Por Rui Martins da Mota
Continuação… (Ler parte 1)
GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E SEGURANÇA NACIONAL
À luz da Geopolítica, a Segurança do Brasil se assenta na cooperação, tendo na América do Sul sua base física-territorial e na África Subsaariana sua projeção estratégica, por conta do litoral brasileiro debruçado sobre o Atlântico Sul.
De modo geral, os problemas de segurança do País guardam interdependência com os países vizinhos e do Entorno Estratégico[4], como, por exemplo, a crise política na Venezuela, que gerou fluxos migratórios para Roraima, os ilícitos transfronteiriços, o narcotráfico e o contrabando de armas, oriundos dos vizinhos, que intensificam a violência nas grandes capitais, ou ainda as questões ambientais pelo compartilhamento dos ecossistemas da Amazônia, Pantanal e Pampas, e os desafios ao controle das águas territoriais que se expandem pelo Atlântico Sul até o litoral oeste da africana subsaariana.
No aspecto da água doce, o Brasil possui 12% e a América Latina 31% das principais reservas economicamente utilizáveis do planeta, disponíveis em bacias hidrográficas e aquíferos. Destas reservas, 80% se concentram na Amazônia e 20% no restante do território brasileiro, com destaque para o Aquífero Guarani, compartilhado com os países do Cone Sul (Argentina, Uruguai e Paraguai).
O Brasil detém quatro vezes mais água fresca per capita que o restante dos países do mundo, fazendo do País a maior potência hídrica e potencial exportador, em caso de valoração econômica do recurso. Todavia, o País se torna objeto do interesse geopolítico estrangeiro. Relativamente à segurança alimentar, o Brasil destaca-se como potência agrícola de alto nível tecnológico aplicado à produção e por empregar menos de 20% de suas terras agricultáveis disponíveis, possuindo, ainda, os recursos hídricos necessários para o cultivo.
Assim, as vantagens comparativas e competitivas do agronegócio brasileiro, aliadas à tendência de aumento da demanda mundial por alimentos, ampliam a possibilidade de expansão comercial do País, mas também pode colocá-lo na encruzilhada de disputa alimentar, no caso de um cenário de crise alimentar. Lembremos de Machado de Assis, “ao vencedor as batatas”.
No aspecto ambiental, o Brasil é o maior detentor de biodiversidade do planeta (20% das espécies de flora e fauna conhecidas), com imensos recursos florestais, biomassa e genéticos, notável diversidade e extensão de ecossistemas, muitos dos quais compartilhados com vizinhos sul-americanos.
Está, ainda, entre os maiores[5] possuidores de jazidas de minerais estratégicos, fatores geopolíticos relevantes e que tornam os temas climáticos e ambientais de fundamental importância para o País, que defende a preservação ambiental com desenvolvimento sustentável, bem como a cooperação internacional e regional no enfrentamento dos ilícitos ambientais transnacionais.
Questão da biodiversidade e a riqueza de recursos hídricos e minerais, a Região Amazônica está no centro da questão ambiental internacional e tem sido objeto de preocupação nacional e dos estudos geopolíticos brasileiros, desde sua origem.
A Amazônia Brasileira[6] com mais de cinco milhões de quilômetros quadrados, representa 60% do território nacional e possui oito mil quilômetros de fronteiras, tendo a mais importante bacia hidrográfica do mundo e a maior biodiversidade tropical do planeta.
Os temas de segurança na Região Amazônica são abrangentes, envolvendo crimes ambientais, ilícitos transfronteiriços, narcotráfico, biopirataria, questões fundiárias e grilagem de terras, atuação ilegal de organizações não-estatais, garimpos ilegais, violência entre grupos sociais diversos, divergência quanto à demarcação de terras indígenas, particularmente as coincidentes com jazidas de recursos minerais estratégicos.
Portanto, a cobiça internacional não pode ser descartada, sobretudo considerando as reservas minerais e de água doce e a vulnerabilidade da região devido à dificuldade de integração logística com o centro-sul do País.
“A Amazônia é uma questão nacional de primeira ordem, pelos vários problemas a que está associada – narcotráfico, guerrilha em países limítrofes, pouca presença do Estado, necessidade de vivificação, conflitos étnicos e, sobretudo, a cobiça internacional” (CASTRO, 2006).
Outra questão geopolítica e de Segurança Nacional refere-se ao controle das águas jurisdicionais brasileiras do Atlântico Sul. A aplicação da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar permitiu ao País a delimitação da Zona Econômica Exclusiva e da Plataforma Continental (Amazônia Azul) como águas jurisdicionais, potencializando a exploração econômica da pesca marinha e a extração de petróleo e gás das jazidas offshore do Pré-Sal.
No entanto, há de se considerar o risco de inviabilidade econômica do Pré-Sal, tendo em vista a redução do preço do petróleo e a possibilidade de surgimento de alternativas energéticas viáveis.
Enfim, o Entorno Estratégico de projeção da Amazônia Azul reforçam a necessidade de cooperação e a parceria do Brasil com os países da costa ocidental da África Subsaariana. Todos estes temas geopolíticos podem se tornar fatores atrativos para ingerências externas sobre o Brasil no Século XXI.
Assim, para assegurar a exclusividade de acesso e preservar ganhos e a sustentabilidade dos ecossistemas e recursos naturais brasileiros é necessária estratégia dissuasória, obtida com força militar compatível, o que se sustenta sobre o tripé Desenvolvimento-Segurança-Defesa.
Tomando a Política Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa (END) como principais referências sobre a Segurança Nacional, é preciso destacar que a América do Sul, a Amazônia e o Atlântico Sul foram definidos como prioridades estratégicas do País.
Na América do Sul, o Brasil busca aprofundar o processo de integração regional, valendo-se de sua liderança econômica e política.
Na Amazônia, a maior vulnerabilidade estratégica do País, o objetivo é mitigar as ameaças pela ampliação da capacidade de monitoramento e atuação da Estrutura Militar de Defesa, particularmente do Exército Brasileiro (EB) e da Força Aérea Brasileira (FAB).
Já no Atlântico Sul (ou Amazônia Azul), o objetivo é ampliar a capacidade naval da Marinha do Brasil, ao mesmo tempo em que se busca ampliar a cooperação com países africanos do litoral atlântico.
Em resumo, a preservação da soberania nacional no Século XXI, com fulcro no pensamento geopolítico, segue no caminho da segurança cooperativa, em particular com os países das comunidades geopolíticas latino-americana e africana subsaariana, bem como pela manutenção da capacidade das Forças Armadas brasileiras em seu papel central para a Segurança Nacional e como elemento dissuasório relevante de demonstração do Poder Nacional.
GUERRA MULTIDIMENSIONAL E AMEAÇAS NÃO-ESTATAIS
As inovações tecnológicas e não-tecnológicas possibilitaram a incorporação de novas dimensões ao espaço de batalha, induzindo mudanças constantes no paradigma da guerra e de emprego dos meios militares, conforme se observa no quadro abaixo (DA MOTA; FRANCO-AZEVEDO, 2012 e 2017).
As mudanças tecnológicas e sociais recentes resultaram na substituição da Era Industrial pela Era da Informação, com a degradação das distâncias, possibilitando amplo fluxo internacional de pessoas, ideias, capitais, bens e serviços.
Estas transformações resultaram, também, na degradação do poder, ao proporcionar a atores menores competirem contra grandes estruturas, bem como ao possibilitar a pequenos grupos desafiarem o próprio poder do Estado.
Neste mundo globalizado, surgiram ameaças não-estatais difusas e desterritorializadas, perpetradas por atores com atuação transnacional e transdimensional, interligados em rede, utilizando o locus do ciberespaço, e a combinação de velhos métodos, como as táticas de guerra irregular, com novos meios, como a terceirização das forças de combate (as proxy forces[7]), o bioterrorismo e as armas de destruição em massa (químicas, biológicas, radiológicas ou nucleares), motivados por razões étnicas, econômico-sociais, religiosas ou territoriais.
Assim, os novos adversários do Estado Nacional não são propriamente Estados, mas podem ser patrocinados por Estados rivais, agindo por interesses políticos. Outras vezes estes novos atores somente exploram a violência, visando a obtenção de lucros ilícitos.
Neste cenário foram estabelecidas as condições necessárias para a mudança do paradigma de guerra com o surgimento da Guerra Híbrida[8] ou Guerra Multidimensional, que abrange ameaças que desafiam todas as Expressões do Poder Nacional (DA MOTA; FRANCO-AZEVEDO, 2012 e 2017). Em suma, a nova agenda internacional de segurança envolve os seguintes temas:
1) ameaças globais – (a) econômicas e sociais, como pobreza extrema; (b) sanitárias, como pandemias e doenças infecciosas; e (c) ambientais, como degradação ambiental e de ecossistemas e alterações climáticas;
2) conflitos interestatais;
3) conflitos intra-Estado, incluindo guerra civil, genocídio e violência generalizada;
4) armas de destruição em massa (químicas, biológicas, radiológicas e nucleares)[9];
5) terrorismo transnacional[10];
6) crime organizado internacional, como tráfico de drogas e de armas; e
7) grandes fluxos migratórios[11].
O paradigma de guerra multidimensional de ameaças não-estatais do Século XXI, diferente do paradigma industrial do Século XX, é uma “guerra (ou conflito) no meio do povo”, que atinge cidadãos comuns e não mais só os combatentes, particularmente em “áreas de exclusão” dentro do próprio território do Estado-Nação, cuja existência desafia a Soberania Nacional e a credibilidade do Estado em prover segurança a seus cidadãos.
A guerra multidimensional, quando empreendida por Estados ou organizações dotadas de poder político e/ou econômico, pode abranger meios diversos (convencionais, irregulares e assimétricos), incluindo a manipulação ideológica e da opinião pública, podendo empregar de forma sinérgica desde forças miliares convencionais, forças de operações especiais, proxy forces, forças paramilitares a grupos terroristas e criminosos comuns, bem como agentes de guerra da informação, agitadores políticos, instrumentos de guerra cibernética e guerra biológica e, ainda, pressão econômica.
Fato notório do paradigma de guerra multidimensional é a dificuldade do Estado conseguir derrotar definitivamente adversários compostos por milícias e grupos armados agindo no meio das populações, o que gera debate sobre dois aspectos essenciais para o Estado de Direito e a Democracia:
(1) a capacidade do Estado exercer plenamente sua soberania em todo o território nacional, ofertando proteção a todos os seus cidadãos; e
(2) o fim do monopólio estatal da violência. Estes dois aspectos resultam em controvérsia quanto ao emprego das Forças Armadas no combate ao crime organizado e à contratação de empresas privadas para atuarem em atividades de Segurança do Estado.
A guerra multidimensional e as ameaças não-estatais, assimétricas e globais, face à ineficácia do Estado e aos seus tradicionais instrumentos de segurança, exigem nova concepção de Segurança e Defesa.
Ameaças globais exigem respostas igualmente globais, com coordenação interinstitucional, no âmbito do Estado, e arquitetura de segurança cooperativa, no cenário internacional, associando capacidades em todas as expressões do Poder Nacional e do arranjo internacional.
Há de se relembrar, ainda, que a ascensão da guerra multidimensional e das ameaças não-estatais não representa o fim dos conflitos convencionais tradicionais nem das ameaças estatais clássicas.
É sim a ampliação do leque de ameaças à segurança do Estado, que transcende o campo militar, implicando em revisão da capacidade de resposta do Estado para preservar a Segurança Nacional e a segurança de seus cidadãos.
As Forças Armadas, por sua vez, devem estar simultaneamente preparadas para conflitos de alta e de baixa intensidade, bem como adestradas para emprego interagências com demais entidades públicas e privadas e a atuação sinérgica com as Forças de Segurança Interna, num espaço de batalha tangível e intangível, dinâmico, não-linear, assimétrico e imprevisível.
Enfim, ao Estado cabe se preparar tanto para as ameaças estatais tradicionais quanto para as novas ameaças não-estatais, por meio da manutenção e da criação de capacidades, bem como pela reavaliação das estratégias e dos instrumentos de Segurança e Defesa, a fim de obter respostas efetivas simultaneamente nas esferas da Segurança Internacional, Defesa Nacional e Segurança Pública.
A TERCEIRIZAÇÃO DA SEGURANÇA
Com o fim da Guerra Fria e da lógica bipolar, os efetivos militares foram reduzidos, gerando aumento da oferta de mão-de-obra qualificada em segurança para o mercado privado, possibilitando a expansão das Empresas Militares e de Segurança Privada (PMSC).
O avanço neoliberal e a Revolução em Assuntos Militares (RAM) resultaram nas seguintes alterações que também contribuíram para terceirização dos serviços de Segurança e Defesa:
(1) na dimensão organizacional, a elevada profissionalização e especialização militar;
(2) na dimensão conceitual de segurança, o surgimento da guerra multidimensional e das ameaças não-estatais, abrangendo guerras convencionais e assimétricas e a pulverização da violência armada;
(3) na dimensão doutrinária, o esvaziamento do paradigma de guerra nacional baseado na tríade de Clausewitz (Estado, Povo e Forças Armadas, ou seja, política, interesse nacional e Forças de Estado), a erupção da RAM e a proliferação das corporações privadas de segurança.
À luz do pensamento weberiana de Estado Nacional como portador do monopólio do uso da violência, a utilização de forças militares não-estatais pode parecer um fenômeno recente e ilegítimo. Contudo, o emprego de tropas privadas por Reinos e Estados é tão antiga quanto a própria guerra, remontando à Antiguidade.
Egípcios, gregos e romanos frequentemente recorriam a exércitos mercenários em suas guerras. Do mesmo modo, o Reino Unido e os Países Baixos utilizaram as Companhias das Índias Orientais e Ocidentais para estabelecerem marinha, exército e suas bases de apoio na Índia e outros territórios coloniais, assim como a China, nos dias de hoje, emprega suas empresas militares privadas para proteger ou avançar seus interesses pelo mundo.
Foi somente no final do século XVIII que o emprego dos exércitos nacionais permanentes superou a contratação de mercenários. A gradual exclusão do ator militar privado somente ocorreu com o avanço do Estado Moderno, após seu surgimento na Paz de Vestefália (1648), e o fortalecimento do nacionalismo com a propagação das ideias burguesas da Revolução Gloriosa (1688) e dos ideais da Revolução Francesa (1789) e das Guerras Napoleônicas (1793-1814).
Também contribui para a marginalização da imagem dos exércitos privados a atuação de forças mercenárias nas guerras anticoloniais africanas, na segunda metade do século XX, os chamados “dogs of war” (cães de guerra), os quais tiveram sua legalidade questionada, devido à proibição da atividade mercenária pela Carta das Nações Unidas, e sua atuação recriminada devido ao desrespeito aos direitos humanos.
A diferença entre forças mercenárias e empresas militares e de segurança privada (PMSC) está no carácter empresarial privado das PMSC, que se regem pela lógica comercial e a lei de mercado, com estrutura organizacional moderna. Algumas destas empresas até possuem cotação na bolsa de valores.
Ao contrário, as forças mercenárias não são organizadas numa estrutura corporativa. Todavia, os relatos de prestação de serviços a ditaduras, grupos terroristas, cartéis de droga e outras organizações criminosas lançam sombra sobre a licitude das PMSC.
Sabe-se que as PMSC contam com quadro de funcionários compostos por antigos militares, treinados nas forças especiais e serviços de inteligência e de segurança do Estado, dotados de equipamentos e armamento sofisticados, oferecendo serviços variados, que vão desde o apoio logístico à atuação direta em operações militares, a manutenção de sistemas de armas, segurança de instalações e pessoas e a capacitação de outras forças.
No entanto, as PMSC não dispõem de exércitos convencionais, esquadrilhas aéreas, esquadras navais, divisões blindadas nem grupos de artilharia. Ao contrário, contam com especialistas em assuntos militares e unidades especializadas em ações especiais, rápidas e precisas.
Considerando o paradigma de guerra multidimensional e de ameaças não-estatais da Era da Informação, caracterizado pela alta especialização das atividades militares e de segurança, as PMSC são alternativas para a limitação (e redução) dos efetivos das Forças de Segurança do Estado, bem como para a dificuldade de mobilização de cidadãos reservistas.
No entanto, surgem problemas associados à terceirização privada de atividades públicas, principalmente por se tratar de tema que impacta sobre a soberania do Estado e o Poder Nacional. Já houve debates sobre a terceirização e privatização de outras funções públicas, como a saúde e a educação, os quais foram superados pela racionalidade política e econômica.
O mesmo deve ocorrer com a função Segurança do Estado. Do ponto de vista pragmático, a realidade sempre se impõe e o fenômeno da expansão das PMSC parece ser uma tendência irreversível, da mesma forma que o Século XXI gerou a erosão do modelo de soberania westefaliana associada ao monopólio estatal da violência legítima.
O centro do debate, então, recai sobre a capacidade de desempenho das PMSC com comprometimento com o interesse público nacional, próprio das Forças de Segurança do Estado, obtido pela construção de valores e patriotismo.
O emprego de PMSC aponta para algumas vantagens, mas traz também alguns riscos para o Estado. Sua utilização pode resultar na economia de recursos públicos, reaplicáveis em atividades centrais das Forças Armadas e dos Órgãos de Segurança Pública ou mesmo em outros setores de desenvolvimento nacional, tendo em vista não demandarem vultuosas despesas, as quais se fazem necessárias à manutenção das grandes estruturas militares e policiais.
Em termos de gestão, a visão neoliberal defende que há maior eficiência econômica na atuação de PMSC, quando empregadas em atividades operacionais e logísticas secundárias e passíveis de terceirização, como na segurança de instalações e pessoas, capacitação e operações de paz.
Segundo seu argumento, as PMSC são mais eficientes pela atuação mais rápida e barata. Por outro lado, a principal crítica às PMSC é quanto ao impacto sobre o Poder Nacional e o controle democrático do Estado, uma vez que as PMSC prestam contas a clientes e não a cidadãos.
Há preocupação também de que Estados empreguem PMSC quando o controle democrático nacional e sanção internacional não permitirem o emprego das Forças Armadas, contornando a opinião pública e a comunidade internacional.
Além disso, o emprego de PMSC pode maquiar as baixas, já que baixas não-militares normalmente não constam em relatórios oficiais. Outra crítica às PMSC está no risco de deixar a segurança à mercê da lógica de mercado, o que poderia resultar na continuidade de conflitos, já que neles estão as receitas das PMSC.
De todo modo, a terceirização da segurança não significa a perda da titularidade do Estado sobre o controle da violência. Podem ser estabelecidos mecanismos jurídicos que permitam a responsabilização das empresas e de seus funcionários por atos ilícitos cometidos e por insuficiência de desempenho, eliminando possível impunidade.
A nível internacional, já existem normas de Direito Internacional Humanitário e de Direito Internacional dos Direitos Humanos aplicáveis às PMSC.
Em 2008, por iniciativa da Suíça com colaboração da Cruz Vermelha Internacional, foi redigido o Documento de Montreux, que estabelece obrigações internacionais e boas práticas nos serviços das PMSC, considerando sua responsabilidade no desempenho de função pública.
O documento se torna base para a regulação internacional da atuação das corporações privadas de segurança e modelo para a legislação no âmbito nacional.
Independentemente de vantagens e riscos, algumas nações já descobriram formas criativas de empregar as PMSC em consonância com os interesses nacionais, contratando-as para ações secundárias e contra ameaças não-estatais, como na manutenção de bases de operações militares, no combate a grupos armados criminosos, ou mesmo como forças de vanguarda territorial.
São casos a serem estudados os contratos de PMSC pelos EUA, que as empregaram no Iraque e Afeganistão, reduzindo custos públicos, pela Colômbia, no combate à narcoguerrilha, pela Rússia em combate ao terrorismo e pela China, cujas PMSC são as principais forças terrestres e navais na África e no Oriente Médio, garantindo seus interesses em portos e vias.
Enfim, a bibliografia atual, baseada na pesquisa sobre o emprego das PMSC, indica que a terceirização da segurança de Estado para corporações militares privadas representa um mercado crescente, onde as PMSC competem com eficiência, confiabilidade e redução de custos, razão pela qual se torna um instrumento inovador que não pode ser desprezado pelo Estado.
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O Cenário Geopolítico e de Segurança no Século XXI – Parte 1 [Link] |
[1] OSCE – Organização para a Segurança e Cooperação na Europa.
[2] Brexit – Termo na língua inglesa resultante da junção das palavras British (britânico) e exit (saída), referente à saída do Reino Unido da União Europeia.
[3] Cisne Negro – terminologia do analista Nassim Nicholas Taleb.
[4] Entorno Estratégico – engloba a América do Sul e a África Subsaariana.
[5] Posição do Brasil em recursos minerais estratégicos – Nióbio (1º colocado, 97% das reservas mundiais); Zircônio (7º); Níquel (7º); Bauxita (3º); Ferro (5º); Chumbo (1º, 27,3% das reservas); Manganês (2º, 25% da produção mundial); Estanho (3º); Urânio (6º); Diamante (6º); Ouro (10º); e Prata (9º) (PIETROBON-COSTA, 2010).
[6] Amazônia Brasileira – corresponde a 2,32% da superfície terrestre de terras emersas, a 9,6% das reservas hídricas mundiais, 11,6% da área de florestas do mundo e cerca de 20% das reservas hídricas mundiais (SOUZA, 2007).
[7] Proxy Forces – Uma guerra por procuração (em inglês, proxy war) é um conflito armado no qual dois países se utilizam de terceiros — as proxy forces — como intermediários ou substitutos, de forma a não lutarem diretamente entre si (WIKIPEDIA, 2020). Disponível em
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_por_procuração>. Acesso em 26/05/2020.
[8] Guerra Híbrida – o termo híbrido significa a combinação de duas coisas de natureza diferentes. Assim, guerra híbrida representa a combinação do paradigma de guerra regular com o de guerra irregular. No entanto, o paradigma de guerra do Século XXI parece muito mais complexo do que meramente a fusão destes dois modelos de guerra e se caracteriza por ameaças em várias dimensões, como no campo econômico, cibernético, biológico, midiático etc, além do campo militar, de modo que o termo Guerra Multidimensional parece mais apropriado para melhor caracterizar o atual paradigma de guerra.
[9] O tema da proliferação das armas de destruição de massa está na agenda de segurança do Brasil, no entanto o País discorda da narrativa das potências internacionais de negação de tecnologias sensíveis, como a nuclear, a países em desenvolvimento.
[10] O terrorismo internacional não é prioridade na agenda de Segurança Nacional e o País trata o assunto com muita cautela, evitando taxar grupos internacionais como terrorista, a fim de evitar se tornar alvo potencial de ataques, bem como aborda a questão da Tríplice Fronteira de modo a não associá-la à imagem do terrorismo transnacional.
[11 ] As questões migratórias estão presentes na agenda de Segurança Nacional, sem assumir posição prioritária, apesar do aumento do fluxo migratório para o País nos últimos anos. A prioridade da agenda nacional está na soberania sobre a Região Amazônica e controle da plataforma continental, os quais perpassam pela questão ambiental, tendo em vista a amplitude da biodiversidade e riqueza natural.
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