Cleide Carvalho
São Paulo, Propriá (SE)
A seca na Região Sudeste não esvazia apenas os reservatórios paulistas. Um levantamento feito pela Agência Nacional de Águas (ANA) a pedido do GLOBO mostra que seis das principais bacias hidrográficas brasileiras enfrentam problemas, ameaçando moradores de nove estados e do Distrito Federal. São cerca de 40 milhões de pessoas afetadas — o equivalente a 20% da população brasileira.
Nota DefesNet O Livro Branco da Defesa Nacional (2012) faz referências importantes às reservas de água doce: pág 15 CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL "É grande produtor de energia renovável e não renovável, de proteína animal e vegetal. Possui extensas reservas de água potável, enorme biodiversidade e vastos recursos minerais. As recentes descobertas do pré-sal levaram o País a um novo patamar de reservas e produção de petróleo e gás natural" pág 19 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL "A Amazônia representa um dos focos de maior interesse da defesa. A Pan-Amazônia, equivalente à totalidade da Amazônia na América do Sul, tem, em números aproximados, 40% da área continental sul-americana e detém 20% da disponibilidade mundial de água doce" Box – Aquíferos Guarani e Alter do Chão (Amazônico) O Aquífero Guarani está entre as maiores reservas subterrâneas de água doce do mundo e estende-se, em cerca de 70% de sua totalidade, pelo território brasileiro (840 mil km2). Com um reservatório de água subterrânea de capacidade estimada em 45 mil km3, representa uma fonte importante de abastecimento da população e de desenvolvimento de atividades econômicas. O Aquífero Alter do Chão, localizado sob a maior bacia hidrográfica do mundo (rio Amazonas), se estende sob solo brasileiro, com um volume potencial estimado em 86 mil km3. |
Os principais rios atingidos têm, em comum, a dependência das chuvas que caem em Minas Gerais, estado que é uma espécie de divisor das águas que correm pelo Brasil. Os rios São Francisco, Grande, Doce, Paraíba do Sul, Paraná e Jequitinhonha enfrentam problemas em maior ou menor grau. Em geral, chove cerca de 1.400 milímetros na Região Sudeste durante o ano hidrológico, que termina em setembro. Até agora, choveu metade disso. Segundo dados da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (NOAA, em inglês), as chuvas que caíram no Brasil foram 20% menores do que a média. No Sul de Minas e no Oeste paulista, choveu 60% menos.
— A seca fez com que São Paulo ficasse em uma situação semelhante à do Nordeste — resume o professor Augusto José Pereira Filho, do Departamento de Ciências Atmosféricas do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo. Se a seca transforma cenários em São Paulo, piora ainda mais a situação do Rio São Francisco, o principal do Nordeste. Com nascentes na Serra da Canastra, em Minas, o Velho Chico já não chega ao mar. A água salgada adentra 25 km de seu leito e, a 85 km de sua foz, entre Alagoas e Sergipe, já se pesca peixe do mar, algo comum apenas nas áreas mais próximas ao oceano.
— O rio está ficando fraco, e o mar, mais forte. Não sabemos até quando o rio vai aguentar — diz Maria Izaltina Silva Santos, líder da comunidade de Brejão dos Negros (SE), que vive da pesca e da cultura de arroz no Baixo São Francisco, último trecho do rio, após as barragens de hidrelétricas. No Rio Grande, a vazão de água em julho foi de 33 metros cúbicos por segundo, a pior em 84 anos.
No Paraíba do Sul, seu maior reservatório, o de Paraibuna, baixou a 12,23% de sua capacidade, levando à redução de 5 mil litros por segundo na vazão de água que chega à barragem de Santa Cecília, onde é feita a transposição para o Rio de Janeiro. O Rio Doce, que em dezembro transbordou e causou enchentes no Espírito Santo, baixou drasticamente nos últimos meses: em locais onde o nível de água ultrapassou nove metros, hoje ela não passa de dois metros. O Rio Paraná, por sua vez, baixou a ponto de interromper o transporte por hidrovia. Mas são as águas do Velho Chico que refletem conflitos comuns a vários setores no Brasil: uma mistura de política, grandes negócios e uma população ainda impotente diante de seu futuro. No Brejão dos Negros, a água salobra é realidade, mas até a altura de Penedo (AL), a 40 km da foz, a cunha salina se faz presente.
No assentamento Borda da Mata, 85 km rio adentro, já há siris. Os peixes de rio estão menores e mais raros. Boa parte desapareceu. Não há mais surubim, piaba ou mandim. Em trechos do rio onde a profundidade chegava a 15 metros, agora é possível cruzar a pé. Em 2006, um estudo da Universidade Federal de Alagoas detectou intrusão salina numa distância de 6 km da foz do São Francisco. Na época, a vazão média no Baixo São Francisco era de 2.041 metros cúbicos por segundo, quase o dobro da atual.
Este ano, com a seca, a vazão na barragem de Sobradinho foi reduzida, para 1.100 metros cúbicos por segundo, 15% menor do que a mínima estabelecida pelo Ibama, de 1.300 metros cúbicos por segundo. No projeto Jaíba, no norte de Minas Gerais, o maior projeto de irrigação do país, o clima é de intranquilidade.
— Quando a vazão foi reduzida no reservatório de Três Marias, a orientação foi não aumentar os plantios. A vazão do rio aqui está em 190 metros cúbicos por segundo, menos da metade do normal. Nunca aconteceu isso nesta área. É diferente e assustador — diz Marcos Medrado, gerente da etapa 1 do projeto Jaíba, que reúne cerca de 1.800 pequenos agricultores, responsáveis por cerca da metade da produção de sementes de hortifrútis do país.
— Temos uma seca de gestão. Há aumento desordenado de demandas hídricas, uma festa de outorgas. Temos uso excessivo, desperdício e até contaminação por agrotóxico. Falta cuidado da União e dos estados nas ações de recuperação hidroambiental — diz Luiz Alberto Rodrigues Dourado, do Comitê da Bacia do Rio São Francisco. O GLOBO procurou o Ministério do Meio Ambiente e a Agência Nacional de Águas (ANA) para discutir os problemas causados pela seca e a gestão de recursos hídricos no país, mas eles não concederam entrevistas.