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Braga Netto: objetivo das ações de intervenção é `trazer todo o Estado para dentro da comunidade´

O general Braga Netto, responsável pela intervenção da Segurança do Rio, afirmou que o objetivo das ações da Exército nas comunidades não é apenas garantir a segurança e combater criminosos, mas levar os serviços do estado para os moradores:

– Nós estamos na comunidade de Vila Kennedy, Vila Aliança e Coreia, exatamente trabalhando como a primeira ação de intervenção em que nós vamos trazer todo o estado para dentro da comunidade. E quando eu falo em estado, não é apenas a parte policial, mas o restante dos serviços que o estado e o município tem que prestar – afirmou em entrevista exclusiva ao telejornal RJTV, da TV Globo.

Ainda de acordo com o general, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio vão continuar funcionando, mas elas serão reestruturadas:

– O secretário de Segurança vai analisar o estudo que estava sendo feito na gestão Roberto Sá. As UPPs que não estiverem apresentando rendimento serão retiradas, outras serão fortalecidas. Mas vai depender do estudo que foi feito.

Ele voltou a afirmar que a intervenção é federal, e não militar, e que o papel das Forças Armadas é de colaborador.

– Ela não é militar, ela é federal. Se nomeou militar por uma decisão de Brasília, para fazer a intervenção cooperativa e gerencial, palavras do próprio presidente. A Segurança Pública do Rio nunca deixou de cumprir o papel que tinha que cumprir, mas ela estava com dificuldades. Nós viemos com a nossa expertise, nosso conhecimento e nosso efetivo e equipamento essa estrutura de Segurança Pública do Rio de Janeiro.

O general disse ainda que parte dos cerca de três mil policiais cedidos devem retormar suas funções, mas não especificou quantos. E afirmou que não há previsão de contratação de novos policiais. Até meados de abril, segundo ele, 200 novas viaturas de um total de mil previstas para o estado devem chegar ao Rio.

– Eu não posso gerar dívidas que o governador não possa pagar, porque quem paga o pessoal é o governo do estado.

BALACLAVA

O general falou ainda sobre o uso de balaclava por militares durante as ações em comunidades do Rio. Segundo ele, apenas aqueles que moram nas comunidades ou que estão atuando numa comunidade onde o comando do tráfico é inimigo da área onde ele mora usam o traje como forma de esconder sua identidade. Ele, no entanto, afirma que isso não impede que a população possa solicitar a identificação deles em caso de irregularidades.

– Eles são funcionários públicos. Em caso de qualquer irregularidade, nada impede que a população peça ao comandante da operação que o soldado seja identificado.

Durante uma operação na Favela Kelson`s, em fevereiro, soldados foram vistos usando balaclavas com desenhos de caveira, o que provocou polêmica. Na ocasião, o porta-voz do CML, coronel Roberto Itamar, afirmou que o traje é permitido, desde que sem desenhos. Além disso, os soldados que fossem flagrados usando a vestimenta com desenhos poderiam ser punidos pelo Código Penal Militar.

Obstáculos que vão e voltam nas favelas¹

A Vila Kennedy foi alvo da quarta operação das Força Armadas, sem efeitos imediatos. Em nenhuma das incursões houve apreensão de armas. Mesmo assim, especialistas apoiam a estratégia. O interventor, general Braga Netto, pedirá hoje ao juiz Marcelo Bretas que o dinheiro recuperado do esquema de corrupção de Sérgio Cabral seja destinado à segurança.

Na Cidade de Deus, garis da Comlurb colocaram de volta as barricadas do tráfico, após retirá-las para entrar na favela. No fim da noite de ontem, dois homens morreram e pelo menos um ficou ferido num tiroteio na Praça São Salvador, em Laranjeiras.

Com a quarta operação realizada pelas Forças Armadas, a Vila Kennedy se consolida como uma espécie de laboratório da intervenção federal na segurança pública do Rio, iniciada no último dia 16. Segundo o Comando Militar do Leste (CML), cerca de 900 soldados foram ontem à comunidade da Zona Oeste para retirar novamente barricadas montadas pelo tráfico nos acessos à favela. Em nenhuma dessas incursões houve apreensão de armas (na primeira, soldados recolheram 170 sacolés de cocaína e três embalagens com maconha). Mesmo assim, especialistas apoiam a estratégia, que, de acordo com oficiais, será adotada em outras regiões da cidade. Para eles, é necessário um "trabalho de formiguinha", baseado no reconhecimento do terreno, em ações de inteligência e na sensação de ordenamento urbano gerada pela presença da tropa.

Oficiais utilizaram drones para acompanhar a movimentação de soldados e fazer um mapeamento detalhado da favela. O porta-voz do CML, coronel Roberto Itamar, frisou que as operações na Vila Kennedy vão continuar. O general Walter Braga Netto, nomeado interventor federal, quer, com as incursões, preparar um modelo de atuação militar em áreas urbanas.

— O objetivo é levar não só a parte policial, mas o restante dos serviços que o estado e o município têm que prestar na Vila Kennedy. Vamos continuar fazendo essas ações até que seja restabelecida a capacidade da Polícia Militar de realizar o patrulhamento ostensivo no local. É importante mostrar para os moradores que o Estado manda ali — explicou Braga Netto durante uma entrevista concedida ontem à Rede Globo.

O desafio da intervenção federal é grande. Em redes sociais, traficantes da Vila Kennedy vêm publicando fotos de pistolas e fuzis, sinalizando que não pretendem abandonar tão cedo a comunidade. E, depois de cada operação, barricadas destruídas por militares são reerguidas. Apesar disso, Vinícius Cavalcante, diretor da Associação Brasileira de Profissionais de Segurança, disse que, mesmo sem apreensões de armas ou prisões, ações constantes do Exército numa mesma comunidade tem "um forte efeito psicológico":

— Se o Estado retira barricadas e o tráfico as recoloca, a mensagem é clara: o crime quer mostrar que quem manda ali é ele. Por isso, é importante continuar destruindo os obstáculos. Na verdade, isso sempre deveria ter sido feito pela polícia. Além de recolher informações de inteligência, esse tipo de operação proporciona uma boa sensação para os moradores e preocupa os bandidos, pois indica que a tropa não vai desistir da comunidade.

O general Marco Aurélio Costa Vieira, que foi diretor de operações dos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, também defendeu as ações militares na Vila Kennedy, e disse que vai demorar um pouco para que os resultados sejam percebidos pela população:

— Todas as providências tomadas até aqui são coerentes. Os militares querem atuar de uma maneira diferente do que já foi visto no Rio, priorizando a integração, o comando único. Nesse tipo de trabalho, não é de hoje para amanhã que vão aparecer os resultados, até porque, se isso acontecer, não terão durabilidade. As Forças Armadas querem fazer com que o Estado retome seu lugar na comunidade e que, ao final da intervenção federal, a população acredite mais no trabalho das polícias.

QUATRO BANDOS NA COMUNIDADE

Hoje, quatro grupos de criminosos atuam na Vila Kennedy, apesar de todos pertencerem a uma única facção (Comando Vermelho). Eles se dividem por localidades: Metral, Progresso, Rua Congo e Manilha. E, ao contrário do que acontece em outras favelas da região, onde chefes de bandos proíbem roubos nos arredores, os da comunidade incentivam a formação de "bondes", que atacam caminhões cheios de mercadorias e fazem arrastões.

A primeira ação das Forças Armadas na Vila Kennedy aconteceu justamente após a ação de um dos grupos de criminosos da comunidade, no último dia 20. Na ocasião, bandidos que saíram da favela assassinaram o sargento do Exército Bruno Cazuca em Campo Grande, durante uma tentativa de assalto.

O dia a dia dos moradores é marcado por regras impostas pelos traficantes. Desde o fim do ano passado, motoristas que trabalham com aplicativos de transporte são proibidos de entrar na Vila Kennedy.

 

¹com Rafael Soares e Fabiano Rocha

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