Luis Kawaguti
Sem chegar a um consenso, autoridades estaduais e federais estão buscando formas para punir os manifestantes que protagonizam cenas de violência em protestos pelo país. Enquanto o governo de São Paulo defende um endurecimento das leis, juristas ouvidos pela BBC Brasil dizem que o código penal é suficiente para coibir abusos.
Na semana passada, o governo da presidente Dilma Rousseff anunciou um esforço conjunto para unificar a forma de punir, nas esferas estadual e federal e nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, os manifestantes que cometem crimes durante protestos.
Entre os principais temas em debate está a possibilidade de adotar uma fórmula comum, com embasamento jurídico similar, para que os órgãos policiais e da Justiça nos Estados indiciem e processem suspeitos de depredações e atos de violência em manifestações.
Após ter um coronel da Polícia Militar espancado por manifestantes no fim de outubro, o governo paulista vem sugerindo ainda mais: o aumento das penas para quem danifica o patrimônio público ou agride policiais no exercício da função.
Quando não há fatores agravantes, esses crimes hoje são punidos com penas de seis meses a um ano de prisão e, na prática, o suspeito não é preso em flagrante.
'Arroz com feijão das leis'
Segundo o juiz Nelson Calandra, presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), o Código Penal já oferece meios para punir esse tipo de violência. Por isso não seria recomendável alterar as leis só para resolver o problema específico dos manifestantes violentos.
"É complicado alterar a lei penal de um dia para o outro", disse o magistrado, afirmando porém ser a favor da revisão do Código Penal como um todo.
Calandra disse ainda que a polícia deve se esforçar para identificar quem pratica a violência em protestos – usando inclusive as imagens de manifestações registradas pela imprensa – e o Judiciário deve processá-los com base em crimes já previstos no código – tais como lesão corporal, incêndio e dano qualificado, entre outros. "Vamos aplicar o 'arroz com feijão' das leis", disse o juiz.
Alamiro Velludo Salvador Netto, presidente da Comissão de Direito Penal da OAB-SP e professor da Universidade de São Paulo, também afirmou que o Código Penal possui elementos suficientes para punir manifestantes violentos.
Ele disse que a lei deve ser respeitada, sejam os atos crimes graves ou apenas contravenções. Isto é, se um manifestante é identificado e detido após cometer um crime de dano simples – quebrar uma vidraça, por exemplo – deve ter o direito de responder ao processo em liberdade. Mas segundo ele, o código é adequado porque também prevê penas mais robustas se o crime for de natureza mais séria ou tiver fatores agravantes.
Contudo, o jurista afirmou que alguns policiais por vezes optariam por indiciar os suspeitos por crimes mais graves. "Existe uma tentativa das autoridades de buscar mecanismos que permitam (a prisão) em flagrante", disse. O objetivo seria dar uma resposta imediata à opinião pública.
Associação criminosa
Salvador Netto citou, por exemplo, o fato de que algumas autoridades policiais do país têm indiciado manifestantes violentos pelo crime de associação criminosa, que prevê até três anos de prisão.
Segundo ele, essa tipificação de crime pressupõe um acordo prévio, isto é, só pode ser aplicada se houver provas de que os suspeitos se associaram antes do protesto com o objetivo específico de cometer os crimes. Não englobaria então os casos em que as pessoas se encontram eventualmente em um local de protestos e cometem esses crimes individualmente.
Policiais de São Paulo ouvidos pela BBC Brasil disseram, por sua vez, que há fortes indícios de que – diferente do discurso propagado pelos manifestantes – os grupos mais violentos possuiriam lideranças que, de fato, organizariam seus membros com antecedência para cometer depredações e agressões. Isso justificaria seu enquadramento no crime de associação criminosa.
Contudo, alguns desses policiais dizem que ainda encontram grande dificuldade para provar essa associação prévia, seja monitorando páginas de internet ou obtendo autorização judicial para realizar escutas telefônicas de suspeitos.
Outra dificuldade encontrada por policiais que prendem suspeitos de participar de violência durante protestos é obter provas que mostrem quem cometeu qual ato de violência – o que os especialistas chamam de individualização responsabilidades, ou condutas.
Sem ela, dificilmente a Justiça mantém prisões ou condena acusados. Porém, a prática dos manifestantes de cobrir os rostos com máscaras ou peças de vestuário durante os protestos dificulta essa individualização.
Cautela
Os especialistas manifestaram opiniões divergentes porém em relação às ações da polícia durante os protestos.
Calandra afirmou que os policiais têm agido ultimamente com cautela demais nas manifestações, na medida em que teriam demorado para interferir após assistirem crimes de dano e depredação sendo cometidos.
O magistrado citou especificamente um protesto ocorrido no fim do mês passado na rodovia Fernão Dias, em São Paulo, quando veículos foram queimados após o assassinato de um jovem pela Polícia Militar.
Já Salvador Netto disse acreditar que a violência da polícia na repressão a manifestações teve papel fundamental para aumentar o tamanho e a intensidade dos protestos. "As autoridades têm que procurar entender a razão das manifestações".
Segundo ele, os protestos pelo país não devem ser encarados apenas como casos de polícia.