Por Janaína Figueiredo
Antes de desembarcar em Havana para acertar pontos fundamentais nas negociações com as Farc, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, afirmou que a paz estava perto. As imagens do encontro entre o chefe de Estado e Rodrigo Londoño, conhecido como Timochenko, desencadearam uma enxurrada de declarações e comemorações por parte de governos estrangeiros e organismos internacionais como as Nações Unidas, apesar de o acordo ainda não estar selado e enfrentar resistências políticas e sociais em seu próprio país.
As primeiras críticas partiram de opositores esperados, como o ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010), mas incluíram, também, o Procurador Geral da República, Alejandro Ordóñez, e até mesmo o diretor para as Américas da Human Rights Watch (HRW), José Miguel Vivanco. Em todos os casos, foi questionada a ausência de sanções mais rígidas aos líderes guerrilheiros, que poderiam ser condenados a, no máximo, oito anos de prisão.
— O acordo permitirá que os responsáveis pelos maiores abusos possam ficar sem passar um único dia na prisão — disse Vivanco. — É difícil imaginar que esta fórmula de Justiça transicional supere um rigoroso escrutínio no Tribunal Constitucional colombiano e, em última instância, no Tribunal Penal Internacional (TPI).
Embora muitas vítimas das Farc respaldem a negociação e os termos do entendimento que está sendo fechado em Havana, o caminho para a paz ainda deve encontrar obstáculos nos próximos seis meses, prazo dado por Santos para fechar o acordo. Segundo pesquisa realizada antes da última reunião em Cuba pela empresa de consultoria Cifras e Conceitos, 81% dos colombianos defendem a prisão dos guerrilheiros que estão no comando das Farc e participaram de uma guerra que já dura mais de 50 anos, a mais longa da História da América Latina, e que deixou 220 mil mortos.
— Ainda existe resistência ao acordo e acho que ela continuará. As duas principais bandeiras deste setor são o questionamento à participação das Farc na política e à Justiça de reparação, que prevê poucos anos de prisão e muitos benefícios para quem confessar os crimes cometidos e ajudar na busca da verdade — explicou ao GLOBO a professora Patricia Muñoz, da Universidade Javeriana de Bogotá.
Para ela, “é fundamental que o governo seja transparente na divulgação de tudo o que for negociado com as Farc: isso dará tranquilidade à população".
— Há uma sensação de impunidade, e para derrubar essa sensação é fundamental explicar bem os termos do acordo — enfatizou Patricia.
A professora lembrou que a última palavra “ainda não foi dada”. Uma vez assinado, o entendimento entre o governo e as Farc deverá passar pelo Congresso e, também, por um referendo popular.
Uribe nunca escondeu sua posição em relação às negociações e, de fato, a transformou em eixo central da campanha presidencial de seu candidato, Oscar Iván Zuluaga, em 2014. Desde o início das conversas em Havana, em 2012, o ex-presidente fez o possível para boicotar uma das principais iniciativas de Santos (seu ex-ministro da Defesa). Em nota oficial, o partido Centro Democrático, comandado por Uribe, afirmou que “o fato de o guerrilheiro comum não ser levado à prisão é aceitável, mas dar esta indulgência ao chefe, responsável por atrocidades, é um mau exemplo e promove novas violências".
Na mesma linha, o Procurador-Geral da República defendeu a “proporcionalidade” entre “a gravidade do crime e as condições pessoais dos responsáveis”. Para Ordóñez, o texto negociado é ambíguo.
— Deve ser lembrado que a promotora do TPI insistiu em que a condenação por crimes de lesa-Humanidade, guerra e genocídio deve ser proporcional à gravidade dos crimes. A condenação não pode ser simbólica ou inexistente — assegurou o procurador, que pediu esclarecimentos: — Queremos saber se haverá impunidade ou justiça. O comunicado (oficial) não satisfaz as dúvidas que temos.
A possibilidade de aplicar sanções como a exigência de realizar trabalhos comunitários foi considerada por Ordóñez “uma ofensa às vítimas”.
Sem soltar fogos de artifício
Em sua principal batalha como presidente, Santos conta com o apoio de muitas vítimas, além de aliados políticos, dentro e fora do país. O entendimento com Timochenko foi celebrado por Vaticano, Casa Branca, a maioria dos governos do continente e organizações internacionais. Ele garantiu que “os crimes que mais dor provocaram não ficarão impunes".
— As próprias partes construíram um sistema para investigar e condenar os crimes mais representativos — apontou o chefe dos negociadores do governo, Humberto de la Calle Lombana.
Na visão de Pedro Medellín, professor da Universidade Nacional da Colômbia, “foram estabelecidas as regras do jogo, mas ainda faltam muitas definições”.
— Houve um avanço, mas não dá para soltar fogos de artifício. Acho que Uribe concentra boa parte do sentimento de pessoas que não estão satisfeitas com este processo — opinou.