Leandro Machado
de São Paulo
Boina e fardas da cor cinza, coturno preto bem engraxado. Na tarjeta no lado direito do peito, o nome de guerra: cabo Arthur. A diferença para um PM normal fica por conta do tamanho da roupa e do modelo: quatro anos.
"Ele coloca a farda e se sente um homem", diz a mãe do menino, a autônoma Kelly Akemi, 33. Apesar da pouca idade, o menino já diz na lata: "Quero ser polícia".
Entre policiais militares, virou moda fantasiar os filhos com roupas idênticas às que usam diariamente. Neste mês, a PM de São Paulo publicou em uma rede social uma foto de uma garota fardada: carregava um cassetete e uma algema.
A imagem gerou polêmica e houve quem dissesse que a foto incitava a violência. Depois, a PM retirou a publicação do ar. Como resposta, vários pais passaram a publicar imagens dos filhos com as roupas da corporação, com legendas do tipo "vai ter criança fardada sim".
Tinha até meninos fantasiados com a roupa da Rota, tropa de elite da PM paulista que ficou conhecida por atos de violência policial. Arthur não quer nem saber da polêmica. Sua mãe tem de esconder o uniforme para ele não usá-lo todos os dias e evita que o garoto saia na rua com a roupa.
O pai do garoto, que pediu para não ser identificado, é PM em Osasco (Grande São Paulo) há quase trinta anos. Prestes a se a aposentar, está com câncer. Sua esposa Kelly quis homenageá-lo na cerimônia que vai marcar sua aposentadoria. "Meu marido viveu para a polícia. Deu a vida pela PM. Eu quis dar esse presente para ele e fui atrás de uma farda infantil", conta Kelly.
Na internet, Kelly encontrou a confecção Deglen, que já havia feito uma "fardinha" em Bauru, interior do Estado. A dona da fábrica, Claudia Toledo, 50, de início recusou a proposta. "A Kelly só me convenceu quando contou a história da família", diz.
CATÁLOGO
Uma foto do menino Arthur, "fardadinho", começou a bombar nas redes sociais. Claudia passou a receber dezenas de pedidos –normalmente de pais policiais que querem ver os filhos com a roupa da corporação.
"Estou recusando pedidos, porque não estou dando conta de fazer todos", diz ela, que vende uma farda por R$ 110 e está contratando costureiras para aumentar a produção. Ela só faz fardas para crianças de até 12 anos. "Mais que isso, alguém pode usar a farda para o mal", diz.
Morador da cidade de Assis (434 km de SP), o policial Rafael Tácito Monteiro, 32, comprou de Cláudia uma farda para o filho de quatro anos. "Meu filho vestia minha farda todos os dias, quando eu voltava do trabalho. Então, resolvemos fazer uma para ele", diz o policial. "Ele pediu para o Papai Noel. Na véspera de Natal, colocamos ao lado dele na cama. Quando ele acordou, ficou muito feliz".
A moda não é só em São Paulo. A confecção Vemily Fardas Mirins, de Curitiba (PR), vende uniformes para todo o país. Vanessa Sabino, 26, disse que o negócio familiar começou porque o irmão caçula, ainda criança, queria se vestir como o pai, policial militar. A mãe resolveu costurar uma para o menino. "Todo mundo viu e achou lindo".
O catálogo da confecção não tem só roupas de PMs de vários Estados, mas também do Exército, Marinha, Corpo de Bombeiros, entre outros.
Para o professor de psicologia da PUC Helio Deliberador, devido à polêmica que envolve o tema, a prática de vestir crianças com réplicas de fardas pode eventualmente envolvê-las em situações de tensão social. "O ideal seria dizer que a criança poderia fazer a escolha de se vestir assim quando for adulta e vesti-la com roupas mais neutras", afirma.
A PM afirmou que as fardas infantis não são ilegais. "A instituição incentiva e apoia esse costume uma vez que entende que a farda é, para aquelas crianças, o símbolo do heroísmo que cada pai e mãe representa ao seu filho", diz a corporação.