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Forças Armadas não são polícia

 

Editorial OESP

04 Janeiro 2018

É para ser bem ouvido e merece meditação por todos os que têm responsabilidade cívica o alerta sobre o risco de banalização do emprego das Forças Armadas em operações de segurança pública, lançado por altas autoridades militares, a começar pelo comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas.

Medidas precisam ser tomadas o quanto antes para evitar o desgaste das Forças Armadas e o desvirtuamento de suas funções. E para reconduzir as polícias às suas funções originais.

Coincidindo com mais uma ação militar no Rio Grande do Norte, decidida pelo governo federal para ajudar esse Estado a enfrentar greve das Polícias Militar e Civil, o general Villas Bôas divulgou uma mensagem que toca nos pontos essenciais da questão: “Preocupa-me o constante emprego do Exército em ‘intervenções’ (GLO – Garantia da Lei e da Ordem) nos Estados.

Só no Rio Grande do Norte, as Forças Armadas já foram usadas três vezes, em 18 meses. A segurança pública precisa ser tratada pelos Estados com prioridade ‘zero’”.

O Rio Grande do Norte é apenas o exemplo mais recente. Reportagem de Marcelo Godoy publicada pelo Estado, feita com base em dados sobre 181 ações do Exército, da Marinha e da Aeronáutica nos últimos 25 anos, mostra que o emprego de forças militares para ajudar a manter a segurança pública triplicou na última década em comparação com a década de 1990.

Nesse período, militares estiveram em missões fora dos quartéis em média 293 dias por ano. E cada operação mobilizou em média 3.717 homens. Esses números bastam para dar uma ideia da situação preocupante a que se chegou.

Ela piorou não apenas em termos quantitativos. O perfil daquelas operações se amesquinhou. Passou da presença das Forças Armadas para garantir a segurança da ECO-92, conferência sobre meio ambiente patrocinada pelas Nações Unidas no Rio de Janeiro, em 1992, para a revista de presídios, na Operação Varredura, passando pela ocupação de morros cariocas dominados pelo narcotráfico.

A revista nas celas por militares simboliza bem a gravidade do problema. Ela demonstra a alarmante incapacidade dos governos estaduais de exercer funções comezinhas de controle dos presídios e, ao mesmo tempo, expõe situações desagradáveis e inconvenientes a que os militares podem ser submetidos.

É “ridículo” usar o Exército para tarefas como essa, além do que isso “humilha a instituição”, afirma com razão o ex-secretário Nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva. “Essa banalização da GLO” – da qual a Operação Varredura é o lado mais constrangedor – “não é boa para as Forças Armadas e não é boa para o País”, segundo o ministro da Defesa, Raul Jungmann.

Uma conclusão que vai ao encontro tanto do que diz o comandante do Exército como de estudos e documentos das Forças Armadas a respeito do problema.

Um exemplo desses estudos é A degradação dos sistemas de segurança pública e suas consequências para as Forças Armadas e a estabilidade democrática, do general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, comandante da 1.ª Brigada de Infantaria de Selva, no qual ele analisa as ações da GLO e chama a atenção para o fato de que elas apresentam “uma quantidade de possíveis reflexos negativos significativamente superiores aos reflexos positivos”.

A frequência dessas ações é perigosa e desaconselhável não apenas porque elas estão em desacordo com a vocação das Forças Armadas, cuja missão é a defesa da soberania nacional, como também por causa dos riscos a que os contatos com o crime organizado, especialmente o narcotráfico, expõem a tropa.

É também nociva por outro problema apontado por Jungmann: a tentação de governos estaduais de transferir o ônus da segurança pública, ao menos nos momentos de crise, para as Forças Armadas, o que é impraticável e inaceitável.

Já é mais do que tempo de limitar ao máximo esse tipo de emprego das Forças Armadas, afastando de vez a perigosa solução de facilidade de atribuir-lhes funções de polícia, que contrariam sua natureza e para as quais elas não estão preparadas.

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