Tânia Monteiro E Felipe Frazão
Foram três minutos ininterruptos de tiros. De repente, Jair Bolsonaro aparece de colete vermelho, no Setor Militar Urbano e, protegido por uma pasta escudo, é retirado de dentro de um carro do comboio presidencial, que sofreu uma emboscada nesta quinta-feira, 26.
A cena até poderia ser real, mas o Bolsonaro dessa história não era o presidente e, sim, um dublê, que fazia o papel do ocupante do Palácio do Planalto.
O treinamento, com disparos de fuzil 5.56 e pistolas 9 mm, era uma exibição do poderio de fogo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), responsável pela proteção do presidente, do vice e de suas respectivas famílias.
Alvo constante de críticas do vereador licenciado Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, o ministro-chefe do GSI, Augusto Heleno – responsável pela proteção de todo o clã presidencial – fez questão de demonstrar que tudo está sob controle.
Convidados pelo general, jornalistas que cobrem o Palácio do Planalto presenciaram parte do treinamento dos agentes de segurança, da doutrina à simulação de emboscadas ao presidente.
O ponto alto foi o tiroteio, que também contou com granadas de fumaça roxa, vermelha e branca, em reação extrema a um ataque ao comboio presidencial.
Heleno disse que o segurança ideal é “uma mistura do Batman, Superman e Mandrake, um pouco de cada superherói”. Desde que Bolsonaro sofreu um atentado a faca, em setembro de 2018, o filho “zero dois”, Carlos, faz críticas a falhas na segurança do pai – à época da campanha eleitoral, a escolta do então candidato do PSL era feita pela Polícia Federal.
A pressão aumentou em junho, quando um militar da equipe de apoio à comitiva presidencial foi preso na Espanha, com 39 quilos de cocaína. O episódio ocorreu às vésperas do encontro do G-20, no Japão, e provocou constrangimento internacional. Logo depois, Carlos afirmou nas redes sociais que não anda com seguranças, “principalmente aqueles oferecidos pelo GSI”.
“Estão subordinados a algo que não acredito”, escreveu. Por um entendimento do GSI com o Congresso, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), outros dois filhos do presidente, andam com escolta permanente de policiais legislativos.
Heleno procurou minimizar a crítica à segurança presidencial: “Se existir, eu nem tomo conhecimento”. O GSI exibiu nesta quinta grande parte de seu poderio, mas não tudo. Lançadores de foguete, a popular “bazuca”, não foram mostrados, mas fazem parte do equipamento disponível para os agentes da segurança de Bolsonaro.
“Esse agente não é qualquer um. Ele é escolhido a dedo e treinado exaustivamente. Aqui, principalmente, não tem toma lá, dá cá”, disse Heleno, durante a visita ao Centro de Treinamentos no Setor Militar Urbano.
O general fez questão de destacar que não havia qualquer recado por trás daquela demonstração. “Faz parte do novo Brasil mostrar como está sendo aplicado o recurso público na segurança do presidente e dar um pouco mais de detalhes sobre o treinamento dos agentes para (as pessoas) sentirem que não é uma atividade amadora”, afirmou.
Na prática, o GSI passou por expansão recente: contratou simuladores de direção e prepara a compra de um novo sistema para interceptar drones de pequeno porte nas imediações dos palácios e residências oficiais, em Brasília.
O modelo do sonho deve ser capaz de forçar que os drones baixem, por meio de interferência no software controlador, ou mesmo lançar uma rede para derrubá-los.
A segurança de Bolsonaro, atualmente, é feita em três perímetros: afastado, aproximado e imediato. Todos são coordenados pelo GSI, mas os dois primeiros, em geral, são feitos por forças de segurança locais, em parceria com as Forças Armadas e polícias militares, civis, federal e rodoviária federal.
Na posse, por exemplo, a área de segurança afastada vinha desde Goiânia, para controle das estradas, e havia aviões da FAB prontos para decolar de Anápolis. O perímetro aproximado era o da Esplanada dos Ministérios.
E o imediato, dentro do Palácio. Esses raios podem variar. Os snipers que participam de grandes eventos, como o desfile de 7 de setembro, não são do GSI, mas do comando regional de área que, no caso de Brasília, é o Militar do Planalto.
'Ninguém está 100% seguro', diz ministro
Heleno mantém a mesma preocupação de seus antecessores no cargo em relação aos riscos do presidente. “Ninguém está 100% seguro”, comentou, ao observar que Bolsonaro continua a ser um “alvo compensador”.
A avaliação do general parte do pressuposto de que a morte do presidente mudaria o eixo de poder no País. Ele faz essa análise desde que Adélio Bispo deu uma facada em Bolsonaro, há um ano.
“Há muito tempo não tempo não temos um alvo tão compensador. A morte dele (Bolsonaro) muda a política do Brasil no minuto seguinte. Diferente do Mourão (Hamilton Mourão, vice-presidente), por exemplo. O Mourão é alvo compensador pelo fato de ser vice-presidente da República, mas a morte dele não muda a estrutura política do País. É muito menos traumático e significativo do ponto de vista político do que o presidente.
Completamente diferente do Lula. Ele era alvo, porque era presidente da República, mas não era altamente compensador, porque o Lula tinha uma estrutura partidária atrás dele, se morresse.”
Ao conversar com os jornalistas, o general disse que, por dois momentos, Bolsonaro esteve exposto a ameaças. No 7 de setembro, quando passou sob viadutos lotados de populares em Brasília, acenando com corpo para fora do carro, e durante uma viagem no interior de São Paulo, quando um batedor se acidentou e o presidente ficou parado fora do veículo, no acostamento da Rodovia Presidente Dutra.
O que mais preocupa Heleno são as atividades repetidas e previsíveis do presidente, principalmente as paradinhas na porta do Palácio da Alvorada. Um dos treinamentos pelos quais os agentes do GSI passam é justamente a simulação de um ataque vindo de um suposto admirador que se aproxima de Bolsonaro com a aparente intenção de tirar uma foto.
“Ele é um camarada impetuoso, desobediente, atirado, gosta de ir para a galera. Com ele a atividade é mais emocionante para o pessoal da segurança”, comentou Heleno, que também trabalhou na proteção dos ex-presidentes Fernando Collor, hoje senador, e Itamar Franco, morto em 2011.
Para o general, o setor tem de se adaptar ao estilo do chefe de Estado. “Lidar com um beijoqueiro, por exemplo, é bem mais fácil do que com um esfaqueador”. Durante os ensaios de tiro desta quinta-feira, Heleno deu a receita para um segurança que tiver de sacar a pistola 9 milímetros da cintura para defender o presidente: “Confiança no seu tiro, familiaridade com o armamento e um terço para rezar”.
Fotos: Marcelo Camargo/Agência Brasil