicar o endereço provável, o endereço imaginado. Porque, nas zonas de mais conflitos, você não tem rua ou avenida, a urbanização é desorganizada. Na verdade, com muita frequência, o indivíduo foragido está aproximadamente em uma área, mas a droga, a arma, a munição está espalhada pela comunidade. Então, o mandando de busca e apreensão tem que ter as garantias constitucionais, sem dúvida alguma, mas tem que ter presente também essa realidade fática do mecanismo operacional do crime organizado”, completou o ministro.
A Advocacia Geral da União e a Procuradoria-Geral do estado do Rio vão atuar de forma integrada durante a intervenção federal. A AGU afirma que o objetivo é a garantia dos direitos dos cidadãos e o alinhamento para possíveis questionamentos na Justiça sobre ações da intervenção.
Em uma nota divulgada na noite desta terça-feira (20), o Comando Militar do Leste informou que está realizando reuniões para obter um diagnóstico da segurança pública no Rio. A nota afirma que o processo de intervenção federal está em fase inicial, que a equipe que vai trabalhar diretamente com o interventor está sendo formada e será anunciada nos próximos dias, e que as primeiras ações serão divulgadas oportunamente.
A nota do Comando Militar do Leste termina com uma mensagem do interventor, general Braga Netto, sobre a necessidade de participação da sociedade fluminense. O general destaca que todos terão alguma parcela de sacrifício e de colaboração, em nome da paz social e da sensação de segurança almejadas.
Abusos ficam em esfera federal ou militar, diz Moraes
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse ontem que eventuais crimes ou abusos cometidos por agentes do Estado no âmbito da intervenção federal na área de segurança do Rio poderão ser julgados pela justiça federal ou pela justiça militar, dependendo do caso.
Após participar de uma reunião no Ministério Público de São Paulo, Moraes afirmou ser importante ressaltar que o decreto que estabeleceu a intervenção não implica em alteração legislativa. "Só há mudança na competência. Ou seja: a competência que era do Estado [do RJ] passa para a União". Na sequência, detalhou seu ponto de vista. "Servidores públicos, todos do Rio, relacionados à segurança pública, enquanto houver intervenção, para todos os efeitos legais eles serão considerados servidores públicos federais. Porque estão sob a ordem federal. Então, dependendo do abuso, dependendo do crime, justiça federal ou justiça militar federal", afirmou.
"A intervenção não muda nenhuma lei, não muda nenhum direito fundamental, não opera nada. Só opera a competência. Agora ela é federal", concluiu.
Moraes não quis falar sobre a proposta de suspensão temporária da intervenção para votação de matéria que implique em mudança na Constituição. Ele disse que não falaria porque a questão deverá ser objeto de análise no STF. E lembrou que dois parlamentares já protocolaram questionamento sobre o tema no STF.
A Constituição proíbe emendas à Carta enquanto vigorar intervenção. A hipótese de suspensão temporária para votação da reforma da Previdência foi mencionada pelo presidente Michel Temer. Para alguns juristas, seria uma forma de burlar a Constituição.
Moraes também não quis falar sobre a possibilidade mandado coletivo de busca e apreensão, outro tema que poderá ser levado ao STF. A ideia foi defendida pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann. Nesse caso, a autorização para invasão de residências não especificaria um endereço exato, mas uma área inteira, como uma rua ou um bairro.
Provocado por repórteres, Moraes fez um comentário rápido sobre a criação de um ministério para a segurança: "Se o Poder Executivo entender nesse momento pela criação do ministério da Segurança, com todas as condições orçamentárias para poder coordenar e atuar de uma forma eficaz, então aí será uma boa criação".