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POLÍCIA LETAL – Controle falho, crimes impunes

Alessandra Duarte 
Carolina Benevides 
 
Ainda que tenha uma das polícias que mais mata no mundo — em 2012, cinco civis foram mortos em confronto diariamente em todo o país —, os controles interno e externo da atividade policial no Brasil ainda são frágeis e não dão conta da demanda de investigações sobre suspeitas que recaem sobre os agentes de segurança. Pesquisa realizada pelo sociólogo Ignacio Cano, da Uerj, com corregedorias de Polícia Militar, Polícia Civil, bombeiros, Polícia Federal e Sistema Penitenciário mostra que esses órgãos contam com infraestrutura precária. A formação dos servidores é inexistente em vários estados e boa parte dos policiais desses órgãos tem autonomia restrita. Além disso, a pesquisa aponta que a população tem uma imagem negativa do trabalho realizado. 
 
Como resultado, muitos crimes cometidos por policiais acabam ficando impunes. Ao todo, 16 corregedorias da PM e 15 da Polícia Civil participaram do estudo. 
 
— No Brasil, corregedoria não é vista como algo essencial. Em geral, têm contingente pequeno, enfrentam dificuldade de recrutamento e o policial não tem estabilidade, o que faz com que possa depois de investigar um agente ter que trabalhar na rua com ele. Além disso, investigam pouco, não recebem denúncias por medo, mas não são proativas — diz Cano. 
 
Sobre a atuação do Ministério Público, responsável pelo controle externo das policiais, o Procurador Regional da República e conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Mario Bonsaglia reconhece que "há falhas e que o papel do MP de ser aprimorado".
 
— O Ministério Público é omisso ao fazer o controle externo. Existem promotores, claro, que levam o trabalho a sério, mas são casos isolados. 
 
Algumas ouvidorias, por sua vez, acompanham casos de letalidade mas não dão queixa nas corregedorias. Na verdade, os mecanismos, de controle foram esvaziados. O resultado são civis e policias mortos. 
 
Ninguém ganha com isso — diz Samira Bueno, secretária executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Subsecretário de Planejamento e Integração Operacional da Secretaria de Segurança Pública do estado do Rio, Roberto Sá concorda que as corregedorias não são proativas, mas diz que é hora de mudar: 
 
— Tem que se tornar proativa. 
 
Não precisa esperar que a denúncia seja feita, pode tomar conhecimento do fato, por exemplo, pelos jornais. Sabemos que as pessoas ainda têm preconceito, ainda têm receio de denunciar. Mas é importante ainda que saibam que toda denúncia que chega vai ser levada a cabo — afirma Sá.  
 
Dados sobre letalidade são omitidos 
 
Além das corregedorias, há estados que também contam com ouvidorias. No entanto, segundo Samira Bueno, secretária executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a maioria dessas unidades não trabalha com transparência: 
 
— Elas recebem dados sobre letalidade policial, mas não divulgam. Das 18 que existem no Brasil, 16 não repassam informações. Não se sabe exatamente o que fazem e como trabalham. De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, estados como Sergipe.
 
Roraima, Rondônia, Mato Grosso do Sul, Tocantins e o Piauí não tem ouvidoria em funcionamento. 
 
— A ouvidoria de polícia seria o controle externo, mas não há essa figura em todos os estados, e nenhuma das existentes tem poder de investigação — lembra Adriana Loche, consultora do Banco Mundial e pesquisadora da área de segurança pública. 
 
Pai de Márcio Leandro, morto aos 32 anos em um suposto confronto com a polícia, Sylvio buscou ajuda no Ministério Público Estadual no Rio para esclarecer o caso. No entanto, segundo ele, ouviu que não havia muito a ser feito. 
 
— O MP não ajudou. Acabei procurando a OAB e a Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio). Meu filho era mototaxista e foi morto em casa por PMs. A perícia comprovou que os policiais atiraram à queima roupa, mas a morte foi registrada como auto de resistência. Minha neta, na época com três anos, viu tudo e até hoje tem pavor de homem fardado. Quero ver a verdade aparecer. A Polícia Militar acha que pode tudo, não tem limite. Ele não era bandido. Mas, se fosse, não tem pena de morte no Brasil. A polícia nem tinha mandado de busca ou de prisão. Se ele fosse bandido, se tivesse algo errado, eles deviam prender. Eles não são juízes para condenar ninguém. 
 
Promotores sem estrutura para investigar 
 
Para Bonsaglia, a atribuição dada ao Ministério Público pela Constituição é fundamental, mas exercê-la "não é fácil": 
 
— Há uma prática arraigada no Brasil e de difícil mudança. A sociedade não questiona a letalidade policial. Se não há questionamento, há acomodação. As pessoas, então, acabam invisíveis. A maioria está nas camadas menos privilegiadas. No CNMP, o tema tem merecido atenção, mas não há ainda uma política própria sobre a questão. No entanto, acreditamos que as mortes envolvendo policiais devem ser encaradas como homicídio. Os boletins de ocorrência feitos como auto de resistência são inconsistentes. Daí, é direto para o arquivo. 
 
Outra dificuldade enfrentada pelos promotores, além da má qualidade dos boletins de ocorrência, é a falta de estrutura e de segurança para atuar. Promotora em Manaus, Cley Martins concorda que o controle externo precisa ser fortalecido, mas diz que enfrenta problemas para realizar seu trabalho. Lidamos com a falta crônica de estrutura investigatória. Eu precisaria de um quadro de servidores especialistas nas áreas de investigação, perícia técnica, informática e segurança. Além disso, há apenas três anos, os promotores de justiça do controle externo se reúnem em Brasília para trocar experiências e encaminhar sugestões ao CNMP para delinear um perfil unificado para a atividade. 
 
Em 2011, o pesquisador levantou um dado que classifica como preocupante. Ele diz que os agentes de corregedorias têm baixa produtividade. Calculou o número de punições feitas por cada servidor de corregedoria. E concluiu que cada membro teria punido, em média, 5,6 colegas, por ano. Nas outras instituições, incluindo a Polícia Civil, a média era apenas de duas punições. 
 
Enquanto isso, o promotor junto à Auditoria Militar do Rio, Paulo Roberto Mello Cunha Jr., que trabalhava com a juíza Patricia Acioli, assassinada em 2011, lembra que, entre 2008 e 2010, quando atuava em São Gonçalo, chegou a investigar cerca de 10% do batalhão da área. 
 
— Denunciamos cerca de 120 PMs, e devemos ter levado a júri quatro casos. Há um passivo grande de casos antigos, aconteceu, por exemplo, de um policial ter praticado o homicídio quando era tenente, e, quando o denunciamos, ele já era major. Cheguei a ver PM que tinha 37, 40 autos de resistência. Houve um PM que denunciei 19 vezes. Ele tinha sempre o mesmo modus operandi: todo mundo que supostamente resistia a ele morria com um tiro na perna e outro na cabeça. 

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