ANTÔNIO WERNECK
A nove meses do início dos Jogos Olímpicos, o maior evento esportivo do planeta, autoridades de segurança do Rio e do governo federal se debruçam numa investigação para saber onde foi parar cerca de uma tonelada de explosivos roubada em maio deste ano, em Deodoro, por traficantes do Complexo da Pedreira, em Costa Barros.
O material estava sendo transportado, sem escolta, de um canteiro de obras da prefeitura — as de ampliação do Elevado do Joá, na Barra da Tijuca — para o depósito da empresa Ouro Preto Explosivos Ltda, com sede no Espírito Santo
O roubo aconteceu por volta de 1h, na Avenida Brasil. Os motoristas Paulo Afonso de Castro Toledo e Lúcio Aurélio Teixeira Braga, dois ocupantes do caminhão placa MRN- 9342, da Ouro Preto, contaram que foram forçados a parar o veículo na altura de Deodoro, quando um bando atravessou um Voyage prata na pista. No automóvel, havia cinco homens armados com pistolas e fuzis.
Eles fizeram disparos para o alto e ameaçaram atirar para matar. Rendidas, as vítimas foram forçadas a seguir com os criminosos por mais de três quilômetros até o Complexo da Pedreira. Numa das favelas da área, a carga foi retirada do caminhão e os reféns, libertados.
Os explosivos roubados estavam separados em lotes com centenas de bananas de dinamite encartuchadas, cada uma delas medindo cerca de 50 centímetros. No caminhão, havia ainda material utilizado em detonações: vários rolos de cordel detonante (espécie de pavio), feito à base de nitropenta e plástico de polietileno, e muitas espoletas, usadas para acionar a dinamite. Segundo os motoristas da empresa contaram em depoimento, o último item estava sendo levado separadamente, dentro de uma caixa blindada.
O GLOBO descobriu o roubo em Deodoro e o envolvimento de traficantes no crime ao fazer o rastreamento de explosivos, do mesmo lote, apreendidos pela Polícia Militar, há três semanas, numa favela de Niterói. Usando informações do código de barra das embalagens e a data de fabricação, chegou- se à Ouro Preto, subsidiária de Órica do Brasil.
Os explosivos estavam num barraco da Favela Boa Vista, no bairro do Fonseca, próximo a um dos acessos à Ponte Rio-Niterói. Na comunidade, que não tem UPP, os traficantes são da mesma facção que domina o Complexo da Pedreira.
Os PMs responsáveis pela apreensão disseram que os explosivos estavam no chão de um dos cômodos. A maior parte tinha como data de fabricação abril deste ano.
Segundo os policiais ouvidos pelo jornal, no total foram recolhidos cerca de cem quilos de bananas de dinamite, além de grande quantidade de espoletas e fios condutores. Em fotos que foram feitas durante a operação, O GLOBO contou 197 bananas de dinamite. Policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) fizeram o transporte do material.
INVESTIGAÇÃO SOB SIGILO
Desde o roubo dos explosivos em maio, o crime vem sendo investigado de forma reservada pela Polícia Civil e por militares do Exército, através do Setor de Fiscalização de Produtos Controlados da 1 ª Região Militar, do Comando Militar do Leste (CML). Ontem, a Polícia Federal revelou que também investiga o caso. Agentes estiveram na última quarta-feira numa agência da Caixa Econômica Federal em São Francisco, Niterói, depois que criminosos destruíram caixas eletrônicos do banco, de madrugada, usando explosivos semelhantes aos que foram roubados. A Superintendência Regional da PF, na Praça Mauá, confirmou que há um trabalho em curso para saber se “há conexão entre o roubo, o aparecimento de explosivos numa favela da cidade e o ataque à Caixa Econômica”. Um dos veículos usados pelos criminosos foi localizado no bairro de Pé Pequeno, a quase 20 quilômetros da agência, e já foi periciado.
Antes do roubo, a dinamite percorreu um longo caminho até chegar à obra do Elevado do Joá (sob a responsabilidade da Odebrecht), onde dois túneis já foram escavados. Os explosivos foram fabricados pela Órica do Brasil, com sede no interior de São Paulo, e entregues à Ouro Preto, que fica em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo. Sem escolta, a carga foi mandada de caminhão para o canteiro de ampliação do elevado. Como nem todo o explosivo foi utilizado nas obras, parte dele estava sendo transportada de volta para o Espírito Santo quando ocorreu o ataque de criminosos.
O primeiro registro da ocorrência do roubo foi feito na 66ª DP (Piabetá), mas o caso acabou sendo levado para a Delegacia de Repressão aos Roubos de Cargas. Segundo investigações da Polícia Civil, o ataque ao veículo teria sido comandado pelo traficante Carlos José da Silva Fernandes, o Arafat, chefe dos pontos de drogas nas comunidades do Final Feliz, Eternit e Morro do Chaves, no Complexo da Pedreira. Arafat teve a prisão decretada pelo roubo.
— Identificamos Arafat como o traficante que chefiou o roubo. O inquérito foi relatado, e a Justiça decretou sua prisão — disse ontem um policial da delegacia, que preferiu não ser identificado. — É uma investigação sensível.
QUATRO ATAQUES A CAIXAS ELETRÔNICOS
Vinícius Domingues Cavalcante, um dos maiores especialistas em segurança de autoridades e em ações terroristas do país, disse ontem que é muito preocupante a presença de explosivos nas mãos de criminosos faltando menos de um ano para um dos maiores eventos esportivos do mundo. Segundo ele, no entanto, os bandidos precisarão da ajuda de um especialista para acionar a carga.
— Não é de uso simples. Exige um treinamento específico — disse Vinícius, diretor da Associação Brasileira de Profissionais de Segurança.
O especialista, que já participou de vários cursos ministrados pelo Ministério da Defesa e pela PF sobre uso de explosivos, explicou que o poder de destruição de uma banana de dinamite depende muito de como ela é utilizada.
— Se for acionada numa área descampada, pode ferir gravemente num raio de 15 metros. No confinamento, a detonação é amplificada, e o impacto é muito maior — disse.
Este ano, segundo informações de autoridades de segurança pública, quatro ataques a caixas eletrônicos foram registrados no estado. O Exército informou que, desde 2013, apreendeu no Rio 13,7 toneladas de explosivos em operações realizadas em conjunto com agentes de segurança das esferas estadual e federal.
O GLOBO procurou a Órica e a Ouro Preto, para que dessem detalhes do roubo e dissessem se tomariam medidas especiais no transporte desse tipo de carga. No entanto, não obteve retorno.
Exército não tinha norma exigindo escolta armada
Só três meses após roubo, comando responsável pela região do Rio e Espírito Santo passou a requerer segurança
O material roubado — cerca de uma tonelada de explosivos — circulou pelo Rio sem qualquer escolta. Primeiro, o carregamento de dinamite para a obra de perfuração do Túnel do Joá, cuja quantidade não foi especificada, veio do Espírito Santo para o Rio, sem aparato de segurança especial. Depois, nas mesmas condições, o caminhão partiu para fazer a devolução da sobra de dinamite. Ontem, procurado pelo GLOBO, o Exército admitiu que não havia norma que exigisse escolta para o transporte de explosivos no estado do Rio e no Espírito Santo. A medida só foi adotada três meses depois do roubo na Avenida Brasil.
Por meio de nota, o Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados da 1 ª Região Militar informou que, à época, não existia a obrigatoriedade de escolta. A falta de exigência, de acordo com a instituição, estava amparada pelo Plano de Segurança em vigor desde 10 de maio de 2012.
Segundo o Exército, “desde o dia 6 de agosto de 2015, está em vigor uma diretriz do Comando da 1 ª Região Militar (Nr 001/ 2015) que trata sobre a segurança no transporte de explosivo”. A nova norma exige escolta armada para transporte de explosivos e seus acessórios nos dois estados (Rio e Espírito Santo), área de abrangência do Comando Militar do Leste. O Exército informou ainda que, na época do roubo, foi instaurado um processo administrativo para apurar os fatos ocorridos e identificar possíveis responsáveis. O procedimento ainda está em curso.
O motorista do caminhão que teve a carga roubada contou, em depoimento na 66 ª DP ( Piabetá), que a Ouro Preto não tem depósito no Rio, e que, por isso, tinha que voltar para o Espírito Santo com os explosivos que sobraram.
O antropólogo Paulo Storani, ex-oficial do Bope, disse que o transporte de explosivos precisa ser feito sempre com segurança máxima:
— O transporte deve ser feito com toda a segurança possível, não só pela possibilidade