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‘Hoje a UPP está nas mãos da sociedade’, diz Beltrame

Júlia Dias Carneiro

As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) foram criadas em sua gestão e viraram a principal bandeira internacional do governo do Rio perante a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. Mas o secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, afirma que a pacificação de favelas no Rio transcende tanto um projeto de governo quanto os megaeventos esportivos.

"Eu digo hoje que a UPP está nas mãos da sociedade. Dificilmente alguém vai chegar ali e conseguir parar com esse movimento", afirmou Betrame, em Doha, em entrevista à BBC Brasil.

Ele diz que a população do Rio "já assumiu a UPP" para si e rebate a crítica de que o programa seria voltado apenas para os megaeventos.

"As coisas são feitas para a sociedade. Não podemos fazer todo um trabalho desses, com uma proposta estruturante, para realizar o evento, tem que ser para atender a população."

Beltrame está na capital do Catar a convite da 2ª Conferência Internacional em Segurança no Esporte, organizada pelo ICSS, um centro internacional dedicado ao tema, baseado no país.

Nesta quinta-feira, segundo e último dia do evento, Beltrame falará sobre sua política de segurança pública em um painel sobre como maximizar os benefícios sociais gerados por megaeventos.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil – O senhor vai participar de um dos painéis sobre segurança no esporte aqui em Doha. O que o Rio tem a trazer para este evento?

José Mariano Beltrame – Os países e cidades que vão receber eventos da natureza de uma Copa do Mundo ou dos Jogos Olímpicos devem buscar exemplos e experiências fora, porque cada evento desses é diferente. Em 2007, já com os Jogos Pan-Americanos, utilizamos a notícia da vinda do evento para o Rio de Janeiro para iniciar essa mudança de paradigma que está sendo feita na segurança pública do Rio.

Passados cinco anos, temos resultados concretos na segurança pública. E acho que esses resultados e o fato de que vamos sediar os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo interessam Doha, que em 2022 terá a Copa e começa a buscar experiências em outros locais. A nossa vinda aqui é neste sentido. E obviamente nenhum país do mundo pode pensar em sediar um evento desses sem deixar um legado social. No nosso caso, o legado social é a consolidação de uma política de segurança pública.

BBC Brasil – As UPPs são comumente associadas aos megaeventos que o Brasil vai sediar até 2016, e isso acaba falando de dois temores que a sociedade tem em relação a esse projeto: o medo de as UPPs valerem apenas até 2016 e também de se limitarem ao território onde os jogos vão ocorrer.

Beltrame – Mas não há fundamento nisso, porque o projeto de UPP vê quarenta grandes complexos e no momento em que terminarmos esse projeto os níveis de criminalidade no Rio certamente estarão em outro patamar. Já estão hoje, com apenas 19 (UPPs instaladas).

Obviamente as coisas não são feitas para os eventos, são feitas para a sociedade. Não podemos fazer todo um trabalho desses, com uma proposta estruturante, para realizar o evento, tem que ser para atender a população.
 

Eu digo hoje que a UPP transcende, é muito maior do que evento e do que um projeto institucional. Eu digo hoje que a UPP está nas mãos da sociedade. Dificilmente alguém vai chegar ali e conseguir parar com esse movimento. Se quem pegar a secretaria for um político, ele não vai mexer (no projeto), porque vai perder o que tem de mais importante, que é voto. Se um técnico pegar, ele vai ter pesquisa quantitativa e qualitativa (com os resultados do programa).

Então acho que isso é algo que está nas mãos da sociedade. Dificilmente vai se mexer, porque a população já assumiu a UPP, já trouxe para si o programa.

BBC Brasil – E o temor de que a violência estaria aumentando em outras áreas do Estado por causa das UPPs? Com base nos dados de criminalidade, vocês tem observado que áreas como a zona oeste ou a Baixada Fluminense começam a sofrer com a migração de criminosos expulsos pelas UPPs?

Beltrame – Alguns aspectos têm que ser considerados. Não existe aquela migração de uma leva de criminosos para determinado lugar. Quem consegue migrar são lideranças, pessoas que têm moral no crime para serem recebidos em outro lugar. Mas todos os lugares onde há uma incidência criminal no Rio têm, em tese, um chefe, e essa pessoa não está disposta a repartir o seu negócio. Algumas lideranças são recebidas, mas o restante permanece naquele lugar (a favela onde foi instalada a UPP). Temos tido um universo de prisões muito grande, e quem sai fica vulnerável num outro lugar.

Há alguns casos de migração. Percebemos na Baixada Fluminense, por exemplo. Há alguns casos. Então atuamos pontualmente naquele lugar mais conflagrado. E a solução definitiva para isso é a chegada de uma política perene, que é a UPP, nessas áreas conflagradas.

BBC Brasil – Essa política perene envolve também melhorar a polícia e controlar a corrupção na corporação. A greve policial em Salvador e no Rio antes do carnaval chamou a atenção mais uma vez para os baixos salários da categoria. Como vai ser o salário da nova polícia que o senhor pretende formar com o tempo?

Beltrame – O salário é um problema sério. Temos o problema da corrupção, não tenha dúvida. A corrupção existe e não é só na polícia do Rio, ela existe em várias instituições e em vários poderes.

É óbvio que não vamos conseguir o melhor dos mundos sem o reconhecimento salarial. Mas tenho certeza que estamos demonstrando isso. Até 2014, os policiais vão ter um aumento maior do que 120%.

Isso é uma demonstração concreta de que nos preocupamos com isso. A questão é que a defasagem é histórica. Se em outras ocasiões esses caras tivessem tido aumentos um pouco substanciais, os índices (de aumento) sendo dados agora poderiam resolver essa questão.

BBC Brasil – O senhor vislumbra uma solução para esse problema?

Beltrame – Isso tem que ser feito, porque não há como você chegar a um patamar de qualidade com um baixo salário. Estamos construindo isso. Se em um próximo governo os mesmos mecanismos e índices com que estamos acenando continuarem, acho que a polícia vai para um patamar bom. É progressivo.

BBC Brasil – O senhor já afirmou que apostava em alocar jovens policiais para as UPPs como uma forma de evitar que a corrupção entrasse nessas unidades. O senhor acha que isso basta? O policial não pode se envolver com corrupção dentro da UPP, como já aconteceu?

Beltrame – Eu não afasto essa possibilidade. Mas como um administrador público deve pensar? "Então eu não vou fazer UPP porque ele (o policial) vai se corromper"? "Eu não vou fazer UPP porque ele vai virar miliciano"? Acho que temos o desafio de fazer.
 

O maior dos males é botar a cabeça embaixo da mesa e dizer que não é possível fazer porque vamos ter aquele problema. A sociedade nos cobra para darmos uma resposta. A resposta que (a UPP) vem dando está colocada. Há resultados importantes e animadores. Mas há problemas também.

BBC Brasil – A milícia é outro problema forte que se apresenta. Ela continua avançando como antes?

Beltrame – Sem dúvida (a milícia) é um foco que a gente tem. É um problema sério, acho que hoje talvez seja mais sério do que o próprio tráfico. Acho que a lógica da milícia é a mesma da UPP. É combater o território. Não basta você só ir lá e prender o miliciano.

O Estado e a iniciativa privada têm que chegar àquele bairro e colocar os serviços em condições e preços acessíveis para que a população não vá atrás de um miliciano que está fornecendo algo em troca. A lógica é a do território. Tanto tirar território do tráfico como tirar o território da milícia.

Mas o problema da milícia é que não existe um crime de milícia. Você tem que compor uma série de elementos para caracterizar a milícia. O que nós precisamos efetivamente para combater a milícia? É ter velocidade.

Por isso nossa luta na Comissão de Constituição e Justiça no Senado, para ver se criamos um tipo penal de milícia. Não que isso vá resolver, mas acho que vai objetivar o trabalho da polícia e isso nos vai dar a celeridade.

BBC Brasil – O que desacelera hoje o processo de caracterizar o crime de milícia?

Beltrame – Vou te dar um exemplo. Você tem que achar um policial que está em um determinado lugar, armado, vendendo segurança, e tem que caracterizar que ele está cobrando um pedágio para o cara instalar a TV a cabo, está cobrando um pedágio da empresa que distribui água, está cobrando o gás.

Não adianta ter só um elemento, tem que ter todos juntos para oferecer ao Ministério Público a possibilidade de uma denúncia sólida. E isso tem que ser muito bem feito, senão ali na frente… Semana passada nós já re-prendemos milicianos em Duque de Caxias.

A nossa luta é para que exista um tipo penal, ou seja, "milícia é fazer isso, isso e isso". Porque isso objetiva e nos dá celeridade para fazer esse trabalho.

BBC Brasil – Depois de mais de um ano da ocupação do Exército, o Complexo do Alemão começa a receber UPPs neste mês. Como vai ser este processo?

Beltrame – Dia 27 estamos entrando (com a UPP), vamos tomar duas áreas ali. Vamos terminar (o processo de instalação de UPPs, feito em quatro etapas) dia 27 de junho.

BBC Brasil – Os moradores das comunidades do complexo vêm reclamando da presença prolongada do Exército. O senhor acha que a entrada da UPP vai acabar com esta tensão?

Beltrame – Aquilo é uma cultura que está instalada ali. Naquele lugar já existem outras gerações de criminosos. Isso não é um processo fácil. Estamos ali contrariando interesses financeiros. E essas pessoas não estão dispostas a serem contrariadas. Nós temos que fazer. Não adianta ficar buscando solução mágica.

Temos que fazer aos poucos, e acho que na medida em que a polícia se apresenta ali com uma proposta de troca, uma proposta de continuidade, e não uma proposta de guerra, ela vai absorvendo e vai conquistando a população.

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