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Gasoduto preocupa estrategistas militares

Gasoduto preocupa estrategistas militares
Os especialistas alertam que a extensa
obra é vulnerável a atentados

Humberto Trezzi
Zero Hora

A concretização do gasoduto Brasil-Bolívia está gerando uma preocupação nos meios militares: a de que o abastecimento de gás nas metrópoles brasileiras possa ser cortado por sabotagem.

O alerta, feito por estudiosos de assuntos estratégicos, foi enviado semana passada a líderes das Forças Armadas e a altos escalões governamentais do país.

Publicação a respeito dos riscos que pairam sobre o gasoduto figurou no Defesa@Net, um boletim eletrônico de circulação restrita na Internet. O gasoduto liga Yacuiba e Santa Cruz de La Sierra (Bolívia) a Canoas (Rio Grande do Sul), atravessando cinco Estados brasileiros.O trecho até São Paulo está pronto e já envia gás para uso industrial e doméstico.

Especializada em defesa, inteligência, estratégia militar e geopolítica, a Defesa@Net publicou artigo sobre a vulnerabilidade do gasoduto, escrito pelo professor Fernando Sampaio, diretor da Escola Superior de Geopolítica e Estratégia D.João VI, com sede na Capital. Sampaio diz que o abastecimento pode ser cortado de forma fácil e por grande período de tempo no Brasil. Para isso, basta uma sabotagem em locais pré-determinados de maneira aparentemente aleatória. O estudioso lembra que o movimento indígena da Bolívia já declarou ter interesse no controle do gás.

– A interrupção do abastecimento pode paralisar a maior parte da produção do parque industrial paulista – pondera Sampaio.

Ataques a oleodutos são rotineiros na Colômbia

O editor da Defesa@Net, o gaúcho Nelson Düring, diz que sabotagens são rotina na Colômbia. Entre janeiro e março de 1999, o Exército de Libertação Nacional (guerrilha) explodiu 23 vezes tubulações da Empresa Colombiana de Petróleos. Düring salienta que outros projetos brasileiros poderiam ser visados.

– A Petrobras está construindo uma plataforma marítima de US$ 2 bilhões. A perda por sabotagem seria irreparável – comenta.

Düring, Sampaio e outro estudioso de geopolítica, Luís Barnewitz, defendem nas Forças Armadas a necessidade de o Brasil traçar um novo planejamento militar, voltado para a defesa de objetivos estratégicos como o gasoduto e a plataforma petrolífera.

No caso do gasoduto, os especialistas defendem a formação de tropas de elite binacionais, treinadas para resgatar áreas tomadas por extremistas. Seriam três batalhões aerotransportados. A cooperação não é estranha ao Exército Brasileiro, que tem realizado no Rio Grande do Sul manobras conjuntas com Argentina e Uruguai, na Operação Cruzeiro do Sul. O uso de tropas binacionais em situações concretas, porém, nunca aconteceu.

Nem o Exército nem o Ministério da Defesa comentaram a vulnerabilidade do gasoduto. Fontes militares revelaram a Zero Hora que existe um plano de defesa de pontos estratégicos, mas não há efetivo para guarnecer, 24 horas por dia, todos os alvos em potencial. O serviço consiste mais em prevenir atentados – por meio de contra-espionagem – do que no uso de tropas.

Sistema tenta driblar sabotagem

A Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) estabeleceu um engenhoso sistema de válvulas para driblar sabotagens ou acidentes. Ao longo dos 2.593 quilômetros de dutos em território brasileiro, a TBG implantou a cada 30 quilômetros válvulas para bloquear automaticamente o transporte de gás. Elas podem isolar a área afetada por desastre ou explosão.

Os dutos contam com aparelhos de medição que fornecem informaçõessobre como o combustível está sendo transportado. Irregularidades são detectadas por uma central de supervisão e controle no Rio de Janeiro, na sede da TBG – estatal vinculada à Petrobras. Na central, engenheiros se revezam 24 horas por dia para controlar anormalidades.

Outros técnicos fazem inspeções regulares. Próximo a refinarias existem brigadas de incêndio. A empresa também estimula a comunidade a denunciar acidentes ou sabotagens. Isso pode ser feito gratuitamente pelo telefone 0800-260-400. A TBG mantém ainda contatos permanentes com as Forças Armadas, a Defesa Civil, o Corpo de Bombeiros e as polícias militares.

A TBG preferiu não especular diretamente a respeito da vulnerabilidade a sabotagens. O gerente de segurança e meio ambiente da empresa, Ascendino Melo Neto, porém, assegura que a interrupção temporária do fornecimento de gás vai alterar muito pouco a produção das indústrias.

O próprio duto funciona como armazenador de gás.

O GASODUTO

É composto de 3,1 mil quilômetros de tubulações enterradas a 1,5 metro da superfície. Traz gás natural, subterrâneo, da Bolívia ao Brasil. Quando pronto, passará por cinco Estados brasileiros: Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O gás já está chegando a São Paulo. No Rio Grande do Sul, falta estender a canalização para alguns municípios e até as empresas.
PARA QUE SERVE
O gás natural é um dos combustíveis menos poluentes do planeta. Ele é usado como fonte de energia na área industrial, no setor automotivo e até para consumo doméstico. O cálculo é que o uso de gás por parte das indústrias brasileiras evitará o corte de 4 mil hectares de árvores por ano
(o equivalente a 6 mil campos de futebol).
QUANTO CUSTARÁ
Serão investidos US$ 2 bilhões no projeto. Destes, US$ 1,6 bilhão por parte do governo brasileiro (Petrobras) e o restante pelo governo boliviano.
NO ESTADO
Extensão: 250 quilômetros
Por onde vai passar (RS): São José dos Ausentes, Cambará do Sul, São Francisco de Paula, Taquara, Igrejinha, Parobé, Nova Hartz, Araricá, Sapiranga, Novo Hamburgo, Gravataí, Cachoeirinha e Canoas.

ALVO POTENCIAL

Enquanto o gasoduto pode se transformar em alvo de atentados segundo especialistas militares, os sistemas de transmissão de luz e de telefonia no Brasil já foram danificados em atos de sabotagem:

21 e 22 de dezembro de 1997 – O Rio Grande do Sul vivenciou um blecaute causado por atentado. Quatro torres de transmissão de energia da Eletrosul (Centrais Elétricas do Sul) foram danificadas de forma quase simultânea. Elas estavam situadas nas proximidades de Passo Fundo. A Polícia Federal constatou que os isoladores (que impedem contato dos fios com a torre metálica de construção) foram rompidos a tiros, provocando curto-circuitos em seqüência e deixando 70% do Estado às escuras. Ninguém foi indiciado.
27 de julho de 1998 – Uma sabotagem nas estações de rádio da localidade de Borel e em Lages, ambos em Santa Catarina, deixou metade do Rio Grande do Sul sem comunicação telefônica com o resto do país. Das 6h30min até o meio dia, parte do Estado não pôde transmitir ou receber informações via telefone, o que afetou também transmissões de dados online e conexões com a Internet. As torres foram avariadas com o uso de explosivo. O acidente aconteceu dois dias
antes do leilão de privatização da Telebrás. Os autores não foram descobertos.
13 de setembro de 1998 – Duas torres de transmissão de dados da Furnas Centrais Elétricas, em Ivaiporã (PR), foram derrubadas. Foi um atentado, no qual os autores usaram bombas-relógio e 25 quilos de dinamite. A queda da torre causou a diminuição de 3% a 4% da energia transmitida.
18 de outubro de 1999 – A explosão de uma bomba na Central Formosa, em Santa Maria, afetou 18,4 mil telefones convencionais de Santa Maria, Caçapava do Sul, São Gabriel, Júlio de Castilhos e Sao Sepé. No prédio de dois andares, às margens da BR-392, os peritos verificaram que havia cheiro de gasolina e restos da bomba, instalada no armário onde funcionava o processador da central telefônica. O artefato foi confeccionado de pólvora com um sistema elétrico de bateria,
semelhante ao das motos. A explosão seguiu um processo cronometrado, que poderia durar de um minuto a três horas. Também foram encontrados no local fragmentos de fios. A Polícia Federal ainda investiga o caso.

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