Fernando Diniz
Pesquisador em Forças Especiais
e Armas Leves
In memorian
O uso de mísseis balísticos (TBM) em operações militares data da Segunda Guerra Mundial, onde a Alemanha com suas V-2 , embora de relativo poder de destruição, causou grandes preocupações estratégicas aos Aliados.
Durante a Operação Tempestade no Deserto em 1991, Saddan Hussein lançou TBMs contra uma grande variedade de alvos, especialmente contra Israel, numa tentativa de forçar um ataque israelense ao Iraque, o que levaria a uma imediata ruptura da Coalizão.
Inicialmente considerados como um fator militar insignificante, lançadores móveis de SCUD logo tornaram-se mais numerosos do que o esperado, e sua eliminação no topo das prioridades da Coalizão. Uma força conjunta de caça-bombardeiros convencionais e Forças de Operações Especiais ( SOF ) foram rapidamente reunidas para localizar e destruir a ameaça.
Os SCUD iraquianos pertenciam à série 8K14, conhecidos na OTAN como SCUD 1-B. São mísseis balísticos de um só estágio, curto alcance e propelidos por combustível líquido. Os primeiros lançadores móveis foram construídos sobre chassis do tanque russo IS-3. Quatro anos depois, os IS-3 foram substituídos pelos chassis 8 x 8 MAZ-543. A troca do transportador deu aos SCUD muito maior mobilidade e dispensou o uso de viaturas auxiliares de transporte de pessoal, já que a tripulação ia dentro do MAZ-543 . Ver descricão dos veículos (1)
Durante a década de 80 os engenheiros iraquianos modernizaram seus SCUD(2), aumentando-lhes o tamanho, ao agregar mais um segmento, e consequentemente aumentando-lhes o alcance, embora a carga útil tenha sido ligeiramente diminuída. Os resultados foram o Al-Hussein ( ! ) com 650km de alcance, e capaz de atingir Israel e a Síria, e em seguida o Al-Abbas, com 900km de alcance, capaz de cobrir todo o Estreito de Hormuz.
Ao atacar o Kuwait, Saddan dispunha de 50TELs ( Lançadores Móveis de SCUD ), além de 5 plataformas fixas, todas elas apontadas para Israel, e com cerca de 60 mísseis a disposição.
Em 17 de janeiro, sete SCUDs alcançaram TelAviv e Haifa, destruindo cerca de 150 prédios e ferindo 50 pessoas. O Primeiro Ministro Israelense, Yitzhak Shamir avisou
aos americanos, que Israel não toleraria outro ataque e estava pronto para retaliar. Imediatamente George Bush mandou duas baterias de mísseis antiaéreos Patriot para Israel e prometeu destruir todos os lançadores iraquianos.
Cinco dias depois, um SCUD atingiu os subúrbios de Telavive, matando 8 pessoas. Israel pediu as senhas de passagem para seus caças F-15 e F-16, que já esquentavam os motores nas pistas de decolagem, quando uma conversa telefônica, entre Bush e Shamir, conseguiu conter os israelenses.
No dia seguinte, a Inteligência israelense informou ao comando da Coalizão da localização de 4 plataformas fixas iraquianas. Imediatamente uma unidade SOF foi enviada para localizar e destruir as plataformas. Dois helicópteros MH-47 Chinook levaram a equipe, bem como um veículo Land-Rover modificado para operar no deserto do Iraque Ocidental. Uma hora depois, a equipe SOF localizou as plataformas, chamando uma esquadrilha de F-15 que bombardeou o local com bombas guiadas por laser. Um helicóptero MH60 Black Hawk filmou o ataque, e a fita foi enviada a Israel. Após ver a fita, o Primeiro Ministro de Israel ligou ao Pres. Bush para dizer que confiava na capacidade da Coalizão para localizar e destruir os SCUD. A crise havia sido postergada.
No dia 18 de janeiro, aviões A-10, F-15, F-16 e AC-130 Spectre foram designados especificamente para localizar e destruir todas as plataformas de lançamento de SCUD.
Embora as plataformas fixas fosem relativamente fáceis de localizar e destruir, o problema eram as TEL, que os iraquianos haviam aprendido a camuflar e esconder muito bem, aliadas às magníficas " iscas " feitas de borracha na Alemanha Oriental, que eram cópias perfeitas de lançadores móveis, o que custou centenas de toneladas de bombas para serem destruídas…( 2 )
Com a pressão israelense por resultados voltando rapidamente a subir, era chegada a hora de usar as SOF na busca por terra destas plataformas móveis.
Embora, o Comandante em Chefe da Coalizão, Gen. Norman " The Bear " Schwartzkopf não acreditasse na capacidade das SOF de resolver alguma coisa, pois havia visto durante seu período no Vietnam, inúmeras Unidades de Boinas Verdes serem socorridas pelo Exército para evitar que suas posições fossem tomadas, e também assistiu, durante a invasão de Granada, como uma Unidade SEAL da Marinha foi quase aniquilada em uma emboscada, por falta de um reconhecimento prévio efetivo do local de desembarque, uma ordem direta do Chefe Estado-Maior Americano, Gen. Colin Powell, para que desse prioridade ao uso das SOF na busca aos SCUD resolveu a questão.
Desde o início o Gen. Schwartzkopf tinha em seu Estado-Maior ao Gen. Sir Peter de la Billiére, ex- comandante do 22 SAS, mais conhecido e lendário grupo de forças especiais do ocidente, como comandante das Forças Britânicas no Golfo.
22 Regimento SAS
O 22 SAS foi a primeira unidade de SOF a operar diretamente contra a força móvel de SCUDS num esforço para direcionar os recursos da coalizão a busca dos Scuds, duas área de operação foram criadas: a primeira localiza ao sul da principal rodovia ligando Bagdá a Aman, Jordânia conhecida como Scud alley ( alameda ) foi entre ao segundo SAS enquanto a Segunda ao norte conhecida como SCUD Boulevard, foi entregue à JSOTF americana ( Força Delta ).
Em 10 de janeiro de 1991, o 22 Regimento SAS foi notificado que estivesse pronto para embarcar para a Arábia Saudita em 13 de janeiro. Os quatro Esquadrões que formam o Regimento : A, B, D e G foram levados para um hangar em Riyhad, que também alojava seu equipamento e veículos de transporte, bem como munição e rações.
Suas ordens eram não apenas para caçar e destruir lançadores e SCUDs, mas também para atacar " alvos de ocasião", embora houvesse necessidade de uma autorização prévia para tais ataques, pois a Coalizão não queria arrasar com o Iraque, mas apenas neutralizar sua capacidade militar.
Em 20 de janeiro de 1991, unidades SAS cruzaram a fronteira do Iraque pela primeira vez. Detalhes operacionais, como métodos de inserção, ficavam a critério do líder da unidade. Haviam três tipos básicos de inserção : a pé, por veículos terrestres ou por helicópteros.
Duas grandes unidades SAS entraram em território iraquiano : os Grupos B10 ( Bravo One Zero ) e B20 ( Bravo Two Zero ). Bravo One Zero, formado por 30 homens, usou seis Land Rovers, um caminhão Unimog como suporte e duas motocicletas. O armamento variava, mas era basicamente : fuzis M16, 5,56mm, com lançadores de granadas M203 acoplados, fuzis sniper Parker-Hale 7,62mm, granadas, pistolas 9mm e explosivos. Mísseis TOW e Milan, metralhadoras médias 7,62 mm GPMG, pesadas M2HB .50 e lançadores de granadas M-19 completavam o equipamento.
Para minimizar possíveis contatos com tropas iraquianas o deslocamento era feito a noite. Durante o dia, o grupo se enterrava e camuflava os veículos, aproveitando para dormir, observar e descansar.
Uma série de problemas inesperados surgiram logo de início. As noites eram tão frias que os homens, não tendo levado roupas adequadas, pois esperavam frio, mas não temperaturas tão baixas, começaram a ter problemas de aquecimento, três homens morreriam de frio…Um deles escondido de tropas iraquianas, outro atravessando a nado um rio gelado e o terceiro cruzando uma montanha a pé.
Após haverem atacado e destruído uma estação de radar que se acreditava direcionava SCUDs, e que abrigava uma guarnição de cerca de 50 homens, além de alvos de ocasião, o Grupo Bravo One Zero retornou seis semanas depois às linhas aliadas.
Bravo Dois Zero optou por entrar no Iraque a pé, com a missão de destruir uma linha subterrânea de comunicações, que ataques aéreos não tinham conseguido neutralizar.
Ao aproximarem-se de uma área habitada, o Grupo foi avistado por crianças que deram o alarme. Uma fuga a pé iniciou-se, com os iraquianos tentando cercar o SAS usando viaturas blindadas, e estes fugindo desesperadamente, mantendo seus perseguidores a uma respeitável distancia. Várias tentativas de resgate foram feitas, sem sucesso. Um membro do grupo conseguiu fugir a pé até a fronteira da Síria, onde foi ajudado por soldados sírios. Três morreram durante os combates, e quatro foram capturados, torturados e mantidos como prisioneiros até o fim do conflito.
For 1st Special Forces Operational Detachment Delta ( 1st SFOD-Delta ) é uma das duas unidades militares americanas dedicadas à luta antiterrorismo.
Dividida em quatro Grupos ( A, B, C e D ) de 75 homens cada, possui as mesmas habilidades e funções do SAS britânico. Recebeu a mesma missão que o SAS : localizar, informar e se possível destruir lançadores móveis de SCUDs.
Força Delta
Designada oficialmente 1st Special Forces Operational Detachment Delta ( 1st SFOD-Delta ) é uma das duas unidades militares americanas dedicadas à luta antiterrorismo.
Dividida em quatro Grupos ( A, B, C e D ) de 75 homens cada, possui as mesmas habilidades e funções do SAS britânico. Recebeu a mesma missão que o SAS : localizar, informar e se possível destruir lançadores móveis de SCUDs.
A Força Delta esteve presente desde o início da Operação Tempestade no Deserto, pois alguns de seus membros serviam como guarda pessoal do Gen. Schwartzkopf desde que este chegou à Arábia Saudita.
Suas patrulhas em busca de SCUDs tiveram os mesmos problemas do SAS, embora eles tivessem sempre o apoio aéreo imediato, que algumas vezes faltou aos britânicos. Localizaram vários TELs, forçando os iraquianos a deslocarem-se constantemente para evitar destruição.
Uma de suas patrulhas ( seis homens ) foi também localizada por crianças, meteu-se em um combate com cerca de 250 iraquianos, e após abater cerca de 150 inimigos, foi evacuada por helicópteros no último minuto antes do corpo a corpo derradeiro.
160th Special Operations Aviation Regiment – SOAR
Era o componente aéreo das SOF americanas. Forneceu suporte e apoio de fogo em operações da Força Delta e, em alguns casos, do SAS.
Formada por helicópteros leves de observação OH-6, utilitários tipo MH60 Black Hawks e pesados MH-47 Chinooks, apenas os melhores pilotos são recrutados. Seu treinamento inclui o uso dos mais modernos equipamentos de vôo cego e a baixíssima altitude sobre qualquer terreno. No Iraque acostumaram-se a voar a 30cm do chão, durante a noite, e a uma velocidade de 280 km/h !
Suas missões básicas eram infiltração e exfiltração de grupos SOF e busca e resgate de pilotos abatidos. Sofreram várias baixas durante a guerra. No dia 21 de fevereiro, quatro pilotos e três membros de uma unidade Delta morreram quando o MH-60 Black Hawk que tripulavam chocou-se com uma duna durante uma operação de infiltração com visibilidade zero.
Controladores Aéreos, treinados para estabelecer contato com patrulhas aéreas, postos de comunicações e de comando aliados eram sempre agregados às patrulhas Delta.
Aeronaves AC-130 Gunships também tiveram um papel relevante na Grande Caça aos SCUDs. Pelo menos um AC-130 foi abatido por um SAM 7 Grail.
Embora as operações das unidades Delta na guerra do Iraque ainda permaneçam " classified", existem relatos de ex-combatentes que ilustram razoavelmente os problemas que enfrentaram e os êxitos que obtiveram.
No dia 7 de fevereiro, uma patrulha Delta de 20 homens fugia de unidades blindadas iraquianas , quando o Controlador Aéreo que acompanhava o grupo conseguiu contatar uma dupla de F-15, que desceu como um relâmpago sobre os iraquianos, destruindo em segundos todo o grupo blindado, além de outros veículos nas redondezas, incluindo o TEL que havia sido reportado pela patrulha Delta atacada.
Regimento Especial de Botes – Special Boat Service Regiment
Menos conhecido do que o SAS, o SBS é outra força de elite a serviço do Reino Unido. Tiveram participação limitada na Guerra do Golfo, e sua missão mais importante foi a localização e destruição de um cabo subterrâneo de fibra ótica, usado pelos iraquianos para comunicação com todas as suas bases militares, e que não havia sido destruído por ataques aéreos.
O cabo corria a sudoeste de Baghdad, e uma equipe mista formada por vinte SBS, três Delta e um Controlador Aéreo foi infiltrada na noite de 23 de janeiro. O grupo localizou o cabo, secionou-o em diversas partes, e retirou-se em segurança para sua base em Al Jouf, levando um pedaço como troféu, que foi depois presenteado ao Gen. Schwartzkopf, como uma gentil reprimenda pelo pouco respeito, que este personagem tinha pela capacidade profissional das SOF.
Embora os Grupos SOF não fossem especificamente treinados para operações contra lançadores móveis de mísseis, e ainda que não tenham conseguido destruir todas as plataformas móveis TEL iraquianas, sem dúvida foi sua habilidade em localizar e identificar veículos e locais suspeitos, tornando-os alvos para ataques aéreos e forçando seu constante deslocamento, que não permitiu que Saddan seguisse com sua estratégia de atacar Israel, levando este país a retaliações que certamente teriam destruído a frágil Coalizão aliada. Se Saddan tivesse tido êxito, certamente teria vencido a guerra.
Abaixo alguns dados sobre a Grande Caça aos SCUDs.
18 Janeiro – 7 SCUDs em TelAviv e Haifa. Sete feridos
Um lançador TEL destruído por A-10.
19 Janeiro – 4 SCUDs cerca de TelAviv. Sem vítimas.
20 Janeiro – 2 SCUDs interceptados por mísseis Patriot.
21 Janeiro – 6 SCUDs interceptados por mísseis Patriot. Um impacto no mar.
22 Janeiro – 7 SCUDs atingem Israel. 96 feridos e 3 mortos. Outros 7 SCUDs
interceptados por Patriot.
23 Janeiro – 7 SCUDs lançados contra Israel. Todos interceptados por Patriot.
4 SCUDs localizados pela Força Delta. Destruídos por ataque aéreo
25 Janeiro – 8 SCUDs lançados contra Israel Arábia Saudita. Um morto e 96 feridos
israelenses. Os lançados contra a Arábia Saudita interceptados por Patriot.
26 Janeiro – 4 SCUDs lançados. Todos interceptados por Patriot.
28 Janeiro – 3 SCUDs e 4 veículos de apoio destruídos por F-15.
29 Janeiro – 2 TEL + SCUDs localizados pelo SAS. Destruídos por F-15
31 Janeiro – 2 SCUDs destruídos por F-15
02 Fevereiro – 1 SCUD localizado pela Força Delta. Destruído por MH-60
03 Fevereiro – 2 SCUDs localizados pelo SAS. Destruídos por F-15
05 Fevereiro – 2 Tels + SCUDs localizados pelo SAS. Destruídos por F-15
10 Fevereiro – 1 SCUD destruído no solo por F-15.
11 Fevereiro – 4 SCUDs destruídos por F-15 no Kuwait.
14 Fevereiro – 2 SCUDs destruídos por F-15
18 Fevereiro – 2 SCUDs localizados pelo SAS. Destruídos por F-16
19 Fevereiro – 1 TEL + SCUD localizado pelo SAS. Destruído por F-15
23 Fevereiro – 7 SCUDs destruídos no solo por F-15 e A-7
26 Fevereiro – 24 SCUDs destruídos no solo por A-10 e A-18
Os números acima mostram mais de 100 SCUDs destruídos, com relevante participação de unidades SOF.
Se todos estes SCUDs tivessem alcançado seus alvos, Israel seria hoje um país devastado, a Coalizão teria se esfacelado, uma nova guerra árabe-israelense teria irrompido, e Saddan Hussein teria triunfado. O fato dos Estados Unidos e Grã-Bretanha terem lançado suas melhores unidades na caça aos SCUDs demonstrou além de qualquer dúvida a importância dada por estes países à segurança da integridade de Israel e o cumprimento da garantia dada, de não seria necessária uma intervenção militar israelense contra o Iraque.
Fontes :
Twilight Warriors – História das SOF – Martins Arostegui
The Role and Effects of Special Operations Forces in Theater Ballistic
Missile Counterforce Operations during Operation Desert Storm – Thomas Hunter
Notas
1 – A modernização dos SCUDs, teria contado, com a participação de técnicos brasileiros, conforme relatos da imprensa da época. O aumento de peso do SCUD fez que a estrutura não suportasse a aceleração e o corpo do missil se desintegrasse, quando da reentrada na atmosfera. Assim os Patriot nunca conseguiram um impacto direto.
2- Os decoys usados pelos iraquianos refletiam os espectros, térmico , radárico e magnético. A mesma dificuldade as Forças Aéreas participando da Operação Força Aliada, em Kosovo, teriam nove anos após (1999).