Gerson Camarotti
O interventor federal da segurança pública no Rio de Janeiro, general Braga Netto, vai utilizar o acúmulo de dados de inteligência obtidos no período em que ele foi responsável pelo Comando Militar do Leste para fazer mudanças estratégicas nas políciais do estado.
Esse diagnóstico foi definido por ministros que participaram da decisão do presidente Michel Temer de fazer a intervenção no Rio. Avaliação feita no Palácio do Planalto é de que o grande problema no estado é que os comandos locais, tanto da Polícia Militar quanto da Polícia Civil, nas comunidades e nos bairros, tinha intervenção política.
Além disso, a constatação é de que uma parcela da polícia também tem influência de milícias e até mesmo do crime organizado. "Como o general Braga Netto atuou no ano passado em operações no Rio por causa das ações da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e em 2016 por causa da Olimpíada, ele acumulou muita informação sobre o funcionamento da segurança pública no Rio e sobre as polícias.
Em várias operações, inclusive, foi identificado o vazamento de informação. Será essa inteligência que será utilizada para fazer as mudanças nos comandos locais das polícias, desde as delegacias até postos em comunidades", disse um ministro ao blog.
Além da corrupção de policiais, um ministro apontou como grande problema na segurança pública do Rio a influência política nas nomeações de cargos, tanto na PM quanto na Civil. "Um vereador em determinada comunidade tem influência total na escolha de policiais que serão lotados nessa comunidade.
O governador Pezão não tinha autoridade para barrar essas indicações políticas. Em muitos casos, vereadores tinham relações com a milícia, em casos extremos até mesmo com a contravenção e o crime organizado", observou esse ministro ao blog.
Segurança dominará campanha¹
Com a intervenção federal no Rio de Janeiro, a segurança pública promete tornar-se o tema central da campanha eleitoral. No ano passado, subiu na lista de preocupações do brasileiro e superou o emprego como fator decisivo para o voto (embora ainda perca para saúde e educação).
Natural, portanto, que os políticos tentem aproveitar a oportunidade para atrair votos. O primeiro a percebê-la foi o deputado Jair Bolsonaro, conhecido pelo discurso linha-dura. Apesar de sua ligação histórica com a Polícia Militar, Bolsonaro não é dono exclusivo do tema.
A intervenção no Rio e a criação do ministério extraordinário da Segurança dão ao presidente Michel Temer um discurso pronto para tentar deter o avanço de Bolsonaro sobre o eleitorado indeciso de classe média. Discurso que poderá servir a ele ou a quem quer que seja escolhido como candidato governista.
O objetivo eleitoral de Temer se confunde, portanto, com o objetivo policial da intervenção. O Rio está longe de ser o estado mais violento do país. Assim que foi anunciada a intervenção, dois líderes da maior facção criminosa do país foram mortos não no Rio, mas no Ceará.
Pelos números do Fórum Brasileiro de Segurança Pública relativos a 2016, os atuais campeões em mortes violentas são Sergipe (64 por 100 mil habitantes), Rio Grande do Norte (57), Alagoas (56), Pará (51) e Amapá (50). Em 2016, a taxa no Rio foi 38, embora tenha chegado a 40 em 2017. Mesmo levando em conta a deterioração em quatro anos, o Rio não é o estado onde o indicador piorou mais.
A distinção cabe a Rio Grande do Sul (crescimento médio anual de 19,4%), Amapá (14,2%), Sergipe (13,8%), Pernambuco (12,3%) e Maranhão (8,7%). No Rio, a piora anual entre 2012 e 2016 foi de 4,8% – só em 2017, 6,3%. A violência no Rio chama a atenção não tanto pelos índices, mas por atingir um centro cultural e vitrine do país – e por representar o fracasso da política de segurança mais badalada na última década, as Unidades de Polícia Pacificadora implementadas no governo Sérgio Cabral.
O Rio é de longe o estado que mais gasta em segurança. Foram R$ 550 por habitante só em 2016, mais de 16% do Orçamento – ante 5,7% em São Paulo ou 2,9% em Brasília, onde os índices de violência são bem melhores. Isso não impediu que, em 2016, os furtos de rua crescessem 49% no Rio. Em 2017, os tiroteios aumentaram 117%, a maior parte em áreas de UPPs – e a sensação de insegurança paira no ar.
O pedido de intervenção feito pelo governador Luiz Fernando Pezão foi um lance de desespero de uma gestão cujas receitas caíram um quarto nos últimos três anos, diante de um déficit crescente, R$ 20 bilhões só no ano passado. Não há dinheiro, o crime avança – e o Carnaval pôs a crise diante das câmaras. Temer aproveitou a oportunidade. Senso de oportunidade é tudo em política.
A intervenção enfrentará duas dificuldades. A primeira é inerente a qualquer combate à violência, não apenas no Rio: os presídios controlados pelo narcotráfico, armas que circulam livremente pelas fronteiras, leis brandas que favorecem os criminosos e intimidam as forças da ordem, falta de recursos e pessoal, polícia corrupta e conivente com o crime – alguém ainda lembra o que disse ministro Torquato Jardim no ano passado sobre o Rio?
A segunda tem a ver com o próprio Exército, obrigado a exercer o trabalho da polícia, ainda que temporariamente. Ou haverá algum tipo de acomodação com o narcotráfico – e, nesse caso, a corrupção policial se estenderá às Forças Armadas –, ou então os morros se tornarão zonas de batalha contínua – e, como em toda guerra, a tragédia será contada pelo número de vítimas civis.
As cenas de combate, os tanques desfilando pelas ruas, os soldados empunhando armas diante do cenário idílico das praias cariocas são essenciais para o objetivo eleitoral. É muito provável que a criminalidade caia e que a sensação de segurança aumente.
Também é razoável esperar que alguma parcela do voto indefinido gravite para a candidatura governista – e até mesmo que a popularidade de Temer se recupere um pouco. A incógnita é o efeito disso tudo na urna – e na vida do fluminense, depois que a eleição passar, o Carnaval da intervenção acabar e uma nova Quarta-feira de Cinzas chegar.
¹Helio Gurovitz