Malu Gaspar
O Globo
17 Junho 2021
O vice-presidente e general da reserva Hamilton Mourão usa máscara, tomou duas doses de Coronavac e acha que não se deve promover aglomerações, mas numa coisa ele está com o presidente Jair Bolsonaro: não acredita que o passaporte da imunidade que está em discussão no Congresso para identificar quem já foi vacinado vá funcionar. "Isso aqui é Brasil, pelo amor de Deus! Vai ter falsificação do passaporte, venda no camelô. Você vai à Central do Brasil, aí no Rio, e vai comprar o passaporte para você", afirmou ele em entrevista concedida originalmente ao podcast A Malu Tá ON.
Na conversa, que terá a íntegra publicada nas plataformas de streaming na sexta-feira ao meio-dia, Mourão falou ainda dos desafios da próxima operaçao de Garantia da Lei de da Ordem que deve começar nos próximos dias na Amazônia e comentou o afastamento do presidente Jair Bolsonaro. Abaixo, os principais trechos.
Os índices de desmatamento bateram recordes históricos neste ano, apesar da compra do satélite Amazonia 1 e programas de mapeamento da floresta. Por que o desmatamento está aumentando?
O que eu tenho acompanhado é o avanço dos desmatadores em cima das terras públicas, e obviamente a União é responsável por fiscaliza. Hoje, é em torno de 25 municípios da Amazônia onde se concentram quase 90% do desmatamento ilegal. Solicitamos ao presidente da República autorização para uma nova operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) de modo que a gente consiga deter esse avanço da ilegalidade.
O relatório do Conselho da Amazônia diz que na última GLO diz que houve dificuldades de relacionamento entre as Forças Armadas e os órgãos de controle ambiental, que fiscalizam o desmatamento. Como o senhor resolverá esse problema?
Se não há cooperação de todos os organismos, a gente termina por não conseguir cumprir a tarefa. As Forças Armadas não são agências fiscalizadoras. Hoje (ontem) à tarde tenho uma reunião com a turma e vou procurar naquela conquista de corações e mentes trazer todo mundo junto e dizer: “Vamos superar as vaidades de cada grupo e vamos lembrar qual o nosso estado final desejado”.
O ministro Salles vai a essa reunião?
Olha, essa reunião é dos executivos. É de quem realmente mete a mão na massa.
Mas o senhor vai.
Porque é minha obrigação. Acho que o ministro está se preparando para a defesa dele em relação aos problemas que está enfrentando. Então, ele não tem comparecido às últimas reuniões.
Ele não tem recebido os avisos? Está sem celular, será?
É, parece que o celular a Polícia Federal levou.
Segundo a PF, o Ministério do Meio Ambiente não só vem diminuindo a fiscalização, como também mandou parar a cobrança de multas. Salles e a sua equipe estão sendo investigados por crimes que vão da formação de quadrilha à facilitação de contrabando. Colocar uma GLO na Amazônia por dois meses nesse cenário não é enxugar gelo?
As agências de fiscalização têm de comparecer. Já herdamos nossas agências com problemas de falta de pessoal. Esse é um assunto que tem de ser enfrentado. Não podemos continuar com metade do efetivo de dez anos atrás. Além disso, dessa metade, 70% está sentada no ar-condicionado. É preciso que haja uma recuperação da capacidade operacional dessas agências. Senão, vamos ter de continuar a empregar as Forças Armadas numa atividade que não é a missão principal delas e, consequentemente, sem ter maior eficácia.
O senhor falou com o presidente sobre isso?
Isso já foi mostrado ao presidente. Agora, é um assunto que tem de ser debatido com o Ministério da Economia. Acho que mil fiscais não vão nos deixar nem mais ricos nem mais pobres em termos orçamentários.
Quando o general Pazuello subiu no palanque de um ato a favor do presidente, o senhor defendeu que ele fosse punido pois, caso contrário, havia o risco de se estimular a anarquia nas Forças. O comandante do Exército, depois desse episódio, terá autoridade para coibir manifestações políticas de outros militares da ativa?
As Forças Armadas, em particular o Exército, não estão envolvidas na política. Apesar de nós termos alguns companheiros que ocupam cargos políticos no governo, na imensa maioria, são todos da reserva. Acho que Pazuello é o único da ativa hoje, e ele ocupa um cargo comissionado, não político. Todas as unidades estão na mão e na perna de seus comandantes e trabalhando de acordo com suas tarefas. Não vejo nenhum problema para o comandante Paulo Sérgio.
O senhor defendeu publicamente que Pazuello passasse para a reserva e disse em uma entrevista que sugeriu isso a ele. Outros oficiais fizeram a mesma sugestão e ele não foi. Por quê?
O Pazuello completa o prazo de permanência no generalato em julho de 2022. Eu acredito que no momento em que terminar a CPI (ele irá para a reserva). Ainda existe a possibilidade dele voltar a depor. Acredito que essa seja a preocupação dele. Em mais um ou dois meses, talvez ele vá para a reserva. Pazuello perdeu o lugar dele dentro do Exército. Não há mais função pra ele.
Não há mais função por conta desse episódio?
Não é nem por conta do episódio. Ele é o oficial de intendência mais antigo dentro do Exército. Então, ele deveria ocupar o cargo de sub-secretário de Economia e Finanças, que já está ocupado por outro general. Então, não tem lugar para ele.
Há uma preocupação disseminada de que as polícias militares, que têm muitos PMs bolsonaristas, se rebelem contra governadores de oposição, como aconteceu recentemente em Pernambuco e na Bahia. A lei diz que o Exército tem que fazer o controle e a supervisão desses agentes. A instituição vai contê-los em caso de insubordinação?
A questão das polícias militares vem desde a Constituição de 1988. A partir daí, os próprios governadores — não falo dos atuais, mas daqueles que exerceram a função — politizaram as PMs. Muitas vezes, escolheram como comandante não o mais antigo ou capacitado, mas alguém simpático politicamente àquele governo. Essa politização levou a policiais eleitos dentro do Congresso, Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais. Quando a PM entra em greve é um negócio muito grave, quase um motim. (Nesses casos) O Exército foi acionado e cumpriu sua missão. Já aconteceu no Espírito Santo, duas vezes na Bahia e no Ceará, em Pernambuco.
Mas não há esse risco na eleição, com a polarização política?
Existe uma análise que vem sendo feita na qual se procura dizer "o (então presidente Donald) Trump fez aquilo (invasão ao Congresso) nos Estados Unidos, vai ter uma milícia aqui que vai (fazer o mesmo)”. Você não pode comparar a sociedade americana com a brasileira. É óbvio que você encontra um número significativo de policiais simpáticos ao nosso governo e, em particular, ao presidente Bolsonaro, mas você também tem policiais que são simpáticos à esquerda, ao PT, seja lá quem for.
O senhor não está preocupado com o levante bolsonarista?
Em absoluto! Não tem espaço. Quando a gente procura um modelo histórico e quer transpor para o presente, tem de olhar quais são as causas profundas, as causas imediatas e aquilo que pode ser o pavio que incendeia e deflagra o processo. E o processo brasileiro é outro, totalmente diferente. Então, eu não temo nada disso daí.
O combate à pandemia também opõe o presidente aos governadores. O Congresso está discutindo um passaporte de imunidade a ser cobrado em locais públicos. O senhor concorda com a proposta?
Eu acho que não vai dar certo. Cada um terá de andar com um cartãozinho na carteira dizendo que foi vacinado. O cara na entrada do restaurante vai me cobrar isso? E no parque? Esse troço não vai funcionar. Isso aqui é Brasil, pelo amor de Deus! Vai ter falsificação do passaporte, venda no camelô. Você vai à Central do Brasil, aí no Rio, e vai comprar o passaporte para você. Agora, para viajar de um país para outro, acho que será necessário, como na questão da vacina da febre amarela e outras. No deslocamento dentro do país, é uma discussão inócua.
O senhor disse nesta semana que sente falta de ser convidado para as reuniões ministeriais, o que não tem acontecido. Por que o presidente não o tem convidado para as reuniões?
Eu já deixei muito claro ao presidente que ele tem a minha lealdade. Eu jamais vou maquinar contra ele, como já aconteceu no passado recente no nosso país. Ele sabe disso muito bem. Por outro lado, ele sabe que a minha visão de mundo em muitos assuntos é totalmente distinta da dele, assim como o meu modo de agir. Eu não entendo por que o presidente me exclui dessas reuniões. E eu lamento porque deixo de tomar conhecimento de assuntos que o governo está debatendo. Lembrando que eu, eventualmente, posso substituí-lo e ter de decidir sobre algum assunto desses, que eu não sei nada. Então, eu não vou tomar decisão nenhuma se eu for substituí-lo numa situação dessas.
O presidente disse ao senhor que seu nome não estará na chapa em 2022 por conta desse afastamento?
Até o momento, ele jamais falou pra mim de forma direta, ou seja, naquele papo reto, que não serei o companheiro de chapa dele. Agora, os indícios, as próprias declarações dele, são de que ele não deseja a minha companhia no seu projeto de reeleição. Ele também pode necessitar de um outro político ou partido em termos de composição político-partidária, um troço perfeitamente normal. Não tem nada demais isso pra mim.
O senhor tem dito que a sua opção preferencial para 2022 é ser candidato ao Senado. Essa candidatura, se ocorrer, seria pelo PRTB? Fala-se que o PTB do Roberto Jefferson o sondou.
Tem alguns partidos, até mesmo o PTB, que já me procuraram. Mas eu virei político sem ter uma trajetória política. Essa história de trocar de partido é a mesma coisa que deixar de torcer pelo Flamengo e passar a torcer pelo Fluminense, Vasco. Estou me acostumando com essas coisas. E também (falta) definir se serei realmente candidato.