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Fábio Pereira – O Ensino Policial Militar da Polícia Militar do Estado de SP

O ENSINO POLICIAL MILITAR

O PADRÃO DE EXCELÊNCIA NA FORMAÇÃO NA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO

                                                                              

FÁBIO COSTA PEREIRA

Procurador de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, atua no Tribunal de Justiça Militar do RS. É Presidente da Associação Brasileira de Estudos de Inteligência e Contrainteligência- ABEIC.

 

Recentes acontecimentos com desfechos trágicos e indesejados têm colocado a ação de instituições policiais como temas de grande interesse público e discussão acalorada, seja nos Estados Unidos da América, seja no Brasil. Como não poderia ser diferente, tais inconformidades suscitam naturalmente um debate acerca da formação e capacitação técnica dos profissionais de polícia, debate este que nem sempre ganha contornos de uma discussão fundamentada em informações sólidas, em face da premência e do clamor público que tem direcionado muitas discussões relativas à ação governamental mundo afora.

Diante de tais circunstâncias, este breve artigo tem a finalidade de expor ao público alguns elementos presentes na formação do policial militar, tomando como exemplo o padrão de ensino adotado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP), com o fulcro de colaborar para a qualidade do debate público que se instaurou nas últimas semanas na mídia sobre o papel, as formas de atuação e a formação das instituições policiais.

A PMESP investe continuamente nos profissionais incumbidos de entregar um dos bens públicos mais demandados pelo cidadão: Segurança Pública. O investimento institucional começa com o processo seletivo e estende-se por toda a vida do profissional, que deve frequentar continuamente os diversos estágios de aperfeiçoamento e cursos de especialização para progredir na carreira.

O Sistema de Gestão da PMESP estabelece três dimensões prioritárias para os parâmetros profissionais de qualificação (que remete à formação específica para o exercício da função, mediante o oferecimento de cursos de formação ou de especialização) e treinamento (que consiste nas ações voltadas ao refinamento e revitalização contínua dos conhecimentos e técnicas). São elas a dimensão técnico-policial, que prepara o policial militar para o exercício de atividades de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública; a dimensão institucional, voltada à capacitação do profissional para a obediência à lei, às instituições e para o compromisso com o cumprimento de suas missões constitucionais; e, finalmente, a dimensão ética e moral, que visa à internalização dos valores atinentes à ética profissional e valores indispensáveis para o desempenho de suas atividades perante a comunidade, tendo por base o respeito intransigente ao cidadão e a promoção dos direitos fundamentais do homem.

Esses princípios são a base sobre a qual o ensino na PMESP é concebido, algo comum a todos os diferentes percursos formativos que podem seguir os policiais militares. Abaixo oferecemos uma breve descrição dos cursos de formação mais relevantes, a fim de dar uma ideia da maneira como a progressão na carreira também se caracteriza como uma progressão de preparação técnica, mediante o refinamento e a aquisição de competências cognitivas, atitudinais e operativas.

Curso Superior de Soldados

Todo brasileiro com idade entre 17 e 30 anos que tiver interesse em ser Soldado da Polícia Militar deve participar do concorrido processo seletivo específico para o Curso Superior de Técnico de Polícia Ostensiva e Preservação da Ordem Pública, cuja primeira fase é composta por Exames de Conhecimentos realizados pela Fundação para o Vestibular da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (VUNESP).

Se aprovado nos Exames de Conhecimentos, o candidato será submetido à Segunda Fase do concurso, que é composta por Exames de Saúde, para apurar a higidez física e mental; Exames de Aptidão Física; Exames Psicológicos, que são constituídos por um rol de características psicológicas necessárias à adaptação e desempenho adequado do cargo, em conformidade com as normas do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e do Conselho Regional de Psicologia (CRP) e com as técnicas reconhecidas pela comunidade científica; e Investigação Social, para apurar a conduta social, reputação e idoneidade, do candidato.

Depois de vencidas todas as etapas do concurso público – e se estiver classificado de acordo com número de vagas disponíveis -, o candidato tomará posse do cargo público e iniciará o Curso Superior de Técnico de Polícia Ostensiva e Preservação da Ordem Pública, que é composto por mais de 2.602 horas-aula distribuídas em 2 semestres, que contemplam as “Áreas de Ensino” necessárias à adequada capacitação técnica do Soldado de Polícia Militar: Psicologia (16 h/a), Medicina Legal (16h/a), Direito Administrativo (24 h/a), Direito Civil (12 h/a), Direito Constitucional (24 h/a), Direitos Humanos e Ações Afirmativas (96 h/a), Direito Penal (192 h/a), Direito Processual Penal (60 h/a), Doutrina de Gerenciamento de Crises (32 h/a), Doutrina de Polícia Comunitária (16 h/a), Prevenção, Mediação e Resolução de Conflitos I (24 h/a), Procedimentos Operacionais Padrão (264 h/a), Resgate (112 h/a), Salvamento Aquático, Altura e Terrestre (320 h/a), Metodologia de Ens. de Tiro Def. na Preservação da Vida – Método Giraldi® (310 h/a), entre outras disciplinas essenciais à missão constitucional de exercer a polícia ostensiva e de preservação da ordem pública.

Após a formatura, o Soldado PM é classificado em uma das Unidades da PMESP para desenvolver as atividades de polícia ostensiva de preservação da ordem pública. Entretanto, o processo de aperfeiçoamento profissional não se encerra com o “término da academia”: para acompanhar a “fluidez” deste mundo moderno, o Soldado PM terá que assistir a “Vídeo Treinamentos” todos os meses; será frequentemente submetido às “Instruções Continuadas de Comando” durante as preleções realizadas pelos Sargentos e Tenentes; durante o serviço, será submetido a “Treinamentos Durante o Serviço”; ademais, anualmente deverá frequentar o Estágio de Aperfeiçoamento Profissional.

Além do “aperfeiçoamento obrigatório”, os Policiais Militares têm a oportunidade de frequentar cursos de áreas especializadas, tais como de Mediação de Conflitos, de Policiamento de Trânsito Urbano ou Rodoviário, de Policiamento de Choque, de Policiamento Ambiental, de Policiamento Aéreo, entre outros.

A progressão na hierarquia da carreira policial militar requer do profissional ainda mais esforço intelectual nos concursos internos para promoção a Cabo PM e a Sargento PM, graduações que tem como atribuição principal a supervisão do efetivo.

Para ser promovido a 3º Sargento PM, o policial militar deve ter sucesso no processo seletivo e voltar ao ambiente acadêmico para frequentar o curso Superior de Tecnólogo de Polícia Ostensiva e Preservação da Ordem Pública I (também conhecido como o Curso de Formação de Sargentos), que é composto por 1.617 horas-aula (h/a) distribuídas nas “Áreas de Ensino” Jurídicas (232 h/a), Administrativas (120 h/a), Humanas (48 h/a), Técnicas Policiais (216 h/a), entre outras disciplinas teóricas e práticas, destinadas à transmissão de conhecimentos cognitivos, à aquisição de habilidades e à mudança comportamental, promovendo a habilitação técnica, humana e conceitual para o exercício das funções inerentes ao primeiro nível de supervisão, que tem o dever funcional de manter-se atualizado para orientar as ações de sua equipe de trabalho.

E o processo não para por aí. Para prosseguir na carreira e ser promovido a 1º Sargento PM e posteriormente a Subtenente PM, o graduado deve frequentar o Curso Superior de Tecnólogo de Polícia Ostensiva e Preservação da Ordem Pública II, também conhecido como Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos (CFS), que é composto por 223 horas-aula (h/a) distribuídas nas “Áreas de Ensino” Jurídicas (65 h/a), Administrativas (90 h/a) e Profissionais (45 h/a), além das Avaliações práticas e teóricas (23 h/a).

Para ser 1º Sgt PM ou Subtenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e exercer as funções de supervisão são necessárias mais de 4.400 horas aulas!

 

Curso de Formação de Oficiais

Todos os policiais militares paulistas (independentemente de idade) e todo brasileiro com idade entre 17 e 30 anos que tiver interesse em ser Oficial da Polícia Militar deve participar do concorrido processo seletivo para o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública (conhecido como Curso de Formação de Oficiais).

A primeira fase do concurso é composta por Exames de Conhecimentos realizados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Se aprovado no Exame de Conhecimentos, o candidato será submetido à Segunda Fase do concurso: Exames de Saúde, para apurar a higidez física e mental; Exames de Aptidão Física; Exames Psicológicos, que são constituídos por um rol de características psicológicas necessárias à adaptação e desempenho adequado do cargo, em conformidade com as normas do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e do Conselho Regional de Psicologia (CRP) e com as técnicas reconhecidas pela comunidade científica; e Investigação Social, para apurar a conduta social, reputação e idoneidade, do candidato.

Depois de vencidas todas as etapas do concurso público – e se estiver classificado de acordo com número de vagas disponíveis -, o candidato tomará posse do cargo de Aluno Oficial e frequentará o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, que é composto por mais de 4.871 horas-aula distribuídas em 4 anos, de forma sequencial e consecutiva, que se destina a formar, com solidez teórica, o profissional ocupante do posto de 2º Ten PM (inicial de Oficial), tornando-o apto à gestão e comando de pessoas e análise e administração de processos, por intermédio da utilização ampla de conhecimentos na busca de soluções para os variados problemas pertinentes às atividades jurídicas e administrativas de preservação da ordem pública e de polícia ostensiva, em conformidade com a filosofia de polícia comunitária e direitos humanos, além de outras definidas em lei.

O Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública é estruturado em “Áreas de Ensino” Institucionais (856 h/a), Humanas (198 h/a), Administrativas (234 h/a), Jurídicas (1.368 h/a), Policiais (486 h/a), Técnicas Policiais (802 h/a), Exatas (36 h/a), entre outras, que contemplam matérias curriculares fundamentais como Ciência Política, Didática, Sociologia, Gestão de Finanças, Educação Física, Técnicas de Direção Policial Preventiva, Procedimentos Operacionais Padrão, Tiro Defensivo na Preservação da Vida – Método Giraldi, entre outras.

Após a conclusão dos 4 anos de curso, o Aspirante a Oficial PM (Bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública) é classificado em uma das Unidades da PMESP para desenvolver as atividades de nível gerencial. Entretanto, assim como os demais policiais militares, o processo de aperfeiçoamento profissional não se encerra com o “término da academia”: todos os meses terá que assistir a “Vídeo Treinamentos”, além da necessidade de estar atualizado para aplicar aos subordinados as “Instruções Continuadas de Comando” durante as preleções e para realizar “Treinamentos Durante o Serviço” ao efetivo subordinado. Ademais, deverá também frequentar o Estágio de Aperfeiçoamento Profissional anual.

Assim como qualquer policial militar, o Oficial PM pode frequentar os cursos de áreas especializadas, tais como de Mediação de Conflitos, de Policiamento de Trânsito Urbano ou Rodoviário, de Policiamento de Choque, de Policiamento Ambiental, de Policiamento Aéreo, entre outros.

 

Mestrado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública

O Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública é suficiente para a promoção do Aspirante PM à 2º Ten PM, à 1º Ten PM e à Capitão PM, sendo a última função de comandamento de subunidade (companhias). Todavia, para chegarem ao posto de Major PM, os Capitães devem participar do concurso interno para o Programa de Mestrado Profissional em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública (conhecido como Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais), que é composto por 616 horas-aula presenciais voltadas ao trabalho de conteúdos específicos de Metodologia da Pesquisa (14 h/a), Ética, Cidadania e Direitos Humanos (48 h/a), Atualização Jurídica (16 h/a), Tiro Defensivo na Preservação da Vida "Método Giraldi" (28 h/a), Exercícios de Planejamento de Polícia Ostensiva ou Exercícios de Planejamento de Respostas a Emergências (24 h/a), Administração de projetos (30 h/a), Educação Física e Saúde (30 h/a), Ciências Policiais (194 h/a), entre outras, além da necessidade de entrega de dissertação, que é avaliada por banca formalmente constituída para determinada linha de pesquisa.

Durante o curso, os Capitães PM têm a oportunidade de conhecer polícias de outras Unidades da Federação para fomentar as discussões em torno dos atuais desenhos institucionais, das práticas policiais e do Sistema de Justiça Criminal brasileiro.

Para ser major são necessárias 5.487 h/a!!!!!!!

 

Doutorado Profissional em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública

O Mestrado Profissional em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública é suficiente para a promoção do Capitão PM tanto a Major PM quanto a Tenente Coronel PM, ou seja, ao exercício de funções de comandamento de Unidade (Batalhões). Todavia, para chegarem ao último posto da carreira – de Coronel PM -, os Majores e Tenentes-Coronéis devem participar do concurso interno para o Programa de Doutorado Profissional em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública (conhecido como Curso Superior de Polícia), que é composto por 736 horas-aula presenciais, sendo 576 h/a no Centro de Altos Estudos de Segurança (CAES) e 160 h/a na Academia de Polícia "Dr. Coriolano Nogueira Cobra" (ACADEPOL), além da necessidade de entrega de tese, que é avaliada por banca formalmente constituída para determinada linha de pesquisa.

A linha de pesquisa de “Administração PM” é compostas pelas disciplinas de Direitos Humanos (50 h/a), Atualização Jurídica (40 h/a), Ciências Policiais (252 h/a), Administração Superior de Polícia Ostensiva (132 h/a), e a linha de pesquisa Segurança Pública é composta pela disciplina Polícia Integrada (160 h/a).

Durante o curso, os Oficiais PM e os Delegados de Polícia Civil têm a oportunidade de conhecer Polícias de outros países para fomentar as discussões em torno dos atuais desenhos institucionais, das práticas policiais e do Sistema de Justiça Criminal brasileiro.

Para ser Coronel PM são necessárias 6.223 h/a!!!!!!!

O desenvolvimento do ensino na PMESP

Importante também ressaltar que o ensino na Polícia Militar tem uma relação direta e intrínseca com as atividades a serem desenvolvidas pelo profissional formado. Por esse motivo, as temáticas que são alçadas à condição de suporte doutrinário da Instituição, quais sejam, Polícia Comunitária, Direitos Humanos e Gestão pela Qualidade, são tomadas no sistema de ensino como temas transversais, ou seja, são assuntos que permeiam todas as abordagens teóricas e práticas envolvidas no processo de formação e treinamento do profissional.

Toda essa articulação coerente e sistêmica não é efeito do acaso ou de arroubos de aventureiros. Ela decorre de uma lenta maturação, iniciada com a reorganização da Força Pública de São Paulo pela missão francesa, no início do século XX.  No que diz respeito à forma de organização da Academia de Polícia Militar do Barro Branco por exemplo, ela se inspira em muitos elementos das academias das Forças Armadas Brasileiras e em West Point; mas que daí não se conclua que os profissionais lá formados são “ preparados para guerra”, como alguns críticos empedernidos insistem em alegar.  Os respectivos conteúdos dos cursos  já citados são voltados para preparar bem o profissional em função daquilo que é a missão constitucional da Polícia Militar,  como os elementos supramencionados já indicam de forma inconteste.

Nesse diapasão, a coerência com que o ensino é abordado pela PMESP pode ser mensurada pelos recentes avanços conquistados pela Instituição perante os órgãos civis de regulação do ensino, em âmbito estadual e federal. Recentemente o Conselho Estadual de Educação de São Paulo considerou que o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública da PMESP equivale aos cursos de graduação oferecidos pelo sistema estadual de ensino; o mesmo órgão decidiu que o Curso de Formação de Soldados da Instituição equivale aos cursos superiores de Tecnologia em Segurança Pública oferecidos pelas instituições de ensino superior do sistema civil. A Academia de Polícia Militar do Barro Branco foi credenciada em 2017 como escola de governo também perante ao Conselho Estadual de Educação.  Em decisão recente, a partir de uma demanda da PMESP, o Conselho Nacional de Educação decidiu pela inclusão das Ciências Policiais no rol de ciências estudadas no Brasil, além de firmar posicionamento de incontestabilidade dos programas de mestrado e doutorado da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Outra iniciativa que merece destaque é o credenciamento do Centro de Altos Estudos de Segurança (CAES) da PMESP como instituição pública de pesquisa junto ao CNPq, assim como a criação dos grupos de pesquisa do CAES, dos quais podem participar quaisquer pessoas (policiais militares ou não) voltadas à produção acadêmica relativa à execução da polícia ostensiva e de preservação da ordem pública.

Todos esses elementos indicam a maturidade, a competência e o profissionalismo com os quais a PMESP encara o ensino profissional. Mas fica a pergunta: como explicar, então, os erros operacionais que têm ganhado espaço na mídia brasileira?

Uma coisa é certa: assim como o crime e os fenômenos sociais têm causas multifatoriais, o mesmo quadro pode ser verificado na tentativa de explicar ações policiais mal sucedidas, seja por mero erro procedimental, seja por descontrole emocional, seja por circunstâncias outras que podem compor o cenário de ocorrências muitíssimo complexas, seja até por violações deliberadas nos procedimentos operacionais preestabelecidos.  O que simplesmente não é possível, por se tratar, em última análise, de um argumento quiçá impreciso, é repetir o mantra de que policiais brasileiros são despreparados e de que a polícia precisa ser reformada, sem a verdadeira compreensão dos processos em curso para o aprimoramento dos profissionais de polícia.  Somente uma discussão técnica e fundada em parâmetros científicos pode constituir uma verdadeira contribuição a essa temática que impacta a vida de todos nós.

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