RENATA MARIZ
A complexidade da violência divide opiniões de especialistas em relação a determinadas medidas de combate e prevenção do problema. Um dos pontos mais controversos, no debate sobre como diminuir os índices criminais, é a necessidade de mudanças na legislação. Se, para alguns, como o pesquisador Luis Flávio Sapori, ex-secretário adjunto de Segurança Pública em Minas Gerais e pesquisador sobre o tema, a pena para delitos violentos deveria ser aumentada, outros avaliam que alterações no Código Penal são inócuas para tal fim. “Servem apenas de álibi para o legislador”, critica Theodomiro Dias Neto, professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas.
Ele destaca que as leis brasileiras são boas. “O problema é a falta de aplicação delas, já que 90% dos homicídios não são esclarecidos”, afirma Dias Neto. Ele até considera mudanças pontuais. “No Estatuto da Criança e do Adolescente, sobre o qual muito se fala, acho que podemos dar um tratamento diferenciado, dentro de uma política criminal, e não socioeducativa, para autores de crimes violentos com idade entre 16 e 18 anos, mas sem colocá-los no sistema prisional. Agora, achar que isso vai resolver o problema da violência é ilusão”, afirma.
Para Sapori, entretanto, além de aumentar o tempo de prisão para crimes violentos, de uma forma geral, seria interessante diminuir a possibilidade de recursos postergatórios no processo penal, além de dificultar a progressão de pena a condenados por delitos graves. “Um homicida condenado à pena máxima está na rua de novo em menos de 10 anos. Cria na população a percepção de que a lei não vale e de que o crime compensa.” A socióloga Camila Nunes, especialista em estudos da violência, pensa diferente. “A Lei de Crimes Hediondos, que dificultou benefícios, é de 1990. O que aconteceu de lá para cá? A violência só aumentou.”
O peso de outros temas atrelados à segurança pública — como a remuneração das polícias — é relativizado pelos especialistas ouvidos pelo Correio, muitos dos quais engajados nas corporações. “Não é que a criminalidade esteja avançando devido aos baixos salários, mas existe a necessidade de valorizar o profissional”, afirma o coronel Sérgio Abreu, ex-comandante-geral da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, professor universitário e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ele defende um piso nacional, conforme prevê a Proposta de Emenda à Constituição 300, que tramita no Congresso desde 2008.
Presidente da Associação Nacional dos Praças, que representa policiais e bombeiros militares, Pedro Queiroz evita concentrar as queixas da categoria no salário. “O policial não consegue trabalhar porque ele é atingido pela violência, sem ter um setor psicossocial adequado nem treinamento eficiente. Há PMs com 25 anos de carreira que nunca voltaram para a academia para fazer um curso”, afirma.
“Sem capacitação com grade curricular feita pelo MEC, e não por militares atrasados que precisam servir aos governadores, continuaremos como cavalos dando coice na sociedade.”
Competição
Sobre o problema de remuneração, principal reivindicação dos movimentos grevistas, como o verificado recentemente no Distrito Federal, Queiroz não esconde a competição com outras categorias. “Enquanto o PM, que vai para a rua e lava a roupa suja, está levando tiro nos peitos por R$ 4.500, o policial civil ganha até R$ 12 mil para trabalhar no ar-condicionado e receber o meliante levado por nós”, reclama. “Sempre haverá uma comparação. Depois de equiparar com o policial civil, vão reivindicar ganhos iguais aos do promotor, do juiz. Não vejo essa queixa como causa do aumento de violência”, diz o delegado Jésus Trindade Barreto, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Outra questão importante, mas não essencial para explicar os índices de criminalidade, na avaliação dos especialistas, é o tamanho do efetivo. “É uma demanda recorrente, assim como problema salarial e orçamento, em qualquer lugar do mundo. Só que apenas aumentar efetivo não resolve. Não dá para colocar um policial em cada esquina. Por isso, o trabalho com dados, com inteligência, é tão importante”, afirma o coronel Abreu. Os gastos do país com segurança pública, em 2012, chegaram a R$ 61,1 bilhões — 16% a mais que no ano anterior.
Por que a criminalidade explodiu nas últimas décadas?
Urbanização rápida e desorganizada, sociedade pautada no consumo e até fatores culturais. Veja considerações de especialistas sobre os motivos da explosão da violência nas últimas décadas no país, que saiu de uma taxa de 11,7 homicídios por 100 mil habitantes em 1980 para 27,1, em 2011.
“Quanto maior a metrópole, maior é a probabilidade de surgimento do criminoso profissional, isso é mundial. E, desde a década de 1940, o Brasil vem se urbanizando rapidamente. Brasília, com 2,5 milhões de habitantes, ainda está virando uma metrópole. Daqui a uns 10 anos, quando esses espaços verdes e vazios derem lugar a uma mancha urbana, a violência tende a aumentar, com uma peculiaridade. É uma cidade rica cercada por uma zona de pobreza, o que cria tensões que a gente não pode imaginar. E são nessas periferias desorganizadas onde as quadrilhas se instalam.”
Guaracy Mingardi, doutor em ciência política, ex-subsecretário nacional de Segurança Pública e pesquisador
“Há amplos estudos e várias teorias que tentam explicar a motivação do crime. Um dos eixos importantes que podemos considerar é o econômico estrutural, que trata da falta de qualidade do crescimento e do emprego, da mobilidade social ainda difícil de ser efetivada, das desigualdades sociais que permanecem gigantescas. Ainda dentro dessa questão, há uma demanda do consumo jamais vista, como busca de inserção e status social, sobretudo entre os jovens. Isso leva alguns estudiosos a classificar determinados crimes como delitos aspiracionais.”
Sérgio Abreu, ex-comandante da Brigada Militar do Rio Grande do Sul e professor universitário
“Não podemos afirmar que a pessoa, salvo por uma patologia, nasce mau ou boa, isso é gestado. No Brasil, hoje ninguém mais rouba porque está com fome. O que o menino que vai fazer esse tipo de violência quer? Inflar o ego. Em geral, são crianças e adolescentes que tiveram direitos básicos negados ao longo da vida e são mais vulneráveis ao ingresso na carreira criminosa. Dissuadir esse garoto desse caminho é o que o Estado não tem conseguido fazer. A segurança pública espera que ele cometa um crime para, só então, agir. A segurança tem que atuar com os campos adjacentes, como educação, saúde, cultura.”
Jésus Trindade Barreto, delegado de polícia em Minas Gerais e estudioso do tema da segurança