Amauri Meireles
Coronel Reformado da PMMG
Ex-Comandante da Região Metropolitana de BH
EsEFEx – 66
Tramita, no Senado Federal, Proposta de Emenda Constitucional (PEC-51), que, presunçosamente, pretende “transformar a arquitetura institucional da segurança pública, um legado da ditadura…”, atacando o que chama de “desmilitarização do modelo policial”. Ou seja, em uma árvore doente, a PEC propugna por cortar algumas folhas, sem se preocupar com uma progressiva e galopante doença na raiz.
É a equivocada percepção doutrinária, por parte de quem assessorou o senador na apresentação da proposta. Consegue o malabarismo de colocar uma árvore de cabeça para baixo, elaborar uma tese sobre esse engodo e publicá-la, afirmando que a militarização das polícias é a raiz da atual violência, que vem acentuando o clima de insegurança em nosso país.
Ora, essa PEC propõe que, para construir uma casa, se deve começar pela estrutura do telhado!… E, sobre o legado da ditadura, deturpa os fatos, pois não foi em referida época que aconteceu a militarização da força estadual (a polícia militar). Ela já nasceu militar, há mais de dois séculos! No período a que se refere, ocorreu a transformação das forças estaduais, então com forte atuação como exércitos estaduais, em efetivas forças policiais.
Objetivamente, é possível constatar que se trata de uma PEC camaleão!…
Externamente, apresenta-se de verde e amarelo, para assegurar o endosso de correligionários ou angariar a simpatia de certos segmentos a serem cooptados, aumentando o contingente de massa de manobra, insidiosamente levada a agir como arauto, incauta propagandista da PEC. Que, parece, foi elaborada por (ou visando a atrair) policiocratas, para quem a criminalidade vai baixar se se desmilitarizar a força policial (nunca falam claramente “por quê?” e o que é desmilitarização para eles – uma balela que, falada reiteradamente, pretende ganhar ares de verdade, principalmente entre os “do contra” e os militófobos da linha “hay gobierno, soy contra”); ou preparada para afagar o ego dos frustrados, uns que não conseguiram passar em concursos de acesso, reconhecidamente difíceis, outros que foram dispensados por não terem o perfil exigido para profissionais da força estadual, ou, ainda, alguns que estão na Instituição, sem a menor aptidão para assimilar os princípios basilares da disciplina e da hierarquia e, mesmo desajustados, não têm a coragem de “pedir para sair”, nem reconhecer que o erro está neles e não na Instituição. Teria mirado, também, em alguns políticos, que revelam pouco conhecer da matéria, e em outros, que é inacreditável terem lido a motivação da proposta antes de assiná-la. Aliás, sob certo aspecto, é de se dar razão a estes últimos. Realmente, “dá uma preguiça” ler a “Explicação da Ementa” apresentada. Se convidada a interpretá-la, por certo seria um das missões mais difíceis enfrentadas por Madame Natasha (do Elio Gaspari).
O complexo texto fala muito e diz pouco.
Intencionalmente, por certo!
Por que e para que isso, se não atende às estratégias, a verdadeiros interesses nacionais ou sociais? Seria uma tentativa de destruir as forças públicas (as estaduais, depois as federais), obstáculos a projetos de poder de grupelhos?
Já internamente, na montagem e no acompanhamento dessa diabólica PEC, constata-se que predominam os cinquenta tons de vermelho do texto, o qual, diferentemente do filme análogo, ainda não recebeu sua merecida “batata-doce” de ouro, em razão de, infelizmente, haver poucos críticos que entendem, efetivamente, de doutrina de polícia, de defesa da sociedade.
Pressupondo que o atual ministro da defesa (Aldo Rebelo, comunista, às vezes citado como nacionalista) entende mais da matéria que o senador-autor da PEC (Lindberg Farias, comunista, às vezes citado como oportunista) seria extremamente interessante que aquele mostrasse a esse os erros e a inadequação da PEC. Começando pela tal arquitetura institucional da segurança pública, onde os doutos incluem, apenas, a polícia judiciária (Polícia Civil) e a polícia ostensiva (a PM), sem discutir outras dezenas e dezenas de polícias, com destaque para as administrativas, deveras importantes, principalmente na fase preventiva da defesa social. Faltam telhas nesse telhado! Focado apenas na anacrônica expressão “segurança pública”, o bitolado senador não tem a percepção de que o problema de proteção à sociedade não se restringe, apenas, à espécie-crime, mas, sim, ao gênero-ameaças à preservação da vida e à perpetuação da espécie humana. Deveria ensinar-lhe, também, como está estruturada a defesa nacional, onde os órgãos de defesa social têm papel fundamental, com destaque para as forças de polícia estaduais; que essas instituições não podem prescindir do caráter militar, na condição de forças auxiliares (lembrando que “reserva do Exército” é um equívoco constitucional, visto que as PMs não estão qualificadas para substituir os titulares); que é mentirosa a afirmação de que as forças estaduais (as PMs) recebem treinamento bélico, sendo preparadas para atuar em guerras, sendo treinadas para abater o inimigo (que os policiocratas elegeram como sendo o jovem negro pobre. Uma vergonha, usá-los em maldosa jogada de marketing!); que as PMs atuam no espectro que vai da normalidade da ordem social até a grave perturbação da ordem social, situação que pode afetar a ordem nacional, ocasião em que a União passa a dirigir as ações, as FFAA assumem o comando das operações, auxiliadas pelas forças estaduais.
Finalmente, urge ratificar a absoluta necessidade de as forças estaduais terem caráter militar (disciplina e hierarquia, encontradas em várias outras instituições) – sem que isso signifique desenvolver atividades bélicas – participando da defesa social. E, retornando a árvore para sua posição natural (com as raízes na terra), é absolutamente necessário esclarecer, instruir, orientar a sociedade que as causas da criminalidade são outras, principalmente a inobservância da ordem social, a incivilidade e a fraqueza de caráter.
Ao invés de ações que visam ao incremento de certa nefasta ideologia, via PEC-51, o fundamental e prioritário, hoje, sem dúvida, é a formulação e a operacionalização de políticas públicas de Estado, cuja falta mantém a inércia ou ajuda a agravar o problema da insegurança social.