Vera Araujo
O trajeto ficou mais curto para armas vindas do Paraguai chegarem aos bandidos do Rio. Como uma espécie de prêmio por ter assassinado, no último dia 15, o narcotraficante brasileiro Jorge Rafaat Toumani, uma facção criminosa carioca agora poderá receber o material sem a intermediação de uma quadrilha de São Paulo. Na Secretaria de Segurança, há o temor de que isso facilite a entrada de mais armas nas áreas dominadas pelo tráfico.
A nova rota começa na cidade paraguaia Pedro Juan Caballero e passa apenas por Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, antes de chegar ao Rio. Para o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, uma das armas que podem chegar ao estado com mais facilidade agora é a metralhadora antiaérea, usada na execução de Rafaat, morto na fronteira do Brasil com o Paraguai.
São armas como a metralhadora calibre .50, que nós não temos circulando por aqui e poderão passar a ser vistas. Temos que impedir isso alertando que as fronteiras estão ainda mais vulneráveis. Senão, daqui a algum tempo poderemos ver cenas como as da execução desse bandido, morto num carro blindado perfurado por uma arma antiaérea — disse Beltrame.
Fuzis mais baratos
O crime selou a aliança entre bandidos cariocas e da organização criminosa paulista. As duas facções “herdaram” o espólio de Rafaat, que era conhecido como o Rei da Fronteira. Ele dominava parte da venda de cocaína para os Estados Unidos e para a Europa. Na Bolívia, o quilo da droga é comprado por US$ 2 mil. No Rio, é negociado com os “donos” dos morros por US$ 5 mil. Nos Estados Unidos, sai por US$ 25 mil.
Uma fonte que trabalha no setor de inteligência da fronteira acredita que, com esse lucro, a facção carioca terá capital extra para comprar armas e retomar favelas de grupos rivais.
— Com a morte de Rafaat, que não gostava da presença dos criminosos do Rio e de São Paulo na fronteira, por estimularem roubos de carro e assaltos a banco, o caminho fica livre para a ampliação dos negócios. Para se ter uma ideia, ele enviava, por mês, dois mil quilos de cocaína para os Estados Unidos — disse um policial.
A mesma fonte afirma que, antes da execução de Rafaat, era a organização paulista que trazia as armas e drogas, repassando-as aos bandidos do Rio. Agora, não há mais intermediários.
Tanto as armas como a cocaína saem da Bolívia em carretas que atravessam o Paraguai e cruzam a fronteira com o Brasil. Atualmente, um fuzil AK-47 custa R$ 30 mil quando chega ao tráfico no Rio. No fornecedor, o preço cai para entre R$ 15 mil e R$ 18 mil.
Rafaat dirigia uma SW4 blindada e tinha uma escolta de 16 seguranças. Mas não há blindagem que resista a um tiro da .50. Um outro veículo emparelhou com o do narcotraficante, e os disparos foram feitos, perfurando o para-brisa da SW4. A arma estava num tripé amarrado ao piso do carro por um cinto de paraquedista. Rafaat foi atingido por 16 tiros.
Segundo um agente que atua na fronteira, a arma usada na execução foi comprada na Argentina por US$ 80 mil e pertencia ao arsenal do brasileiro Jarvis Chimenes Pavão, que disputava território com Rafaat. A ideia de matar o rival teria sido planejada na penitenciária de Tacambu, em Assunção, onde Jarvis estava preso.
No fim de julho, a polícia paraguaia descobriu que ele vivia numa cela de luxo, com equipamentos eletrônicos e cozinha gourmet, e Jarvis foi transferido. Ele é tido como chefe do tráfico de drogas na região da tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina.
De acordo com o capitão Osmar Rodrigues Júnior, da assessoria de comunicação da 1ª Divisão de Exército do Rio, para usar essa metralhadora é preciso muito treinamento e experiência: — Não é qualquer militar que a manuseia. Ela tem um alcance de até sete quilômetros.
Insegurança na fronteira
Responsável pela condenação de Rafaat a 47 anos de prisão em 2014, o juiz federal Odilon de Oliveira, que atua em Campo Grande (MS), afirma que a morte do narcotraficante aumenta a insegurança na fronteira:
— Essas facções querem o monopólio da fronteira e, para isso, têm que exterminar os concorrentes. Pode ocorrer um novo conflito a qualquer momento. Por isso, é preciso despertar nas autoridades federais a necessidade de corrigir os rumos da política de segurança nacional de fronteira. A solução para frear a violência no Rio não está no combate nos morros, mas aqui.
O Ministério da Defesa informou que os militares apenas complementam as ações das polícias Federal e Rodoviária Federal, que fazem o controle dessas regiões. Segundo o Centro de Comunicação Social do Exército, o Brasil tem 16.800 quilômetros de fronteiras, cerca de 27% do seu território. Hoje, 35 mil militares atuam nessas áreas.
A Polícia Federal não se pronunciou sobre o assunto. O homem que atirou em Rafaat, Sérgio Lima dos Santos, de 34 anos, foi preso e está no Paraguai. Ele foi “gerente” do tráfico no Morro do Fogueteiro, em Santa Teresa, em 2009.
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