Luiz Carlos Azedo
Jornalista, colunista do Correio Braziliense
Desde sexta-feira, mais de 10 mil homens das forças federais reforçam a segurança no Rio de Janeiro, por decisão do presidente Michel Temer, que resolveu enfrentar o problema da violência e do crime organizado no estado. Em entrevista coletiva, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que o decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) permitirá a atuação das Forças Armadas (são 8,5 mil homens do Exército e Marinha, principalmente) com poder de polícia, em caráter permanente, até o fim de 2018 (renovado), com ações de inteligência, operações especiais e patrulhamento preventivo, para desmantelar o crime organizado e desalojá-lo dos territórios que hoje controla.
Há muitas questões envolvidas nessa intervenção que merecem reflexão, a começar pelo fato de que as Forças Armadas, desta vez, estão empregando plenamente o conceito de “guerra assimétrica”. Na doutrina militar, isso tem a ver com combate ao terrorismo. Mas faz sentido, se levarmos em conta que o tráfico de drogas no Rio de Janeiro reúne as condições ideais para atuar como uma espécie de guerrilha urbana: dispõe de uma topografia favorável, uma base social robusta e uma fonte permanente de financiamento.
A iniquidade social nos territórios ocupados pelo crime organizado facilita o recrutamento permanente de crianças e adolescentes, que logo se tornam soldados do tráfico. Além disso, a proximidade de um mercado consumidor com alto poder aquisitivo, principalmente na Zona Sul do Rio, faz da venda de drogas uma atividade econômica importante na economia informal; a recessão e a crise fiscal, porém, fizeram o movimento cair e a alternativa dos traficantes para financiar suas atividades são o roubo de carga e os arrastões em praias, túneis e avenidas da cidade.
Pura ironia da história. Onde fracassou Carlos Marighella, o líder da guerrilha urbana contra o regime militar, vence o traficante Fernandinho Beira-Mar. Com a diferença de que o primeiro foi assassinado pelos órgãos de segurança e o segundo está muito bem protegido de seus inimigos num presídio de segurança máxima. Depois do colapso das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), os morros do Rio de Janeiro voltaram ao controle dos traficantes. Quem mostra bem a realidade do tráfico nas favelas cariocas é jornalista Caco Barcelos, num livro intitulado Abusado, o dono do Morro Dona Marta.
Malandragem
Os cariocas sempre glamourizaram a malandragem e prezam uma cultura de transgressão, o que naturalmente também tem suas consequências. Uma delas é a dificuldade para estabelecer uma justa relação entre a questão da segurança pública e a defesa dos direitos humanos. A esquerda carioca, por exemplo, odeia as forças de segurança pública.
As origens da Polícia Militar do Rio de Janeiro estão bem descritas num clássico do romantismo, Memórias de Um Sargento de Milícias, de Manoel Antônio de Almeida. Escrito em meados do século 19, a trama do livro ocorre no tempo de Dom João VI. Leonardo, o protagonista principal, é um jovem irrequieto e transgressor, que se envolve com a mulata Vidinha e passa a sofrer as perseguições do major Vidigal, um caçador de malandros e vagabundos (àquela época só havia traficantes de escravos).
Para não ser preso, é forçado a se alistar. Mas continua arruaçeiro e desobedece seguidamente ao major. Por isso, acaba preso. Entretanto, consegue a liberdade graças à ação de uma ex-namorada de Vidigal, Maria Regalada, que lhe promete, em troca, a retomada do antigo afeto. Leonardo não só é solto, como é promovido. Com a ajuda do Major, se torna sargento de milícias. Os arquétipos de Leonardo e Vidigal estão vivíssimos na tropa e na oficialidade da PM fluminense.
O problema é que, agora, depois do fracasso das UPPs, o pacto perverso entre a banda podre da polícia e os traficantes se rompeu. Em consequência, policiais militares estão sendo mortos com muita frequência pelos traficantes, que resolveram escorraçá-los de seus territórios.
A crise financeira do estado e a desmoralizaçao completa da elite política local levaram a segurança pública ao colapso. A alternativa encontrada para restabelecer a ordem, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, foi a intervenção das Forças Armadas.
Nessa intervenção, porém, além das inúmeras questões aqui suscitadas, existe um ingrediente político importante. A ação é vista no Palácio do Planalto como uma grande jogada de marketing político, na qual o presidente Temer acredita que pode melhorar a sua popularidade, ao empunhar as bandeiras da ordem e do combate ao crime organizado.
A população aplaude a iniciativa e espera que dê os resultados almejados. De fato, não deixa de ser uma oportunidade para reposicionar sua imagem, em meio ao desgate provocado pelas denúncias da Operação Lava-Jato e às vésperas da votação do pedido de admissibilidade da denúncia contra o presidente da República pela Câmara.
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