Os custos gerados pela violência no Brasil são três vezes maiores do que o valor destinado a políticas de segurança pública e prevenção da criminalidade. Em 2013, homicídios, serviços de saúde de emergência e contratação de segurança privada, por exemplo, consumiram 193 bilhões de reais – cerca de 4% do PIB nacional, de acordo com a parcial do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgada nesta segunda-feira (10/11).
"O gasto público com segurança não é pequeno, mas é insuficiente. As despesas, que são os efeitos perversos da violência, são muito maiores", afirma Renato Sérgio de Lima, pesquisador da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entidade responsável pelo levantamento.
O valor gasto pela União, estados e municípios com segurança representou 1,26% do PIB no ano passado, de acordo com o anuário. O percentual é compatível com a média dos países europeus (1,3%), mas é mal aplicado.
"A grande tarefa é pensar sobre a eficiência das políticas. Estamos perdendo jovens para a criminalidade, e esse é um custo extremamente oneroso para o país", analisa o pesquisador.
Se somados os gastos com prisões e unidades de medidas socioeducativas, em 2013, a violência gerou ao Brasil um custo de 258 bilhões de reais ou 5,4% do PIB.
"Quando se aplica 5% do PIB para combater a violência, deixa-se de investir em saúde, educação e inclusão de jovens do mercado de trabalho", diz Lima. "Seria muito mais produtivo gastar com prevenção de forma mais integrada, gestão e novas práticas de combate ao crime e de garantia dos direitos da população."
Para Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, o erro da gestão dos gastos em segurança pública está no investimento num "modelo falido". "Além de não haver investimento na prevenção, o país gasta muito dinheiro com um modelo que há 30 anos se mostra equivocado", afirma.
A falência no modelo de segurança pública adotado no país se reflete num sentimento de impunidade. O Índice de Confiança na Justiça Brasileira, medido pela FGV e divulgado nesta segunda-feira, mostra que 81% da população acredita que é fácil desobedecer às leis brasileiras e que sempre é possível "dar um jeitinho". Além disso, 57% acham que há poucos motivos para seguir as leis.
Mortalidade policial
Em 2013, 2.212 pessoas foram mortas em confrontos com policiais, uma média de seis assassinatos por dia. Em cinco anos, a polícia brasileira matou mais pessoas do que a polícia dos Estados Unidos num período de 30 anos. Muitos policiais também foram mortos: 490 somente em 2013, uma média de 1,34 por dia.
Para Lima, os dados revelam um jogo de mata-mata. "A polícia mata e se deixa morrer. Não é uma questão de desvio individual, mas de uma prática da corporação que incentiva o policial na ponta a se colocar em risco e, ao mesmo tempo, colocar a população em risco."
Um consenso entre especialistas em segurança pública é que uma reforma na estrutura policial é urgente. A medida mais difundida é adotar o ciclo completo, em que os mesmos policiais atuam tanto no trabalho ostensivo quanto na investigação. Hoje, o policiamento ostensivo é atribuído à Polícia Militar, e o trabalho judiciário é de responsabilidade exclusiva da Polícia Civil.
"Depois de fazer o flagrante, os policiais militares têm de entregar o caso para uma 'polícia concorrente', que é vista com desconfiança", diz Manso. "A polícia ostensiva tem muitas informações de rua que ajudariam a incriminar chefes das hierarquias das quadrilhas criminosas. Ao sair da investigação, o sentimento de frustração é muito forte. É importante integrar as polícias, inclusive, para reduzir a violência policial."
Um dos resultados dessa frustração é a ação de grupos de extermínio, que não é traduzida nas estatísticas oficiais. "Existem cifras negras gigantes. Grupos de extermínio agem em paralelo, nas horas de folga, em diversos estados, muitas vezes, motivados por vingança pela morte de algum policial. É um problema de enorme gravidade, que os dados oficiais não conseguem captar", analisa Manso.
Aprisionamento em massa
Com 711.463 presos, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo. Cerca de 30% dos encarcerados são presos provisórios, ou seja, aqueles que ainda não foram julgados.
Segundo Manso, a lógica do aprisionamento em massa tem que ser interrompida. Grande parte dos presos no país são réus primários condenados por tráfico de drogas ou furto.
"As prisões se transformaram em escritórios do crime. O tiro está saindo pela culatra", avalia o pesquisador. "Se a gente continuar gastando com esse sistema que produz resultados tão prejudiciais, vamos continuar investindo em tornar as pessoas piores."
Para o especialista em segurança pública Laurindo Dias Minhoto, a legislação penal brasileira reflete anseios populistas. Pouca produção legislativa é feita com base em dados empíricos.
"Há um excessivo interesse eleitoral na forma como se faz política de segurança e combate ao crime no Brasil. Não faltam instrumentos legais, nem instituições, falta incorporar uma cultura e uma prática policial mais comunitária e democrática", pontua Minhoto.