Bruno Boghossian e Alana Rizzo
Michel Temer se aborreceu ao ver pela televisão as imagens que exibiam presos ocupando os telhados da penitenciária de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, com bandeiras e mensagens de facções criminosas na última segunda-feira (16). O agravamento do caos do sistema prisional, deflagrado em outubro passado, chegava a 15 dias. O saldo de mortes já ultrapassava 130, e a sequência de propostas espalhafatosas que seu governo havia apresentado para tentar resolver o problema não parecia surtir nenhum efeito.
As informações dos órgãos de inteligência do governo mostravam um cenário considerado ameaçador pelo Palácio do Planalto. Apontavam que a crise não só tinha potencial para se alastrar pelo país, como também para gerar um conflito nacional sem precedentes.
Relatórios apresentados a Temer, em especial do começo do ano para cá, mostravam que a cúpula do Primeiro Comando da Capital (PCC) havia montado uma estrutura tão abrangente, bem organizada e economicamente poderosa que dava os primeiros passos para se tornar uma força hegemônica no tráfico nacional de drogas. Esses documentos indicavam a preparação concreta de um movimento da facção para eliminar grupos adversários, matar seus líderes nas cadeias e nas ruas e conquistar seus territórios.
O alvo principal era o Comando Vermelho (CV), que foi aliado do PCC por duas décadas, até o rompimento no ano passado, possivelmente motivado pela disputa por rotas internacionais de tráfico de drogas. Segundo auxiliares de Temer, o governo trabalhava com a informação de que a matança nos presídios era o estopim de uma guerra generalizada.
Naquela noite de segunda-feira, Temer chamou ao Palácio da Alvorada os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil), Raul Jungmann (Defesa) e o general Sérgio Etchegoyen (Gabinete de Segurança Institucional), além do secretário Moreira Franco e do secretário executivo do Ministério da Justiça, José Levi Mello do Amaral. Ali, Temer e seus auxiliares decidiram que o governo precisava mudar o foco do debate. Seria imperativo, a partir daquele momento, deixar de tratar a crise apenas como um caos penitenciário e admitir que os conflitos entre facções criminosas armadas são um problema de segurança nacional.
Ao longo da crise, Temer passou a receber de Etchegoyen, diariamente, um briefing com relatórios de inteligência produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). O general havia determinado que o diretor da agência formasse uma equipe técnica para se debruçar especificamente sobre as movimentações de organizações criminosas como o PCC e o CV.
Pediu também que monitorasse a situação carcerária do país e as relações das facções nacionais com grupos de outros países. A atuação proeminente da inteligência conferiu ao GSI uma força que o órgão não tinha durante a gestão Dilma Rousseff. No mandato passado, a estrutura foi praticamente negligenciada. À medida que se aproximou de Etchegoyen, Temer aos poucos se afastou de Alexandre de Moraes, o ministro da Justiça que, em condições normais, deveria ter assumido o protagonismo.
Moraes vem acumulando micos e polêmicas ao longo de seus breves nove meses de atuação à frente da Pasta. No começo de janeiro, diante da rebelião que terminou em 33 mortos num presídio em Roraima, afirmou não ter recebido um pedido de ajuda para conter o massacre. A governadora do estado, Suely Campos (PP), desmentiu a fala do ministro e divulgou um documento assinado por ele em que o Ministério da Justiça negava reforço.
Dias depois, Moraes disse em entrevista que conversas entre advogados e seus clientes deveriam ser gravadas em presídios. A categoria reagiu à fala do ministro. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) condenaram a tentativa de violação aos direitos dos advogados e seus clientes.
Os relatórios encomendados por Etchegoyen revelaram ao governo a gravidade de um episódio que vai além da questão carcerária. Foi a partir desses dados que Temer, tardiamente, se convenceu de que a crise assumira um caráter nacional. E de que a administração federal precisaria oferecer uma medida de impacto imediato para estancar a matança nos presídios – depois de passar as primeiras semanas aparecendo apenas como um agente de apoio aos governos estaduais, responsáveis constitucionais pelos presídios.
Com seus auxiliares, Temer decidiu naquela reunião no Alvorada que as Forças Armadas seriam oferecidas para realizar vistorias nas penitenciárias em busca de armas e aparelhos celulares. Foi originalmente de Temer a ideia de reforçar essas ações, relembrando a experiência que teve ao assumir a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo na esteira do massacre do Carandiru. “Mandei reforçar as revistas e fazer vistorias regulares nas celas. Isso inibiu a violência e melhorou o ambiente”, disse o presidente no encontro com seus assessores.
O monitoramento da expansão e das atividades de grupos criminosos baseados no narcotráfico e na violência, apesar de vasto, é considerado frágil e desencontrado por representantes de diversos órgãos governamentais. Por isso, nunca ensejou uma ação articulada nacionalmente para combater essas facções.
Em 1999, um relatório confidencial de inteligência do governo Fernando Henrique Cardoso já relatava os primeiros sinais de atividade de “uma suposta facção paulista conhecida como Primeiro Comando da Capital”, associada a integrantes do Comando Vermelho. O documento, no entanto, considerava remota a possibilidade de associação criminosa entre as organizações e outros bandos que estavam sendo criados em presídios brasileiros.