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Segurança pública está sob controle, afirma Jungmann

Rosângela Bittar
 

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, não teme o efeito dominó das crises na área de segurança de Espírito Santo e Rio de Janeiro. O Comando do Exército auscultou os comandos regionais e soube que estão estáveis os cenários no Pará e na Bahia, regiões onde o trabalho das forças que atuam nas operações de garantia da lei e da ordem previam turbulências próximas.

Jungmann forma com o general Sérgio Etchengoyen, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, e com o ministro da Justiça, quando vier a ser nomeado, o Conselho de Inteligência e Operações do governo Michel Temer.

Ele está no centro da polêmica sobre o uso das Forças Armadas para garantia da ordem nos Estados, para negociar greve de policiais militares, para a varredura em presídios, para o combate ao crime organizado, tudo que tem criado risco e instabilidade no momento.

A segurança, que realçou sua ação política mais recentemente, não é novidade na carreira de Jungmann. Militou durante todo o mandato parlamentar na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, por dez anos; participou de todas as CPIs do sistema prisional; visitou a maior parte das penitenciárias; participou da CPI do tráfico de armas e da questão do narcotráfico e, ultimamente, antes de assumir o Ministério da Defesa, era relator da proposta de emenda constitucional da unificação das polícias.

Está recebendo apoio de todos os lados para seu protagonismo recente no Executivo. Entre a negociação com policiais amotinados no Espírito Santo e coordenação, com o Comando do Leste, do processo de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no Rio, Jungmann falou ao Valor. Apesar das visíveis tensões, o ministro afirma que a situação da segurança pública no país está sob controle. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Mudou o seu papel no governo?

Raul Jungmann: O que mudou foi a realidade. A agudização e a superposição de crises. Não mudei de função. São duas crises: uma é a prisional, que nos levou a realizar operações de garantia da lei e da ordem duas vezes em Natal, uma em São Luís, motivadas pela crise prisional. Temos duas outras GLOs motivadas pela crise nas polícias. É o caso de Recife, que foi em dezembro, e agora essa do Espírito Santo.

A crise de Pernambuco não foi tão percebida como a do Espírito Santo.

Jungmann: Em Pernambuco foram 3.500 homens. É que fica distante, mas foi grave. O problema de Vitória é que fica no Sudeste, próxima ao Rio, e tem elementos de conexão, de contágio. Mas não teve mesmo a dimensão do Espírito Santo, que é inédita.

E agora o Rio de Janeiro.

Jungmann: Se fizer as contas, são seis, estou aqui há nove meses, e já são seis GLOs.

Por que o caso do Espírito Santo é inédito?

Jungmann: Primeiro, porque é uma manifestação capitaneada por mulheres.

É verdade, isso? Não estão servindo como anteparo para os amotinados?

Jungmann: Existe uma estrutura de comando por trás, inclusive policiais que são políticos, e que de certa forma manipulam os cordéis. Mas é indiscutível que elas assumiram um protagonismo. Só que tem um problema, não por serem mulheres, mas elas não têm expertise de negociação. Não são sindicalistas, não sabem os riscos, não têm noção da complexidade. A mão do Estado, a punição a quem comanda motim é muito pesada.

O governo federal foi lento para decidir entrar na crise do Espírito Santo?

Jungmann: Eu tenho conversado sem parar com as autoridades do Espírito Santo, estive lá duas vezes. O governador me ligou às 11 horas do domingo. Eu disse que só poderia fazer alguma coisa se o presidente determinasse. Assim, ele deveria ligar ao presidente Temer. Às 7h15 da manhã o presidente me liga: “Olha, recebi o pedido e autorizo GLO”.

Às 10 horas chega isso por escrito e às 17 horas eu já começava o policiamento lá. Ainda com um contingente pequeno. É preciso deslocar gente, a tropa para a rua não é a tropa regular, é uma que tem experiência, que passou, por exemplo, por Haiti, paraquedistas, fuzileiros, tem que ter capacidade de lidar com conflito urbano. Na verdade, deslocamos para lá 2.900 homens, em dois dias, com toda a logística.

Em que a participação das mulheres dificultou a solução do problema?

Jungmann: Quem negociou com elas teve imensa dificuldade, porque uma concordava, outra discordava. Não há hierarquia, não há presidente, não há um sindicato, isso se transformava numa balbúrdia, no primeiro acordo. Elas assinaram e depois voltaram atrás. No segundo acordo a negociação foi conduzida com as associações. Mas como elas não fizeram o início, não foram elas que iniciaram a mobilização, quando se foi levar o acordo fechado em cima dos batalhões, foi recusado. Os batalhões se dividiram, gente que queria continuar, gente que queria sair.

Elas sabiam dos riscos e podiam avaliar até onde ir?

Jungmann: Não, e não sabiam a hora de parar. De fato, ficou muito claro que teve uma ultrapassagem da liderança formal. Uma outra liderança política atuava com elas, mas elas passaram a ter um protagonismo real.

Não estavam comandadas pelos amotinados?

Jungmann: No início do processo, elas foram apoiadas pelo comandante geral, que em 23 dias foi demitido. Coronel, major, oficiais superiores as apoiaram. A partir de um certo momento, desfez-se a hierarquia formal. Quando chegamos lá, não tinha um policial. Quando a gente chega para fazer GLO, precisa de informação, tem que ter um interlocutor, estavam todos vivendo o processo.

O que foi feito a seguir?

Jungmann: Procuramos assegurar a normalidade. Essa é a tarefa, a lei e a ordem. Hoje temos mais gente lá fazendo segurança do que a PM em dias normais. A PM coloca 1.800, nós fizemos com 3.130.

Quais foram os riscos principais no Espírito Santo?

Jungmann: Muitos. Os policiais que queriam sair foram impedidos não só pelas mulheres como pelos outros policiais amotinados. Estavam todos armados. Um deputado que é policial contou que o clima era tão pesado que não ficou no batalhão. Um clima desses, com arma na mão, procurando os traidores… Gente que queria sair, gente que impedia de sair. Tive informação que, num único dia, cem policiais foram a um atendimento de urgência com crise nervosa e distúrbios psiquícos. Isso podia resultar numa chacina. Essa era a agudeza.

Essas operações projetam os militares?

Jungmann: Isso evidentemente dá uma projeção ao Ministério da Defesa. Em contrapartida, há um reclamo da sociedade. Extraordinariamente, nós cuidaremos das cidades quando se apresentar uma situação em que o governo perca as condições de manter a lei e a ordem. Mas isso é extraordinário.

Agora, ordinariamente, temos um papel nas fronteiras que a Constituição nos dá. E a opinião pública sabe que é nas fronteiras onde se inicia, ou pelo menos é a passagem, de boa parte dos delitos, dos crimes de contrabando, das drogas e das armas, que vão explodir nos grandes centros urbanos.

O trabalho nas fronteiras está também em ritmo crescente?

Jungmann: Vamos nos voltar ainda mais para as fronteiras. Comecei a fazer acordo com a Colômbia, um acordo extraordinário, com toda a cúpula, inclusive para que a gente possa acompanhar o processo de paz. E ter informações sobre todo o desarmamento que está ocorrendo lá dentro. Um dos temores é que uma parte das armas migre para cá, particularmente para o Rio de Janeiro.

E evidentemente, não só isso. Colocar mais dinheiro no sistema integrado de monitoramento de fronteiras, levar observador do parlamento e da imprensa para conhecer a realidade da fronteira. Quando se diz que o Brasil tem a terceira maior fronteira do mundo, o que é isso? O Brasil tem 17 mil quilômetros de fronteira terrestre.

Qual o peso da nacionalização do crime nas crises?

Jungmann: As grande quadrilhas do Sudeste, nomeadamente do Rio e São Paulo, estão hoje em todo o país. Os dados do Gaeco, o grupo especial de combate ao crime organizado de São Paulo, a que eu tive acesso, mostram que, em 2014, o PCC tinha 3.200 membros presos. Em dois anos chegaram a 13.600. O Comando Vermelho tem o controle de 424 comunidades no Rio.

O Amigo dos Amigos tem 77, o Terceiro Comando Capital tem 86, e as milícias têm 146. São praticamente 700 comunidades sob controle do crime organizado, sem direitos e garantias constitucionais, vivendo em regime de exceção. A criminalidade deu um salto e se nacionalizou. E ao mesmo tempo está se internacionalizando. Começa disputar mercado de produção, de contrabando de armas no Paraguai e Bolívia.

Onde entra o Ministério da Defesa nisso?

Jungmann: Transborda para a Defesa porque ao alcançar este nível, o crime organizado começa a desafiar o Estado. Um exemplo: Durante as eleições, em novembro, o governador do Maranhão, Flávio Dino, deu um aperto naquela penitenciária de Pedrinhas. Ele resolveu cumprir à risca a lei de execução penal. O que eles fizeram? Mandaram mensagem: não vai ter eleição.

E começaram a queimar escolas. Tirando do cidadão o direito de exercer o que é constitucionalmente assegurado. Não estou atravessando fronteiras e assumindo papéis que não são nossos. Passou a ser inevitável diante da gravidade. Diante da crise fiscal dos Estados, diante da crise prisional, superposta à crise de segurança, rebeliões, greves, motins, é natural que fôssemos atraídos para dentro desse processo.

Até que ponto o presidente Michel Temer está participando diretamente das soluções?

Jungmann: O presidente tem manifestado grande atenção e preocupação com isso, ele não tem vacilado em nenhum momento em conceder os pedidos dos governadores. Pezão fez um pedido de 9 páginas. Fomos a Natal duas vezes, a São Luiz uma vez, Pernambuco uma vez, Espirito Santo uma vez, sem falar na Olimpíada, quando colocamos 24 mil homens no Rio. Estou aqui há nove meses com seis garantias da lei e da ordem.

Pode explicar melhor sua argumentação de que a atual crise de segurança tem a ver com a crise fiscal dos Estados?

Jungmann: Esses fatos, essa conjuntura do sistema prisional, a crise das polícias, estão totalmente relacionadas à falência fiscal dos Estados. O constituinte de 1988 não se deu conta, nem poderia, da nacionalização do crime. Particularmente no artigo 142, ele coloca a questão da segurança e da ordem pública nos Estados. São os governos estaduais que têm que cuidar disso. O governo federal cuida de forma complementar.

O federal cuida de pequena parte, que é a questão da Polícia Federal, que cuida de drogas, crimes interestaduais, internacionais, e um papel de fronteira. Além disso, tem a Polícia Rodoviária Federal. Mas 90% da garantia da ordem está com os Estados. Se tudo isso ficou com o Estado e eles passam por uma crise fiscal grave, tudo se reflete pesadamente na segurança, porque a segurança é cara, tem muita gente, tem combustível, equipamento, carro etc., a segurança é algo de muito peso nas contas.

Se o governo estadual não dá conta de carregar o peso, o que pode fazer?

Jungmann: Se os Estados vivem uma crise fiscal que contagia a segurança, o governo federal não dispõe, constitucionalmente, de mecanismos compatíveis com esse desafio. Por isso o uso extraordinário das Forças Armadas, instrumento que resta ao governo.

As Forças Armadas reclamam?

Jungmann: São muito disciplinadas. Muito profissionais. Evidentemente foram preparadas para outra missão, para aquilo que é defesa da soberania, dos interesses nacionais. É nisso que é a formação delas. As Forças Armadas no Brasil, elas têm uma característica que não se encontra em outros países do mundo: a pluralidade de atividade e ações que elas fazem. Tais como: combate à zika, distribuição de água para 4 milhões de nordestinos, transporte de órgãos para transplante, varredura em presídios, garantia da lei e da ordem.

Em outros países como o problema se resolve?

Jungmann: Outros têm a guarda nacional. Agora, o presidente Temer determinou ampliação da guarda nacional. São 200 homens, um batalhão que fica em Brasília. Quando há uma missão, você monta o efetivo. Preciso 12.000, pega os 200, tira de outros Estados e faz o efetivo. Agora vai passar a ter uma Força Nacional, por determinação do presidente, de 7 mil membros permanentes. Elas são dos Estados, há problema da heterogeneidade e os Estados, premidos pela crise de segurança, têm dificuldade de liberar.

Há, então uma nova realidade!

Jungmann: E somos arrastados por ela. Se o governador diz que está com insuficiência e indisponibilidade para manter a ordem, se o presidente negar, imagina a responsabilidade do presidente: assalto, saque, arrastão, homicídio… praticamente é impositivo.

Quer dizer que não são as Forças Armadas que vão resolver o problema da segurança no Brasil.

Jungmann: O problema da segurança no Brasil se resolve na segurança e não na Defesa. Por uma razão simples: militares são empregados em situação extraordinária, por tempo limitado e local limitado. Quem de verdade cuida da segurança pública, entende é preparado, tem formação para isso são os policiais.

A população está pedindo a presença das tropas?

Jungmann: É um aluvião o que recebo de pedidos, das bancadas, das pessoas, dos municípios. A presença dá uma segurança às pessoas. Mas Isso, na prática, se usar exclusivamente, é dar férias a bandido. O bandido vai se retrair, tirar férias, e depois voltar

Depois dessas experiências, como o sr. está vendo a questão da segurança no Brasil?

Jungmann: Ela tem uma alta complexidade, a segurança é um sistema judiciário policial. Inclui a polícia, sistema judiciário, sistema penitenciário, o Ministério Público e a Justiça. E esse sistema não é centralizado, cada um com sua autonomia.

Vejo muitas pessoas dizendo que o problema é de outro. Tem que funcionar integrado. Não há uma autoridade que coordene. O Ministério da Justiça e Segurança é o que de mais próximo pode ter para gestão da segurança. Você tirou a Cidadania para um ministério separado e deixou a Justiça com foco com segurança. Pela primeira vez a segurança foi ao nível ministerial. É uma maneira que vai tendo de avançar e responder à crise.

O Congresso não tem sensibilidade para esse problema?

Jungmann: Quem ganha voto pedindo recurso para sistema prisional? Uma população vulnerável e barbarizada, ela regride ao olho por olho, dente por dente. Tem uma população que se sente exposta e indefesa. A reação dessas pessoas é ou a busca da autotutela – vou me armar já que não há defesa, ou a noção de que bandido bom é bandido morto.

O sr. tem feito reuniões sucessivas com o comandante do Exército, com o chefe do Estado Maior, e tem analisado a situação dos Estados. Há temor de contágio?

Jungmann: Estávamos definindo o Rio. O Rio não está na mesma situação do Espírito Santo, mas o Estado é infinitas vezes maior, e o que o governador pediu é muito amplo. Vamos policiar parte da cidade para liberar a PM para fazer a Alerj. As forças policiais são essenciais a uma democracia. Sem elas vive-se estado de anomalia. Presidentes têm uma pauta de prioridades, educação, saúde, e isso é ditado pela população.

E como a questão da segurança é sobretudo algo dos Estados, um Presidente da República chamar a si essa atribuição, sem ter fonte de recursos compatível, demanda muita firmeza. Temer não tem vacilado. Pegou R$ 1,7 bilhão basicamente para o programa nacional de segurança. Com o pouco tempo que tem e a crise que vive tem dado respostas.

Voltando à contaminação, além do Rio tem mais gente pedindo ajuda agora?

Jungmann: O comandante do Exército acabou de fazer uma teleconferência com os comandantes de área em todo o país. O relato é uma boa notícia: a situação está estável.

Havia alguma preocupação específica?

Jungmann: Estávamos preocupados que evoluísse no Pará. Muitas vezes, quando chega perto do carnaval tem uma certa instabilidade na polícia da Bahia. Os governadores se anteciparam em alguns Estados, o de Pernambuco está votando agora na Assembleia Legislativa o aumento do pessoal. A informação que o comandante me deu é que neste momento está sob controle.

A situação no Rio está fora de controle como Vitória?

Jungmann: No Rio está havendo controle, vamos para lá preventivamente. São tempos difíceis, aí você tem uma instituição coesa, disciplinada, bem formada, compromissada, que não faz greve, não tem hora extra, não tem sindicalização, não tem um segundo emprego, e é estruturada com base na disciplina e hierarquia. A tendência é que se recorra às Forças Armadas, não só nessa, mas em outras circunstâncias.

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