Luiz Rosenberg
Valor Econômico
27 Agosto 2018
Na empresa, só um dirigente despreparado cogitaria prover recursos apenas no orçamento anual, para um projeto que demandaria 5 anos até ser concluído, sem ter certeza de que o funding para os 4 anos seguintes também estaria assegurado.
Um conceito tão elementar como este no setor privado, é olimpicamente ignorado em Brasília, onde não há mecanismo eficaz de garantir que um projeto iniciado estará financiado até a sua conclusão. Esta incoerência é tão mais lamentável quando se recorda que, no passado, o país já havia atingido um nível invejável de avaliação e bancagem de projetos plurianuais.
De fato, do Plano de Meta de Juscelino, ao Trienal de Celso Furtado aos plurianuais dos anos 70 vinha-se praticando as melhores técnicas de planejamento, por mais de 20 anos, impedindo que projetos fossem abortados por imprevisão orçamentária.
É desta época, por exemplo, a criação do Grupo Executivo de Implantação da Política de Transportes (GEIPOT), que topicalizou o que de mais moderno existia no mundo na avaliação e definição de investimentos no setor.
A deterioração da definição racional do investimento público vai desabrochar com o colapso das contas externas, ao final da década de 70. O endividamento externo explosivo, engendrado ao final daquela década, vai forçar a área econômica a se submeter à dieta do FMI: cortar gasto público, arrochar salário, subir juros, desvalorizar o câmbio, tudo com o intuito de gerar recessão e produzir excedentes exportáveis. Para que? Para ter divisas e honrar os pagamentos da dívida externa.
Tal prescrição definiu sua primeira vítima: às favas o planejamento. Danem-se as prioridades, a continuidade de projetos, a seletividade dos cortes. A análise custo/benefício do gasto é substituída pelos cortes lineares, o mote desde então é “gasto bom é gasto cortado”.
Se esta terapia fosse aplicada de forma intensa e curta, seria um transtorno, mas não uma catástrofe para a economia: passaríamos por uma dolorosa recessão, desbarataríamos recursos investidos em projetos abandonados, mas ajustaríamos a economia e voltaríamos a crescer sem estrangulamento externo, sem inflação, com um setor público eficiente, ainda que menor, mas alocando recursos usando a cultura de avaliação de projeto desenvolvida ao longo das décadas anteriores.
Porém, no país do jeitinho, dos cambalachos políticos e do noviciado nas práticas democráticas de se chegar ao consenso, optava-se sempre pela política do ajuste parcial, uma alquimia que nos impunha o ônus do tratamento, sem trazer o bônus da cura.
E a cada fracasso, novo choque inflacionário, maior dose de indexação, menos racionalidade. Com a qual, só nos reencontraríamos após a renegociação da dívida externa, o ajuste fiscal e a genialidade da desindexação concebida pelo Plano Real.
Infelizmente, já se passara um quarto de século, desde que o imediatismo dominou a política econômica: a tecnologia de planejamento estava destruída. Os economistas treinados nas boas práticas de alocação de recursos haviam passado de planejadores a bombeiros, sempre buscando apagar o fogo do gasto público.
A redemocratização, em vez de valer-se do instrumental da avaliação de projeto, havia optado pela solução simples (ainda que burra e antidemocrática) das vinculações, que automatizaram a elaboração do orçamento, congelaram as prioridades e banalizaram o debate da alocação de verbas públicas.
A Lava-Jato é decorrência deste grotesco modelo de gestão. O Executivo loteia os ministérios entre partidos fisiológicos, na busca por governabilidade. As empreiteiras são cooptadas a bancar o financiamento de campanhas com sobrepreço de seus serviços.
Só ganham os segmentos mais organizados da sociedade, como os servidores públicos. Consequentemente, o crescimento do gasto público ganha vida própria, e a receita e o endividamento governamentais vão a reboque de decisões de dispêndio tomadas por pressões políticas, indiferentes à lógica alocativa ou às restrições orçamentarias.
Ao longo desta esbórnia fiscal, os gastos em segurança nacional foram presas fáceis. Para o tecnocrata, as Forças Armadas vinham sendo tratadas como mal necessário, uma ala exótica do setor público, patriota, mas preocupada com uma improvável guerra com nossos vizinhos. Cortar suas verbas, então, não gerava remorsos: qual a necessidade de um novo tanque para invadir a Argentina?
Ademais, os militares são disciplinados por profissão, uma vez negada a verba, não se valiam das chicanas consagradas pelos civis encastelados em ministérios com o propósito de servir aos seus objetivos eleitoreiros. Não é por outra razão que a participação da Defesa no orçamento federal vem em trajetória de queda há décadas.
Mais recentemente, a sociedade, assustada com a violência urbana e o tráfico de drogas, vem demandando o envolvimento das Forças Armadas no combate à criminalidade sistêmica. Mas o papel crucial delas – garantir nosso território e nossas riquezas naturais – continua fora do radar político.
Neste contexto, um flanco crucial da nossa riqueza natural é a costa de quase dez mil quilômetros de extensão. Seja pelo potencial econômico da flora marítima ou das reservas petrolíferas, está aí um exemplo de interesses econômicos e de Segurança Nacional irmanados.
A defesa deste patrimônio exige que a Marinha tenha o equipamento adequado para enfrentar interesses divergentes dos nossos. Ao adquirir tal equipamento, a apropriação nacional da tecnologia é pré-condição fundamental. Não há como comprarmos um veículo de qualidade, mas que possa ser “desligado” por um detentor estrangeiro da sua tecnologia, emprestada como caixa preta para o Brasil.
Deve-se questionar a proteção descabida da indústria automobilística, há 70 anos recebendo subsídios como indústria nascente. Mas no caso da indústria militar, exigir a propriedade nacional da tecnologia é pré-condição fundamental.
No momento, a Marinha patrocina um certame para escolha de um parceiro na construção de 4 corvetas, inspiradas em projeto concebido no Brasil, o Tamandaré. Que venham propostas dos melhores do mundo, que se assegurem recursos para levar o projeto a bom termo e que se privilegie quem tiver solida tradição em transferir tecnologia, partilhar conhecimento e desenvolver a competência nacional no setor.
Hora de economistas tratarem a defesa das nossas riquezas com o profissionalismo e visão estratégica que garantam à Defesa condições de preservação do que é nosso.
Matérias Relacionadas
EDITORIAL – 44% Miope ou Desonesto Agosto 2017 Link
Forças Armadas sofrem corte de 44% dos recursos OESP Agosto 2017 Link
CREDN – Ministro Defesa e Comandantes alertam para orçamento de 2019 DefesaNet Link
Comandante critica cortes no orçamento do Exército 2018 Link
Temer retoma investimento em programas militares Folha de São Paulo Março 2017 Link