A possibilidade de que a greve de policiais militares da Bahia, que já dura dez dias, se alastre por outros Estados revela falhas graves na política nacional de segurança pública, segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil.
Nesta quinta-feira, policiais militares e bombeiros do Rio de Janeiro se reúnem para decidir se suspendem as atividades, ação que também será discutida nos próximos dias por policiais do Distrito Federal e do Espírito Santo. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, o governo federal também teme greves de agentes de segurança nos Estados do Pará, Paraná, Alagoas e Rio Grande do Sul.
Embora considerem os movimentos grevistas ilegais, especialistas consultados pela BBC Brasil afirmam que, em um nível mais aprofundado, eles evidenciam falhas estruturais na política nacional de segurança pública e cobram maior participação do governo federal na solução dos conflitos.
A greve na Bahia começou no último dia 31, quando cerca de 300 policiais invadiram a Assembleia Legislativa, em Salvador. Eles reivindicam aumento salarial e a incorporação de gratificações aos salários, além da anulação de mandados de prisão contra 12 grevistas.
Entre o início da greve e a tarde da última quarta-feira, foram registrados 135 homicídios na região metropolitana de Salvador.
'Ilegalidade'
Para o jurista Wálter Maierovitch, os policiais militares violaram a lei ao entrar em greve. "A Constituição é clara e proíbe greves para policiais militares e membros das Forças Armadas. Mas esses PMs não são educados para a legalidade democrática", diz.
Maierovitch afirma que os movimentos, deflagrados às vésperas do Carnaval, exercem uma "pressão oportunista". Segundo ele, caso de fato haja uma articulação para espalhar a greve por outros Estados, os policiais usarão método semelhante ao posto em prática em 2006 pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) no país. À época, o grupo baseado em São Paulo promoveu uma onda de ataques contra forças de segurança e rebeliões em presídios em vários Estados brasileiros.
Maierovitch também considera ilegal o papel desempenhado nos movimentos grevistas pelas associações de policiais militares. Segundo ele, ainda que policiais sejam proibidos de se sindicalizar, esses grupos têm atuado como sindicatos.
"Ninguém toma providências (quanto à atuação dessas associações) porque evidentemente todos sabem que o salário dos policiais é ridículo, e no mundo inteiro a segurança pública é uma das maiores preocupações dos eleitores", diz.
Para Maierovitch, "falta vontade política" para solucionar os problemas de segurança pública no Brasil. Ele cita como exemplo da postura a longa tramitação da emenda constitucional que estabeleceria um piso salarial nacional para bombeiros e PMs, conhecida PEC 300. Apresentada ao Congresso em 2008, a proposta passou por uma primeira votação na Câmara, mas não tem prazo para ser votada em segundo turno na mesma Casa nem para ser enviada ao Senado.
A aprovação da medida, diz Maierovitch, poria fim a uma das principais queixas da classe, que ele considera justa – a disparidade entre os salários recebidos por policiais militares de diferentes Estados. Enquanto em Brasília a categoria tem como piso R$ 4.000, o valor mais alto do país, na Bahia, por exemplo, o piso é de R$ 2.173,87.
Para superar o impasse, o jurista defende que o Congresso dê prioridade à discussão da PEC 300, marcando uma data para a próxima votação da proposta.
No entanto, ele afirma que a medida não eliminaria a necessidade de ações emergenciais para estabilizar a situação da segurança no Estado, como a intervenção do governo federal nas forças baianas.
'Intervenção'
Para José Vicente da Silva, coronel da reserva da PM de São Paulo e consultor da área de segurança, a alta nos índices de criminalidade na Bahia nos últimos anos mostra que há necessidade de uma "intervenção em profundidade" nas forças baianas.
Ele afirma que, se a greve não for encerrada nos próximos dias, haverá um impacto institucional muito grande para o Estado, com prolongada paralisação do Legislativo estadual e disseminação da insegurança. O cenário, diz ele, justificaria que as Forças Armadas assumissem temporariamente a Secretaria de Segurança Pública baiana, reestruturando-a.
"Uma administração mais competente (da secretaria) teria detectado sinais do tsunami que estava se formando e teria dado uma resposta."
Vicente não vê no movimento grevista, porém, uma grande capacidade de articulação.
Para ele, a insatisfação de policiais é maior em alguns Estados, como Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Nesses locais, afirma, três fatores tornam a situação especialmente crítica: os baixos salários comparados à média nacional, o tratamento diferenciado dado a oficiais de alto e baixo escalões e a aplicação de disciplina considerada excessiva pelos soldados.
"Houve uma ruptura entre oficiais e soldados, daí que surgem as lideranças espúrias desses movimentos", afirma.
O coronel afirma, porém, que o governo federal também é responsável pela crise, na medida em que no ano passado cortou grande parte dos investimentos em segurança pública para cumprir metas fiscais. Ele também critica a a presidente Dilma Rousseff por ter anistiado, em 2011, bombeiros e policiais punidos por participarem de greves por melhores salários no Rio.
"A anistia ficou como uma espécie de salvo-conduto para próximos movimentos. Criaram um ovo de serpente".
Ele defende que o governo endureça a negociação e mostre que, a partir de certo momento, sanções terão de ser aplicadas. “Se tiver de demitir 2 mil policiais, que sejam demitidos.”