Luis Kawaguti
do UOL, em Brasília
O ministro da Defesa, general da reserva Joaquim Silva e Luna, afirmou, em entrevista ao UOL, que o acirramento da polarização política às vésperas das eleições e a criminalidade nos estados tornam o pleito deste ano mais tenso, mas que ele não vê a democracia em risco. Silva e Luna também afirmou que o candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, capitão reformado que costuma atrelar sua imagem ao Exército e tem como vice um general da reserva, não representa as Forças Armadas.
"Entendemos que vamos chegar [na eleição] com a situação tensa, mas sob controle", disse Silva e Luna, referindo-se à polarização da sociedade e ao alto índice de criminalidade que fez ao menos 11 estados pedirem ajuda aos militares para reforçar a segurança no dia 7 de outubro, quando acontece o 1º turno das eleições.
Questionado se vê a possibilidade de as Forças Armadas serem acionadas para proteger os poderes constitucionais e garantir o resultado das urnas, o ministro disse que a democracia não está risco. "Não visualizamos ela [a democracia] correndo risco. Nunca percebemos isso. Os poderes constitucionais estão funcionando normalmente e sem nenhuma dificuldade de exercer na plenitude as suas ações", afirmou.
Para Silva e Luna, os candidatos estariam contribuindo para aumentar o nível de tensão. Segundo ele, os presidenciáveis têm apresentado suas narrativas de forma "contundente" para convencer o eleitorado, tornando todo o processo mais polarizado.
Em entrevista ao programa Brasil Urgente, da TV Bandeirantes, Bolsonaro afirmou na última sexta que não aceita resultado das eleições que não seja a sua vitória. Segundo ele, a única possibilidade de vitória do PT viria pela "fraude". O candidato tem afirmado que as urnas eletrônicas estão sujeitas a fraudes que podem prejudicar sua campanha.
O candidato a vice na chapa de Bolsonaro, general da reserva Antônio Hamilton Mourão, já admitiu em entrevista a possibilidade de um "autogolpe" com o uso das Forças Armadas em uma situação hipotética de anarquia. Entre outras polêmicas –na mais recente, ele foi publicamente desautorizado por Bolsonaro por criticar o 13º salário–, Mourão também propôs uma nova Constituição a ser elaborada por uma junta de notáveis e aprovada por plebiscito, sem necessariamente a participação de uma Assembleia Constituinte com integrantes eleitos.
A última pesquisa Datafolha, divulgada na sexta-feira (28), mostra Bolsonaro na frente, com 28% das intenções de votos, indo a um possível 2º turno com Fernando Haddad (PT), que tem 22%.
As pesquisas apontam perda de força de candidatos mais identificados com o centro. A polarização na política se reflete em manifestações nas ruas e vem causando apreensão na cúpula das Forças Armadas e nos órgãos de inteligência. Eles discutem a possibilidade de que a sociedade saia do processo eleitoral excessivamente dividida, conforme apurou a reportagem.
O ministro afirmou que o acirramento dos ânimos é até esperado na época eleitoral, mas que, após o pleito, o país tem que buscar união nacional. "Tenho buscado oportunidades para passar essa percepção para a sociedade: exerça seu direito de cidadania e, terminado o período eleitoral, vamos conduzir o Brasil, o Brasil somos todos nós", disse.
Bolsonaro é o candidato dos militares?
O ministro da Defesa, que segundo o jornal "O Globo" já disse não ver uma "chapa de militares" com Bolsonaro, mas de "pessoas preparadas", negou que o presidenciável do PSL seja uma espécie de porta-voz das Forças Armadas.
"Tenho a impressão de que parte da sociedade até faz essa confusão [de que Bolsonaro seria um tipo de porta-voz dos militares], mas nas Forças Armadas isso não existe, não colocamos esse viés de que há alguém que represente as Forças Armadas", disse ele.
O capitão reformado do Exército passou para a reserva no final dos anos 1980 ao ser eleito vereador e, desde então, segue carreira política. Mais recentemente, foi para a reforma (quando não pode ser mais convocado).
Na campanha, além de escolher um vice militar, Bolsonaro se cercou de ao menos nove generais da reserva e um brigadeiro que atuam em um núcleo técnico [que pensa estratégias para um eventual governo] e um núcleo político que ajuda a promover sua candidatura nos estados.
Silva e Luna afirmou que o envolvimento das instituições militares na campanha eleitoral ocorreu na forma de conversas com os candidatos. O comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, e outros militares de alto escalão (como o general Walter Braga Netto, interventor no Rio) aceitaram pedidos de presidenciáveis para conversar.
"Houve a oportunidade de comandantes conversarem com vários candidatos para passar suas preocupações ou até dar argumentos para que eles colocassem em suas campanhas, argumentos de necessidades das Forças Armadas e de seus projetos", disse Silva e Luna.
Silva e Luna: "Villas Boas é um democrata de 1ª linha"
O ministro da Defesa afirmou que declarações recentes do comandante do Exército sobre temas de política não tinham "qualquer interesse, com qualquer viés de querer interferir em política ou ações partidárias".
Em entrevista ao jornal "Estado de S.Paulo" no início de setembro, Villas Boas afirmou que o ataque a faca a Bolsonaro "confirma que estamos construindo dificuldade para que o novo governo tenha uma estabilidade, para a sua governabilidade, e podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada".
Na mesma ocasião, ele comentou as tentativas de registro da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), dizendo que uma decisão sobre o tema deveria ser rápida. O PT definiu as declarações de Villas Boas como "autoritárias e inconstitucionais".
"Eu vejo o general Villas Boas primeiro como um democrata de primeira linha. Segundo, com um profundo conhecimento do país. Ele gosta bastante desse tema de geopolítica, gosta do tema político, ocupou cargos em diferentes escolas, como instrutor nas escolas, então ele gosta de lidar com o público com naturalidade. E faz isso", disse Silva e Luna. Para ele, quando procurado, o comandante do Exército "expressa seu pensamento comum como cidadão".
1º turno terá 30 mil militares em 11 estados
Durante votação no dia 7 de outubro, mais de 30 mil militares das Forças Armadas participarão das operações de GVA (Garantia da Votação e Apuração). Essas ações visam reforçar a segurança pública para permitir o acesso de eleitores às seções de votação e proteger as urnas.
Elas acontecem a partir de solicitação dos governos estaduais, com autorização da Justiça Eleitoral. No 1º turno, os militares atuarão em cerca de 600 localidades de 11 estados (Acre, Maranhão, Piauí, Rio de Janeiro, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio Grande do Norte, Tocantins e Ceará).
Segundo Silva e Luna, a maior parte dessas solicitações de apoio normalmente acontecem por dificuldades financeiras dos estados para reunir os recursos de segurança necessários para o dia da votação. Também costumam ser pedidos para áreas com índices de criminalidade mais altos.
As operações de GVA são uma das funções das Forças Armadas relacionadas à garantia da ordem pública. São diferentes, porém, de uma eventual solicitação dos poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário para que militares garantam os poderes constitucionais. Outros dois estados terão apoio logístico das Forças Armadas para distribuição de urnas (Roraima e Amapá).
Brasil em nova missão de paz da ONU
Silva e Luna disse que o Ministério da Defesa tem um plano pronto para que o Brasil participe de uma nova missão de paz em 2019. Uma eventual participação do país dependerá, contudo, do aval do Congresso e do novo presidente.
No início deste ano, tropas foram treinadas para atuar sob a bandeira das Nações Unidas contendo uma onda de assassinatos por motivação política e religiosa na República Centro-Africana. No entanto, a missão foi abortada antes de começar por questões financeiras –a verba necessária não estava prevista no orçamento do governo.
Chegou-se a cogitar que as tropas fossem envidadas para o leste da República Democrática do Congo para combater grupos rebeldes, mas o plano também não avançou. O Brasil conseguiu, porém, obter o comando da missão de paz no Congo, sem enviar tropas.
Silva e Luna disse que o local da próxima missão ainda não foi definido, mas o problema orçamentário ocorrido neste ano não deve se repetir. O UOL apurou que outro fator que contribuiu para o cancelamento da missão foi o início da intervenção federal no Rio de Janeiro, prevista para acabar em 31 de dezembro.
O 1º militar no Ministério da Defesa
Pela primeira vez desde sua criação em 1999, o Ministério da Defesa é comandado por um militar. A pasta foi criada no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) para reunir sob um único comando o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. Durante a gestão de FHC, defendeu-se a ideia de que a pasta deveria ser comandada por um civil e os militares ficariam com a parte de planejamento e execução de ações.
O general da reserva Silva e Luna trabalhou no ministério durante as gestões dos últimos quatro ministros e foi promovido a titular da pasta no começo deste ano. Ele apontou como um dos principais fatores que facilitam sua gestão, o fato de estar há muitos anos no ministério e conhecer profundamente os projetos sob responsabilidade da pasta –especialmente detalhes orçamentários.
"Os nossos projetos extrapolam um governo, são projetos de 20, 30 anos", disse. Ele também afirmou que sua condição de general da reserva o permite aconselhar o presidente sobre questões que envolvam engajamento de tropas em missões ou peculiaridades da carreira militar.
"Trazer essa bagagem de conhecimento facilita muito, pelo menos a mim tem facilitado muito ser ministro da Defesa, pelo menos nessa conjuntura difícil", disse.