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A Guerra das Gangues no Brasil

A ruptura da parceria entre as facções que comandam o tráfico de drogas no Rio de Janeiro, o Comando Vermelho (CV), e em São Paulo, o Primeiro Comando da Capital (PCC) – com a consequente disputa entre elas pelo controle do comércio nacional de entorpecentes – é apontada por especialistas como principal motivo que levou a facção Família do Norte (FDN) a matar 56 detentos supostamente membros do PCC no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, na capital amazonense.

Durante uma rebelião de 17 horas em Manaus, presos do FDN, braço do CV no Norte do país, invadiram uma ala em que ficavam detentos do PCC. O resultado foram corpos esquartejados, decapitados, e com olhos, corações e vísceras arrancados, jogados em carrinhos de levar comida e queimados. Mais 112 presos fugiram antes da rendição dos detentos que pôs fim à rebelião – 54 já foram recapturados.

Dois fatores desencadearam a guerra entre PCC e CV, segundo especialistas e integrantes do Ministério Público e das polícias ouvidos pelo G1. O primeiro deles foi a morte, durante uma emboscada, do traficante Jorge Rafaat Toumani, em junho de 2016 na cidade de Pedro Juan Caballero, fronteira com o Mato Grosso do Sul. Ele era considerado pelos Estados Unidos como um dos barões do tráfico internacional de drogas e armas na fronteira e informes obtidos pela polícia apontariam atuação do PCC no ataque. O segundo fator foi um rompimento bilateral das facções após apoio do CV a grupos rivais do PCC em vários estados (leia mais abaixo).

Em Manaus, o secretário de segurança pública, Sérgio Fontes, afirmou ter visto "pilhas de corpos" no presídio e que os mortos eram integrantes do PCC. Para ele, o sistema prisional está sob controle. Também em Manaus, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, disse ser "um erro achar que, de uma forma simplista, que esse massacre e essas rebeliões são apenas guerra entre facções". Ele salientou que "mais da metade [dos mortos] não tinha ligação com nenhuma facção".

Um dos responsáveis por monitorar, através de investigações, o PCC em São Paulo, o promotor Lincoln Gakiya afirma que o massacre era esperado e previsto pelos órgãos de inteligência brasileiros devido ao avanço do PCC no Norte do país. Atualmente, diz ele, o PCC tem o mesmo número de integrantes que o rival (CV junto com o FDN) no Amazonas e a recente onda de rebeliões envolvendo disputas entre as duas facções em presídios do Norte eram o prenúncio de que algo estava para acontecer.

Em outubro, as facções se enfrentaram em três ocasiões durante rebeliões no Norte. Os motins deixaram 10 mortos em Boa Vista (RR), 8 mortos em Porto Velho (RO) e 4 feridos em Rio Branco (AC). Após os casos de Rondônia e Roraima, o ministro da Justiça avaliou que as ações se tratavam de "uma situação pontual".

Para o promotor, o incidente no presídio de Manaus é uma retaliação da FDN a mortes provocadas pelo PCC. “Foi retaliação e demonstração de força da Família do Norte. É de se esperar reação agora do PCC não só no Amazonas, como também em outros estados. Todo mundo esperava um ataque do PCC contra o FDN, e eles foram surpreendidos agora. Teremos outros capítulos”, afirma Gakiya.

“O que ocorreu em Manaus tem um contexto mais amplo, envolve um contexto mais amplo da disputa entre o CV e o PCC no país, que começou em 2016, quando eles declararam guerra em grande parte dos estados. O PCC tem a intenção de se tornar hegemônico no país e não tem limite de esforços para isso”, diz o promotor. “Havia um prenúncio de que algo iria acontecer e de que o PCC atacaria o FDN e o CV. Eles foram surpreendidos no presídio. Este ataque vai ter consequências”, afirma.

Segundo o Ministério Público, o PCC tem hoje no país 29 mil batizados (pessoas que praticam o crime como formais integrantes da facção), sendo 22 mil deles fora do estado de São Paulo. Já o Comando Vermelho tem 16 mil fora do Rio. Em outubro, o MP apreendeu com detentos um "salve" (espécie de ordem para os integrantes da facção) em que a liderança do PCC ordenava uma guerra contra integrantes do CV. Em seguida, em dezembro, o PCC tomou a comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, tornando-se rival direta no comércio de drogas do Comando Vermelho.

A FDN é a terceira maior facção nacional e foi foco da Operação La Muralla da Polícia Federal em 2015, quando foram cumpridos 127 mandados de prisão. A investigação teve início em 2014, com a apreensão de R$ 200 mil em uma lancha no Rio Solimões e uma carga de droga com destino à tríplice fronteira de Peru, Brasil e Colômbia. Em outubro de 2016, o secretário de segurança pública de Amazonas afirmou que o maior desafio para Manaus era deixar de ser "porta de entrada" do narcotráfico para o país

A rota do Norte pela fronteira com Peru, Colômbia e Venezuela, como porta de entrada marítima de drogas e armas, seria utilizada pela FDN para a realização de negócios com outras organizações, possuindo ainda, segundo a PF, contatos com políticos, advogados, vereadores e membros do poder público.

Especialistas apontam que a FDN possui um número menor de integrantes que o PCC e o CV, mas não souberam apontar o número exato de batizados. O G1 questionou a Polícia Federal sobre inquéritos a respeito da disputa entre as facções nos estados, mas até a publicação desta reportagem, não teve retorno.


O apoio do Comando Vermelho a facções rivais do PCC nos estados, como a FDN no Norte do país, o Primeiro Grupo Catarinense (PGC), em Santa Catarina, e o Bonde dos 40, no Maranhão, acirrou a disputa. O CV proibiu o batismo de novos integrantes do PCC em presídios e, em seguida, nos estados em que tinha mais poder, o PCC declarou guerra à facção carioca e demais rivais.

“O Comando Vermelho tem uma grande ramificação dentre outras facções e tem combatido o expansionismo do PCC em busca de novos mercados. Onde o PCC tenta entrar, desperta interesse dos concorrentes. É uma disputa territorial e de mercado que reflete dentro dos presídios, porque lá, quando entram, os presos precisam se filiar para sobreviver”, diz o tenente-coronel da Polícia Militar de São Paulo Eduardo Fernandes, doutor e mestre em ciências policiais de segurança e ordem pública.

 

Brutalidade = poder

Sobre as decapitações e corações arrancados na rebelião em Manaus, Fernandes diz se tratar de uma demonstração de poder. “Eles vivem numa selva e fugiu da razoabilidade de qualquer situação. A forma como as mortes ocorreram retratam códigos de respeito”, diz ele, ressaltando que o PCC restringe a violência em presídios por tratar o tema dentro de uma questão “mercantilista”. “Não interessa demonstrações de força e estes espetáculos”.

A professora Isabel Figueiredo, que integrou a Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, ressalta também a “rearrumação de território” que está ocorrendo com a briga entre as facções após a morte do barão da droga no Paraguai. “A morte dele abriu espaço para a disputa. Em última instância, é uma briga por dinheiro e mercado. O PCC entrou no RJ e se projeta para o resto do país. Isso reflete no sistema penitenciário como um todo. É uma bola já cantada, já havia vários relatórios de que a bomba estava prestes a estourar”, diz ela.

“Ao longo da faixa de fronteira está havendo uma reacomodação das facções que controlam, do Mato Grosso para cima. E o pano de fundo é a situação prisional caótica. A violência irracional tem uma intenção bem pensada”, acredita o professor do departamento de Sociologia da Universidade de Brasília Arthur Trindade.

   

 (Foto: Arte/G1)

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